Animais são quase sempre protagonistas em obras marcantes do goiano Siron Franco. Muitas vezes, eles aparecem no trabalho dele pela beleza estética e, principalmente, como grito de socorro e denúncia. Ao levar, em 1990, antas gigantes de gesso para a Esplanada dos Ministérios, o artista chamou a atenção do mundo para os maus-tratos aos bichos. Dessa vez, ele faz um novo alerta para um símbolo nacional que corre sério risco de extinção. No Dia Internacional da Onça-Pintada, celebrado em 29 de novembro, na segunda-feira, a cúpula do Museu Nacional da República, em Brasília, vai receber, a partir das 19 horas, uma obra de vídeo mapping do pintor.“Estou num território no qual me sinto muito à vontade. Já pintei jacarés, calangos, animais rupestres, capivaras, antas e as aves do Cerrado. Sempre representei os bichos. Antes, na pintura, os animais eram pano de fundo ou um estudo científico da forma, eu os coloquei em destaque porque me fascinaram desde a minha infância”, conta Siron Franco. A data do Dia Internacional da Onça-Pintada é recente e foi oficializada por meio de portaria do Ministério do Meio Ambiente em 16 de outubro de 2018. O objetivo da escolha da celebração foi unir esforços em ações de divulgação sobre a importância ecológica, econômica e cultural da espécie.Siron Franco apresenta o terceiro vídeo mapping na cúpula de Brasília. O primeiro foi no Dia Mundial da Água, em 2018, e, depois, ele fez um sobre o Cerrado em 2019, em que chamou a atenção para as queimadas. A técnica é uma projeção de conteúdos audiovisuais, que pode ser realizada em qualquer tipo de superfície, trazendo movimento, profundidade e interação. Apesar do mistério da obra, o artista adiantou que desenvolveu algumas cenas, entre elas, do nascimento, da beleza das onças e da caçada aos animais. “Ficou muito forte o trabalho. Tem uma parte em que os animais saem correndo e começa a haver tiros. Nesse momento, eles viram pele”, revela. O vídeo deve ficar em exibição durante quatro horas na cúpula.A onça-pintada há muito tempo aparece na obra de Siron. Na Bienal Internacional de São Paulo, em 1987, o artista apresentou uma instalação enorme com 900 da espécie em gesso e que tinha no teto cabeças do animal decepadas que formavam o desenho da bandeira do Brasil. O trabalho atraiu tanta atenção que, ao final da mostra, o artista distribuiu entre as crianças todas as peças que compunham o cenário. A ideia era fazer com que cada um se comprometesse com a causa ecológica e que tivesse o felino como símbolo do seu engajamento, pois, se a matança deles não tivesse fim, o bicho só seria visto por gerações futuras em gesso ou em livros de História.Em 1990, Siron retornou ao tema para denunciar a exterminação criminosa das onças para serem transformadas em casacos de socialites. Essa mensagem era o ponto de partida da coleção Peles, uma das mais significativas da sua carreira. Nos trabalhos, produzidos na técnica óleo sobre tela, o artista cria superfícies de grande sensualidade, que envolvem também uma ambiguidade, já que o charme dos casacos e cachecóis, por exemplo, são frutos de sangue e da devastação do meio ambiente. Em boa parte das telas, o artista colocou números sobre as peles dos animais, representando os calibres das armas utilizadas na caça.BicharadaOutros animais em perigo de extinção também ganharam a atenção de Siron, caso das antas. Em 1986, ele levou 60 animais de gesso em tamanho natural para a frente do Congresso Nacional, em Brasília, formando a bandeira do Brasil. O trabalho teve repercussão em jornais do mundo todo. Depois, ele foi “convidado” pelos seguranças a retirar a instalação do local. A simbologia fez com que alguns deputados não entendessem a finalidade do protesto, achando que fosse uma crítica à atuação deles. “Eles confundiram, eu jamais faria isso com elas”, brinca. O artista, com a ajuda da população, levou as peças para a frente do Teatro Nacional.Em 2014, os olhos de Siron estavam voltados para o sumiço das abelhas. Ele chamou a atenção sobre o assunto com uma intervenção em Goiânia nas paredes externas do Instituto Rizzo, no Setor Sul, ao plotar cerca de 2 mil imagens dos insetos. A inspiração para o projeto surgiu ao acaso após o artista assistir ao premiado documentário Mais que Mel (2012), do diretor suíço Markus Imhoof. “É algo sério. Cientistas dizem que quando elas somem significa que a humanidade vai viver pouco. É muito assustador. Estamos deixando para nossos filhos e netos um mundo que parece um filme de terror. São temas assim que me capturam; quando vejo, estou fazendo algo sobre”, comenta.Outro animal que apareceu recentemente na obra de Siron Franco foi a baleia. Ele iniciou no final de 2018 um monumento com a forma do mamífero na Estação Antártica Comandante Ferraz, base brasileira instalada na Península Keller, em 1984. No trabalho, ele utilizou cerca de 200 tubos de fibra de carbono, numa base de 23 toneladas de concreto. A obra chama a atenção para o extermínio desses animais. Em março de 2019, o artista criou um tubarão-baleia de 15 metros de comprimento em uma armação de metal como símbolo de uma campanha de combate à poluição marinha. A escultura foi instalada na Praia do Gonzaga, em Santos e depois seguiu para outras cidades.Paixão pela projeçãoDesde pequeno Siron Franco é um apaixonado por projeção. Aos finais de semana, ele recebia os amigos em casa e projetava filmes na parede de casa. O artista começou a filmar com Super-8 (um formato cinematográfico desenvolvido nos anos 1960), aos 14 anos. Inclusive, foi essa paixão que fez ele registrar desde o início da carreira imagens da sua produção - o pintor tem mais de 200 fitas VHS guardadas no seu ateliê numa chácara em Aparecida de Goiânia. O material foi fundamental para a produção do documentário disponível nas plataformas digitais Siron. Tempo Sobre Tela, dos cineastas André Guerreiro Lopes, de São Paulo, e Rodrigo Campos, de Recife. “Sempre documento tudo que faço e boa parte nunca assisti”.Animais nos monumentosQuando levantou o Monumento às Nações Indígenas, em 1992, um conjunto de 500 colunas de cimento de 2,10 metros de altura cada, distribuídas em uma área de 10 mil km2, formando o mapa do Brasil, no Setor Buriti Sereno, em Aparecida de Goiânia, o foco do trabalho de Siron era a denúncia contra a extinção das etnias. Mesmo assim, os animais não ficaram de fora da obra, inaugurada como parte da programação da conferência Rio Eco 92. “Fiz jacarés, macacos, tucanos. Eles estavam nos totens”, lembra. O lugar hoje está abandonado, quase todas as peças foram roubadas e quebradas, e quem passa pelo local nem imagina que ali esteve um significativo trabalho da carreira do pintor, que ainda planeja refazer a instalação.Outro importante monumento na carreira de Siron que conta com animais foi o painel Rupestre Brasileiro, instalado em um paredão concretado em frente ao Dique do Tororó, um dos pontos turísticos de Salvador (BA), construído pelos holandeses durante a ocupação na capital baiana em 1624. A obra foi um presente dele à cidade quando ela completou 454 anos, em 2002. O artista desenvolveu 454 peças em alumínio estilizadas a partir de pinturas encontradas em sítios arqueológicos de Goiás e do sudoeste da Bahia, nas margens do rio Corrente e na Serra do Ramalho. Em 10 anos, todas foram roubadas, a maior parte por pessoas que vendem o metal. “Infelizmente, não existe mais. Tinha pássaros, capivaras, urso. Todo tipo de bicho”.Questões sociaisQuem conhece a obra de Siron Franco não pode esperar encontrar um caminho único percorrido ao longo da sua premiada trajetória. Por meio de um olhar cirúrgico e crítico, ele sempre esteve ligado também às questões sociais. Em 1990, por exemplo, o goiano fez uma instalação novamente no Congresso Nacional, em Brasília, com 1200 caixões infantis, que era o número de crianças mortas no Brasil naquela época, vítimas de desnutrição e da falta de cuidados no pré-natal. O pintor também sempre mandou seu recado em ações de protesto com enfoque político, como o enorme bloco de dois metros de altura representando excrementos humanos, que levou nos anos 2000 para Brasília, para denunciar a corrupção no Senado. Siron não fechou os olhos para a violência doméstica. Em 2016, no Instituto Rizzo, ele pintou as paredes brancas com as frases na cor vermelho-sangue: "A cada 2 horas, uma mulher é assassinada" e "A cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil", (dados do IBGE) pintadas à exaustão, de propósito, para mostrar a repetição desse crime. Em 1997, em Brasília, ele criou um jornal, de 200 metros de largura por 100 de comprimento, no qual pessoas caminhavam, em que reproduziu matérias de vários jornais do País que falavam justamente sobre violência contra a mulher. Ainda na carreira, fez um memorial em homenagem à doação de órgãos e denunciou o descaso das autoridades diante dos povos indígenas.