Há 43 anos, o feirante Nelson Bento de Souza, de 61, revende um tipo de queijo de nome curioso, que chama a atenção de quem passa pela sua barraca: o queijo cabacinha. “Quando a pessoa já conhece, ele é bem aceito e vende bem”, conta. Meia cura, frescal, provolone e o queijo ralado, no entanto, ainda são os campeões de venda. Quem estranha o queijo e não dá uma chance de experimentar provavelmente ainda não sabe de um detalhe: no último dia 14, o cabacinha foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Estado de Goiás.Com o título, que teve publicação no Diário Oficial do Estado com lei sancionada pelo governador Ronaldo Caiado, os produtores do queijo têm garantida a valorização do produto e das técnicas de produção, conquista relevante para a preservação da história e da identidade do povo goiano. “Ele é um tipo de mussarela, produzido na Itália e em outros pontos no Brasil. Mas esse queijo feito aqui tem características próprias de toda a produção do leite e forma de fazer”, explica Márcia Maria de Paula, engenheira agrônoma da Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater), em Mineiros.“Ele começa a ser produzido, principalmente, na região da divisa com o estado do Mato Grosso, onde passa o Rio Araguaia”, comenta. “Antigamente, quando a estrada ainda era de terra, era um eixo muito importante para as pessoas que trabalhavam nas grandes fazendas e que tinham o leite como renda. O queijo era comercializado ali, na beira da estrada”. Com origens italianas e produzido há quase um século, o queijo cabacinha começou a ser feito com leite cru, mas passou a ser cozido para reaproveitar a massa e não perder.O nome é por causa do seu formato, que lembra uma cabaça. “As pessoas pensam que se usa a cabaça como fôrma, mas ele é todo moldado na mão”, explica Márcia. Ela, que mora em Mineiros há 30 anos, já encontrou o mesmo queijo, mas trançado, que chamam de flamengo. “Mas a massa é a mesma, que é uma delícia. O cabacinha tem uma característica forte, desfia, cria uma casquinha”, descreve.ReconhecimentoAlém da importância cultural, o queijo cabacinha possui grande relevância econômica. De acordo com a engenheira agrônoma, é a fonte de renda de cerca de 500 agricultores familiares da região do Rio Araguaia, que abrange os municípios de Mineiros, Santa Rita do Araguaia, Doverlândia, Portelândia e Perolândia em Goiás e outros municípios do Estado do Mato Grosso. A produção é estimada em 60 toneladas por mês. O reconhecimento como Patrimônio Cultural é um passo importante para uma conquista ainda maior: a obtenção do registro de Indicação Geográfica (IG), que vem sendo buscado há quase uma década.Este registro é conferido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a produtos ou serviços que carregam características únicas graças a seu local de origem. “A IG é um selo reconhecido mundialmente, que irá trazer um retorno imenso para a região. Primeiro pelo reconhecimento em si, que gera empregos e renda. Depois porque a região passa a ser conhecida nacional e internacionalmente, gerando o impulsionamento do turismo”, explica Márcia. “Estamos na divisa com o Pantanal, temos o Parque Nacional das Emas. São só pontos positivos”, diz.A busca pelo selo é uma história que começou em 2011, na Festa da Semente de Mineiros. Representantes do Mapa estavam presentes e questionaram sobre a existência de um produto típico da região com potencial de Indicação Geográfica. “Identificamos o queijo cabacinha e iniciamos o diálogo na região. Percebemos a importância cultural regional, principalmente na divisa de Goiás com o Mato Grosso”. A IG exige a construção de um dossiê que, segundo a engenheira agrônoma, já está na etapa final.“O reconhecimento como Patrimônio já foi um reconhecimento muito importante para nós, da cooperativa, porque são quase dez anos de luta pela Indicação Geográfica. Temos muitos produtores associados e vemos a felicidade deles de mostrar para o país e para a sociedade um produto de qualidade regional”, comenta Zenaide Jesus Almeida, presidente da Cooperativa Mista dos Agricultores e das Agricultoras familiares de Mineiros (Coopermin).A produção do cabacinhaA produtora e empreendedora Elaneida Celestina de Souza Rezende explica um pouco do processo de produção do queijo cabacinha. Com o leite in natura, acrescenta-se o coalho. “Usa uma isca do dia anterior e deixa ele coagular”, orienta. Depois de coagulado, a massa é cortada e colocada para escorrer. Essa massa vai para a panela ser cozida a 35 a 40 graus, até ficar bem quente e “assentar”.Em seguida, é colocada para descansar em um local que permita o soro escorrer. “Na fábrica temos as peneiras para repousar”, comenta. Uma característica do queijo cabacinha, segundo Elaneida, é que esse repouso pode durar de 3 a 18 horas, a depender da temperatura, do ambiente, estado do leite e até da alimentação das vacas, que varia durante o ano. “Costumo dizer que não é a gente que manda no queijo, é ele que manda na gente”, brinca. E quando ele chega no ponto certo, não pode demorar. “É uma hora no máximo, senão você perde toda a massa”, explica.De volta para a panela, o queijo passa por cozimento com uma troca de água a 90 graus. Com a massa homogênea, semelhante a uma massa de rosca, é a hora de modelar. “É na mão mesmo. Quanto mais você modelar, quanto mais dobrinhas fizer, mais gostoso fica.”-Imagem (Image_1.2185935)