O melhor livro publicado no Brasil em 2024 se chama Solenoide e foi escrito pelo romeno Mircea Cărtărescu. Lançado pela Mundaréu com tradução de Fernando Klabin, é uma viagem delirante por um mundo em estado avançado de esboroamento. “Cheguei ao mundo numa realidade putrefata”, diz o narrador a certa altura, “cujo tecido tinha buracos nos quais podia se enfiar um dedo, e minha busca é justamente por essas rupturas e rasgos da história.” No decorrer de quase 800 páginas, perdemos a conta de quantos rasgos historiais frequentamos. A rigor, o próprio livro, descrito como um “antirromance” e concebido por um suposto duplo de Cărtărescu, representa a ruptura maior. Fruto de uma “escrita condenada desde o início, e não porque nunca chegará a se tornar um livro, mas porque permanecerá um manuscrito”, “Solenoide” é “um antilivro, a obra para sempre obscura de um antiescritor”. O duplo não se tornou um autor celebrado, indicado ao Nobel de literatura, ou seja, ele não se tornou o Cărtărescu que conhecemos. Suas pretensões literárias foram destruídas na universidade: ao participar de um sarau, foi humilhado pelos colegas e por um professor após ler um poema intitulado “A queda”. Assim, o “manuscrito” é o relato de uma vida aparentemente banal na Bucareste dos anos 1970 e 80, ainda sob o regime ditatorial de Nicolae Ceaușescu: os pais operários, a internação em um “preventório” para crianças tuberculosas, as ambições e humilhações literárias, a resignação à vida de professor, um casamento fracassado, o relacionamento amoroso com uma colega professora, Irina, e a redação do próprio relato — cujo destino é o fogo, não a publicação.