Em 30 de novembro de 1982, a música viveu um terremoto e dali em diante, o mundo pop nunca mais seria o mesmo. Naquela data era lançado Thriller, de Michael Jackson, trabalho que conquistaria e manteria o recorde absoluto de vendagem em todos os tempos. Nesses 40 anos, mais de 120 milhões de cópias foram comercializadas, sendo o número 1 nessa lista do Guinness Book. Sete canções do álbum foram para o Top 10 da Billboard, principal termômetro de sucessos musicais do mundo, e o disco permaneceu lá por inacreditáveis 122 semanas. Até hoje, mais de 100 mil cópias são vendidas anualmente nos EUA.Thriller marcou a coroação de Michael Jackson como Rei do Pop, título que não perdeu até hoje, mais de 13 anos após sua morte, com apenas 50 anos de idade. O disco também se tornou um dos mais influentes de toda a história porque ultrapassou as fronteiras da música, chegando aos campos do cinema, da moda, da dança. A impressão que temos é que tudo nele é antológico, todas as inovações que trouxe vieram para ficar e que, quando o revisitamos, encontramos seus ecos em vários trabalhos, em várias referências de hoje. Thriller é uma espécie de onipresença com a qual nos deparamos frequentemente.Michael Jackson teve uma vida polêmica e um final trágico. Esteve envolvido em uma série de escândalos, foi julgado em casos de pedofilia, sofreu problemas de saúde sob os holofotes públicos e até a cor de sua pele mudou. Mas a genialidade desse artista é atestada nos trabalhos que deixou e o mais icônico deles, sem dúvida, é Thriller. Desde os Beatles, o mundo não via um disco emplacar tantos sucessos. Aliás, em uma das canções, The Girl is Mine, lá está Paul McCartney dividindo os vocais com Michael Jackson nessa balada romântica. Tudo sob as bênçãos de um mago, o produtor Quincy Jones.Mas o álbum era tão impressionante que mesmo essa parceria histórica ficou eclipsada pelos sucessos arrebatadores que ele continha. Dois deles figuram entre as canções mais populares e tocadas em todos os tempos. Os acordes de Billie Jean são reconhecíveis em qualquer lugar, com sua batida de soul music que convidava quem ouvia a dançar. Na letra, uma mulher misteriosa habita os pensamentos de um homem, tudo regado a muito ritmo. Foi uma herança que Michael trouxe dos tempos do grupo Jackson Five, formado ainda no início dos anos 1960 por seu pai, Joseph, e que compôs com membros da família.Outro sucesso global do álbum foi Beat It, música que conta com um solo de guitarra furioso de ninguém menos que Eddie Van Halen, um dos maiores de todos os tempos na arte desse instrumento. Na letra, um jovem tenta se afirmar e repete: “Basta vencer”. Era também um recado do próprio Michael, que usou a atmosfera das gangues de rua dos anos 1980 para passar essa mensagem. Era seu grande momento individual e vencer tornara-se, para ele, uma necessidade. É em Thriller que ele consegue isso de maneira inequívoca, superando preconceitos em relação à black music e chegando a todos os públicos.Quem conhece a história de tormentos que cercou todo o sucesso do grupo Jackson Five, no qual Michael Jackson era o grande astro mesmo sendo apenas uma criança, e as afirmações da cultura negra que há em Thriller, pode imaginar o turbilhão que foi aquele período para o rapaz que, com apenas 24 anos de idade, chegava ao topo do estrelato. Sua música era a mais executada em todo o mundo e tudo o que ele tocava virava ouro. Com o álbum, aquele jovem negro e esguio passou a ser imitado em toda parte, tudo o que vestia virava moda, suas coreografias eram reproduzidas de shows a festas de aniversário.Isso pode ser comprovado, sobretudo, com Thriller, talvez seu sucesso mais icônico e perene por conta de todo o imaginário que cerca essa música e o clipe que foi lançado um ano depois de o disco chegar às lojas. Numa versão extendida da gravação original, o clipe, com seus 14 minutos de duração e uma produção nos padrões de Hollywood, é visto como um divisor de águas, o trabalho que estabelece novos parâmetros para esse gênero de produto, impulsiona seu principal canal de divulgação (a emissora MTV, onde estreia mundialmente em 2 de dezembro de 1983) e consolida os laços entre música pop e cinema.Thriller, que já era genial pela forma como consegue transmitir um clima de suspense com seus acordes, fica absolutamente inesquecível após o clipe dirigido pelo cineasta John Landis, o mesmo que havia assinado um sucesso recente do gênero terror, Um Lobisomem Americano em Londres, em 1981. Ele usou seu conhecimento em efeitos especiais e em musicais – ele também assina Os Irmãos Cara de Pau, de 1980 –, unindo-o à coreografia feita pelos zumbis, que rodeiam Michael Jackson. Aliás, é A Coreografia! Os passos dos mortos-vivos talvez sejam os mais populares da história do pop.O clipe foi uma superprodução e custou uma quantia impensável para a época: meio milhão de dólares. A narração é feita pela voz gutural e simbólica de Vincent Price, ícone do cinema de terror da era de ouro de Hollywood. E quem esteve no set durante os ensaios foi Fred Astaire, o mais famoso ator-dançarino da história. No Brasil, o clipe foi exibido, com ares de sessão de gala, no programa Fantástico, da Rede Globo, que já tinha a tradição de exibir essas produções. Jô Soares, que na época tinha um programa de humor na Globo, fez uma paródia hilária de Thriller, em que fica enganchado numa catraca do metrô.Um trabalho cercado de tantos números e inovações não poderia mesmo cair no esquecimento. Além de ser um dos discos mais importantes de todos os tempos, Thriller alterou padrões, forneceu diretrizes para a música pop, não só em termos de sonoridade, mas sobre como ocupar os espaços midiáticos de maneira absoluta. O álbum fez de Michael Jackson o maior astro de seu tempo, mesmo com todos os desgastes de sua imagem pública, e da África ao Oriente, da Oceania à América Latina, os acordes e os passos das coreografias de Thriller, de Beat It, de Billie Jean são reconhecidos de imediato.Moonwalk, zumbis e modaEm uma noite de 1983, o cruzamento da Union Pacific Avenue com South Calzona Street, leste de Los Angeles, foi fechado. E quem passasse por ali naquele momento, certamente ficaria assustado. Afinal, as ruas estavam repletas de zumbis. As gravações do clipe Thriller mobilizaram centenas de figurantes, técnicos e um astro. Michael Jackson, primeiro como um rapaz que é perseguido por mortos-vivos, depois como um deles, ostentando uma maquiagem assustadora, fazia história naquele instante. Estava em produção o clipe mais famoso de todos os tempos, cuja coreografia seria dançada no mundo inteiro.Nos 40 anos de lançamento de Thriller, a música e seus passos inconfundíveis continuam a conquistar gerações, mesmo aquelas que não presenciaram o auge do sucesso de Michael Jackson. O grande astro ainda protagonizaria outros momentos icônicos em uma carreira que teve um ápice quase inalcançável por qualquer outro artista, como o hit Bad e seu clipe, de 1986, ou Black or White, de 1991, mas nada se compara àquele cenário de horror que envolvia cadáveres em decomposição saindo de suas tumbas e passos que eram sofisticados, mas ao mesmo tempo acessíveis, estimulando muita gente a arriscá-los.Não faz muito tempo, em uma prisão nas Filipinas, mais de 1.500 detentos dançaram Thriller e o vídeo viralizou. Famosos e anônimos, nas últimas quatro décadas, não se cansaram de repetir as garras dos zumbis ameaçando atacar ou o balançar de ombros e pescoço que sugere uma certa desarticulação de um corpo sem vida, tudo ritmado por palmas e batidas de pé no chão. Genialidade de dois Michaels, o Jackson e o Petters, coreógrafo que também ajudou a conceber os passos de Beat It. O porte físico frágil do cantor foi trabalhado a seu favor em danças ágeis e movimentos flexíveis.O mérito de que o álbum mais vendido da história e suas respectivas coreografias tenham criado identidades tão fortes cabe, sobretudo, ao próprio Michael Jackson. Amadurecido no ambiente da gravadora Motown, de Quincy Jones, com intenso contato com o melhor da soul music e dos elementos da cultura black power dos EUA, ele ganhou uma sonoridade única. Sua afinação, sobretudo nos falsetes e nos tons mais agudos, seu talento como compositor e um dom impressionante na dança completaram esse conjunto de diferenciais, ao qual foi adicionado um estilo de se vestir que ditou a moda, dos pés à cabeça.Quando Michael Jackson executou pela primeira vez o famoso passo moonwalk, em que literalmente desliza sobre o chão como se estivesse dançando na lua, numa espécie de ausência de gravidade, ele criou um estilo que passava não só pelo movimento em si, mas incluía os sapatos estilosos, o blazer jogado sobre roupas calculadamente desarrumadas e um charmoso chapéu de onde saíam suas madeixas ainda encaracoladas. Aliás, o passo foi apresentado pela primeira vez em um especial de TV que comemorava os 25 anos de criação do estúdio Motown, do qual ele era o principal nome àquela altura.As roupas que Michael Jackson usava nessas performances passaram a ser objetos de desejo e ganharam incontáveis versões mundo afora. O casaco ocre de Beat It ou a jaqueta vermelha com detalhes pretos de Thriller – esta, aliás, leiloada por 1,8 milhão de dólares em 2011 –, além das calças com barras altas ou dobradas para fora, viraram hits e inspiração, da alta costura às lojas de departamentos. Nos anos seguintes, Michael Jackson continuou a ditar moda em muitos segmentos e permanece sendo uma referência, seja na adoção do couro colorido de suas roupas, seja na camiseta branca despretensiosa que usava.Relação estreita com o cinemaNão é acidental que a música mais famosa de Michael Jackson se chame Thriller, palavra que designa um gênero (cinematográfico ou literário) que remete a suspense. O termo também está bem próximo e muitas vezes é confundido com “trailer”, a prévia de uma produção de cinema que ainda não estreou. Essas alusões estão no clipe mais influente de todos os tempos, que começa com Michael Jackson virando um lobisomem, mas que na verdade é parte de um filme que ele assiste, em uma sala de projeção lotada, com sua namorada. Ao saírem do cinema é que a aventura do casal com os zumbis começa.As homenagens estão em toda parte nesta produção que marcou época. Na saída, o título do filme é o mesmo da música, mas com outro astro: Vincent Price, nome fundamental para o gênero terror e suspense. Os efeitos especiais ficaram nas mãos de profissionais da equipe do diretor John Landis, criador do monstro de Um Lobisomem Americano em Londres e que tinha total intimidade com os maiores nomes da música negra dos EUA, uma vez que vários deles participaram do filme Os Irmãos Cara de Pau, como Ray Charles e Aretha Franklin e James Brown, todos eles ícones para Michael Jackson.Aquela não seria a última relação próxima de Michael Jackson com grandes cineastas. Após Thriller, ele estabeleceu uma parceria com Francis Ford Coppola, o diretor de O Poderoso Chefão, para capitanear as filmagens de Capitão EO, que não chegou nem perto da repercussão conquistada anteriormente. Seu próximo lançamento de impacto seria na música Bad, em que não só contratou ninguém menos que Martin Scorsese para dirigir o clipe, como adotou o enredo de um script trabalhado pelo diretor com o roteirista Richard Price, que acabara de concorrer a um Oscar pelo filme A Cor do Dinheiro.Dali surgiu uma amizade improvável entre os dois. Não foi só um clipe. Scorsese fez, na verdade, um curta-metragem, em que filma Michael Jackson como o intérprete da canção, mas também como um personagem verossímil das ruas de Nova York, dando a chance para que atestasse sua versatilidade vocal, cantando à capela na parte final. Curiosamente, o trabalho marca a estreia do ator Wesley Snipes, que vive o antagonista de Jackson, papel que foi imaginado para o cantor Prince. Jackson voltaria a fazer história em 1991 com o clipe de Black or White, que envolveu um esquema de distribuição que jamais foi repetido.Em 14 de novembro daquele ano, nada menos que 58 emissoras de todo o mundo transmitiram, simultaneamente, o novo clipe do astro pop (no Brasil, a Globo integrou o pool mundial), fazendo com que 500 milhões de pessoas vissem o novo trabalho ao mesmo tempo. Apenas transmissões de Copas do Mundo ou Olimpíadas haviam conseguido fazer algo parecido. Na tela, um Michael Jackson em ótima forma, interagindo com convidados especiais, como o ator Eddie Murphy e o jogador de basquete Magic Johnson, em meio a impressionantes efeitos especiais que faziam pessoas de todas as etnias se alternarem.Naquele início de década, a polêmica sobre a cor da pele de Michael Jackson, visivelmente mais branco a cada dia que passava, estava no auge. A canção é uma referência direta a essa questão, tratando sobre racismo e origens étnicas e dando uma resposta aos críticos. “Não vou passar a vida sendo uma cor”, dizia um verso da música. Muitas versões sobre o branqueamento de Michael Jackson foram levantadas, até que em 1993 o cantor disse, numa entrevista ao programa da apresentadora Oprah Winfrey, que sofria de vitiligo, doença que retira o pigmento da pele e cujo tratamento havia lhe subtraído a melanina.Além dos clipes que protagonizou, Michael Jackson atuou em outras produções. É o astro do filme Moonwalker, uma mistura de musical com o gênero fantasia, feito muito mais para sedimentar sua fama, no qual mostra suas habilidades de dançarino. Depois, fez algumas participações especiais, como em Homens de Preto, em que aparece em uma cena como se fosse um extraterrestre. Os ecos de Thriller estão espalhados, como na franquia O Retorno dos Mortos Vivos – onde aparece um zumbi vestido com as roupas do cantor – e em séries como no sucesso The Walking Dead. Os zumbis nunca mais voltaram à tumba.Popularidade e problemasA popularidade avassaladora de Michael Jackson teve lados positivos e negativos. Ele viveu uma década de glórias nos anos 1980, mas anos de intenso sofrimento na última parte de sua existência. Apenas dois anos depois do imenso sucesso de Thriller, o cantor e compositor, também um astro na publicidade, gravava um comercial para o refrigerante Pepsi quando um acidente ocorreu e ele sofreu queimaduras severas no couro cabeludo. Esse fato, segundo um documentário sobre sua morte exibido em 2019, o teria deixado careca, com muitas cicatrizes. Daí também vem a origem de seu vício em analgésicos.A parceria de Michael Jackson com a gravadora Motown, de Quincy Jones, a principal grife de soul music dos EUA e que lançou nomes como Lionel Richie, Diana Ross e Steve Wonder, vinha de seus tempos de conjunto e foi fundamental para o sucesso de Thriller. Jones cuidou pessoalmente da produção do álbum e até remixou todas as faixas para deixá-las sonoramente mais ousadas. O cantor tinha total confiança no produtor, que conhecia desde os tempos em que era uma criança e se tornou a principal estrela do conjunto Jackson Five, criado por seu pai e no qual cantaram irmãos e tios.Os Jackson Five também tiveram um estrondoso sucesso e já naqueles tempos, na segunda metade dos anos 1960 e na década de 1970, o talento do caçula da turma se destacava. Com visual black power, eles ajudaram a formatar a grande onda da soul music, que mesclou um balanço de discoteca com um estilo de cantar que exigia todo o poder vocal que o gospel norte-americano encontrava nas igrejas dos bairros negros. Eles chegaram a Los Angeles em 1969, quando um dos chefões da Motown, Berry Gordy, os contratou. Dali por diante, gravaram vários discos pelo selo e viraram febre na TV dos EUA.O divórcio com a Motown veio em 1976, com o grupo mudando de nome para Os Jacksons. Michael sairia já no final dos anos 1970, mas o conjunto continuou com seus irmãos. Ele retornou apenas para gravar uma faixa de um álbum em 1984, State of Shock, em que dividiu os vocais com Mick Jagger. Mas a história do grupo é regada a abusos cometidos pelo patriarca, Joseph. Ele mantinha seus filhos sob controle com ameaças, tortura psicológica e até violência física. Michael e o pai nunca se reconciliaram de verdade e aquele período é apontado como um dos motivos dos distúrbios que o cantor teve no futuro.