-Imagem (1.1204164)Naquele janeiro de 1998, não havia rede social, não existia streaming, a internet era discada, lenta e cara. Naquele janeiro de 1998, telefone celular era um luxo e só servia mesmo para fazer ligações, contactar outra pessoa apenas por voz, não por vídeo. Naquele janeiro de 1998, achávamos que seríamos pentacampeões na Copa da França, assistíamos uma Helena de Manoel Carlos trocar os bebês na novela Por Amor, já havia movimentos para a eleição presidencial daquele ano (FHC venceria Lula, sem contestação de resultados ou tentativa de golpe) e as chuvas faziam o Rio de Janeiro entrar em colapso (algumas coisas não mudaram tanto assim). Mas havia algo a mais naquele janeiro de 1998.Na frente dos cinemas brasileiros e de boa parte do mundo, filas imensas começaram a se formar naquele janeiro de 1998. Filas que, acreditem, duraram meses. Sim, naquele janeiro de 1998 um fenômeno de proporções gigantescas, dignas de um transatlântico imponente, chegava às telonas. No Brasil, Titanic estreou em 16 de janeiro e repetiu o estrondoso sucesso que conquistou em todos os continentes. Ele seria o primeiro filme a arrecadar mais de 1 bilhão de dólares nas bilheterias e este não seria o único recorde que viria a ostentar. Agora, 25 anos depois, a megaprodução de James Cameron está de volta.No dia 9 de fevereiro, chega aos cinemas brasileiros a versão em 3D de um filme que foi indicado para 14 Oscars – igualando o recorde de A Malvada, de 1950 –, mas levando 11 prêmios, sendo a produção mais agraciada da história, ao lado de Ben-Hur, de 1959, e de O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei. Titanic poderá melhorar ainda mais seus números de arrecadação, que somam 2,2 bilhões de dólares. Ele é o terceiro filme com melhor bilheteria de todos os tempos, atrás de Vingadores: Ultimato (segundo colocado) e Avatar, de Cameron.Como se tudo isso não bastasse, Titanic foi e é icônico por muitos outros motivos. A forma como o filme resgata uma das piores catástrofes do século 20, que continua tão viva no imaginário das pessoas mesmo depois de quase 111 anos de sua ocorrência, além dos efeitos especiais empregados, que deram tanta veracidade à reconstituição do naufrágio do “barco que nem Deus afundaria”, como chegou a dizer um de seus proprietários, encantou e continua a encantar multidões. De quebra, ainda formou um dos casais mais carismáticos da ficção e já na era das mídias digitais, virou matéria-prima infindável para memes.Naquele janeiro de 1998, o Brasil ingressou um tantinho atrasado e com muita expectativa no tsunami de popularidade que virou Titanic, um filme bastante longo em uma época em que, depois das grandes produções da era de ouro de Hollywood, os longas-metragens tinham ficado um pouco mais curtos. Com um orçamento de 200 milhões de dólares – altíssimo até para os padrões atuais –, James Cameron, que era um diretor reconhecido pela franquia Exterminador do Futuro, apostou suas fichas, sua reputação e sua carreira. A descoberta dos destroços do grande navio naufragado em abril de 1912 o motivou a isso.A carcaça de aço foi achada em setembro de 1985 pelo oceanógrafo Robert Ballard e sua equipe. Eles, primeiramente, viram uma das caldeiras da embarcação descomunal, para depois conseguirem revelar todos os destroços. A partir dali, muitas teorias sobre o naufrágio precisaram ser refeitas, a começar pela localização em que ele veio a pique, que não era o indicado pelas equipes do próprio Titanic em suas mensagens de socorro. Houvera um erro na leitura dos quadrantes dos mapas náuticos. A imensa estrutura repousava a 640 km da costa do Canadá, quase 4 mil metros no fundo do mar.A descoberta foi acidental, já que Ballard procurava, numa missão secreta da Marinha dos EUA, destroços de submarinos abatidos durante a Segunda Guerra Mundial. O mundo ainda vivia a Guerra Fria e havia interesse das superpotências em resgatar esses espólios antes que os inimigos o fizessem. Foi quando ele se deparou com o navio, que não reconheceu de imediato como sendo o Titanic. Afinal, supunha-se que ele teria afundado em outro ponto do Oceano Atlântico. Mas identificações no casco e em outras partes dos destroços comprovaram que se tratava mesmo do naufrágio.Com a notícia, pesquisadores de todo o mundo, de diferentes campos de conhecimento, passaram a querer saber mais sobre o que o navio tinha para contar. Muitas expedições posteriores foram feitas, à medida que os equipamentos para vasculhar o fundo do mar iam se aprimorando. Imagens mais nítidas passaram a ser captadas do que restava do Titanic e algumas delas foram utilizadas não só para Cameron recriar cenários reais e auxiliar em seus efeitos especiais na reconstrução digital do navio para o filme, como estão presentes na própria produção.Ainda hoje, essa corrida continua. No final do ano passado, por exemplo, foram divulgadas imagens em 8k do interior do Titanic, captadas em 2022 por equipamentos que ainda não haviam sido empregados em um passeio por dentro do navio. E a cada nova iniciativa nesse sentido, mais detalhes impressionantes vão sendo revelados. São dezenas os documentários que tratam do tema, teorias dos mais diferentes feitios foram elaboradas sobre o naufrágio, caçadas aos tesouros perdidos no Atlântico Norte foram organizadas. Mas nada supera o que o filme Titanic provocou 25 anos atrás.Leia também:- The Last of Us estreia neste domingo (15) na HBO Max e HBO- Série investiga o que levou parte dos brasileiros a defender discursos antidemocráticosIsso se comprova no frisson que o relançamento dele em 3D tem provocado, em uma onda de curiosidade e nostalgia. Algumas imagens da grande proa da embarcação invadindo nossa percepção na sala de cinema têm sido comparadas à magia que as primeiras exibições causaram em plateias no final do século 19 quando os irmãos Lumière mostraram ao mundo a nova arte. Titanic, aliás, é um capítulo à parte da história do cinema, espécie de E O Vento Levou... de toda uma geração. Antes de filmes de super-heróis virarem febre, alguma coisa muito marcante aconteceu naquele janeiro de 1998.A famosa porta do Titanic Muitas cenas são emblemáticas em Titanic. Há a colisão do navio com o iceberg que causa todo o desastre, por exemplo. Há a protagonista Rose, já velhinha, indo na beira do navio da expedição que a trouxe de volta ao lugar onde a catástrofe aconteceu e jogando o valiosíssimo diamante azul Coração do Oceano nas águas do Atlântico, onde repousa seu amado e inesquecível Jack. Há a tomada de Leonardo DiCaprio, em pé na proa do navio, gritando: “Eu sou o rei do mundo!”. Mas nenhuma deu tanta discussão como aquela em que a mocinha da trama boia numa porta enquanto seu amado morre congelado na sua frente.Spoilers à parte (será possível que alguém não tenha visto Titanic ainda?), a morte de Jack causa indignação há 25 anos. Como assim, Rose? Não cabiam duas pessoas nessa bendita porta onde a senhorita se salvou, pedaço de madeira, aliás, providenciado por seu pobre e sacrificado amado? Por que você não mandou ele subir também, senhorita, ao invés de deixá-lo lá na água, caminhando direto para uma hipotermia? Faltou solidariedade, não é madame? O coitado morreu lá em 1912, mas em 1997 a senhora continuava vivinha da silva, sendo até indicada ao Oscar (claro, a Rose já idosa da atriz Gloria Stuart).Esse debate é longo. Toda vez que é perguntado a respeito, Leonardo DiCaprio entra na brincadeira, faz cara de coitado, como a dizer que sim, foi deixado para morrer congelado pela mulher que amava. Certa vez, disse, com ar de traumatizado: “Não consigo comentar esse assunto”. Já Kate Winslet, que por muito tempo foi cobrada por tamanha trairagem, não fica atrás. Sempre cai na gargalhada quando o tema vem à tona – e ele já veio até em piadas na cerimônia do Oscar e em discursos do presidente Barack Obama –, mas ultimamente tem dito que se Jack sobe, a porta afundaria e morreriam os dois. Tá certa!Brincadeiras à parte, Winslet e DiCaprio tiveram suas carreiras alavancadas depois de Titanic e permaneceram amigos próximos. Não faltam aqueles que adorariam que rolasse algo a mais entre eles na vida real, mas parece que essa oportunidade já passou. Eles gostam mesmo é de conversar, rir e, eventualmente, trabalhar juntos – foram marido e esposa no filme Foi Apenas Um Sonho, de 2009. Nesses últimos 25 anos, cada um ganhou seu Oscar, ambos amealharam fortuna e bons papéis e continuam a ser vistos juntos com frequência. Nem mesmo a famigerada porta do Titanic foi capaz de separar Rose e Jack.Muitos desastres em um sóA partida do porto de Southampton, na Inglaterra, em 10 de abril de 1912, havia sido apoteótica. Afinal, era o maior navio de passageiros do mundo que iniciava sua travessia do Oceano Atlântico rumo a Nova York. Uma viagem inaugural que carregava mais de 2.200 passageiros e tripulantes – entre os quais, alguns dos maiores milionários do mundo – obras de arte e joias de valor altíssimo e muitos sonhos de pessoas mais pobres que conseguiram juntar economias e adquirir um lugar na segunda e terceira classes e almejavam chegar à América, para conhecer ou para fixar residência e trabalhar.Ninguém ali, do mais endinheirado ao mais humilde, poderia imaginar que quatro dias depois, na madrugada de 14 para 15 de abril, o grande titã dos mares encontraria seu fim, levando consigo mais de 1.500 vidas. Muito já se falou sobre o que teria acontecido naquela fatídica noite, quando no Atlântico havia uma parede de icebergs, avistada por outras embarcações, que enviaram alertas do perigo, também recebidos, mas ignorados pelo Titanic. Dois inquéritos, um no Senado dos Estados Unidos e outro na Câmara dos Lordes, no Reino Unido, tentaram apurar responsabilidades e eles coincidem em alguns pontos.Depois de fazer paradas nos portos de Cherbourg, na França, e Queenstown, na Irlanda (cidade que hoje se chama Cobh), o Titanic, após sair do Canal da Mancha, ganhou mar aberto rumo à América. Muitas atenções estavam voltadas para essa viagem. Afinal, era uma das glórias da produção dos estaleiros britânicos que estava no mar, numa travessia que poderia lhe valer o Prêmio Flâmula Azul, concedido aos barcos que fizessem determinados percursos mais rapidamente. Com a força descomunal de suas caldeiras, o Titanic e seu comandante, o capitão Edward Smith, pretendiam obter todas as glórias.A tragédia também passa por esse ato de vaidade. Naquela noite sem tempestades, mas extremamente fria, grandes blocos de gelo vagavam, traiçoeiros, pelas águas. Era necessário muita prudência, o que significa diminuir a velocidade. Mas o Titanic não fez isso. Navegava a 42 km/h confiante em seu tamanho. Para se ter uma ideia, alguns navios que estavam relativamente próximos chegaram a parar, aguardando a luz do dia para que tivessem mais visibilidade dos perigos. Exatamente às 23h39 da noite, quando o próprio Smith já estava dormindo, a grande massa gelada foi avistada por um encarregado.O alerta soou, mas era tarde. Mesmo com o desvio brusco a bombordo e a tentativa de diminuição da velocidade, o iceberg já estava perto demais, a menos de 500 metros de distância. O choque frontal foi evitado, mas não o lateral. Apenas 45 segundos depois do alarme, o grande navio colidiu com a massa compacta de gelo que tinha, para fora d’água, 18 metros de altura e 120 metros de comprimento. Tinha o peso de vários porta-aviões. O contato com o casco durou 8 segundos, suficientes para rasgar um dos lados do Titanic em quase toda a sua extensão. Eram 23h40 e o navio afundaria em pouco mais de 2 horas.O impacto acordou o comandante, que correu à torre e deu as primeiras instruções. Queria saber a extensão dos danos e, também contrariando a prudência, não permitiu que o Titanic desligasse os motores e parasse de navegar imediatamente. Segundo relatórios e estudos mais recentes, isso pode ter contribuído para acelerar a inundação nos compartimentos inferiores. De acordo com depoimentos de imediatos e outros tripulantes que sobreviveram, o barco ainda navegou, a meia-velocidade, por mais 20 minutos. Até que a água nos porões atingiu 2 metros de altura. Não havia mais como salvar o navio. Era hora da evacuação.Começa aí a segunda parte da tragédia. Só havia salva-vidas para metade dos passageiros e tripulantes e os grandes botes começaram a ser lançados na água sem a lotação completa. Na véspera, um treinamento para situações de emergência, que deveria ter sido dado a todos a bordo, havia sido cancelado para não incomodar os viajantes. As pessoas não sabiam exatamente o que fazer. Os pedidos de S.O.S. começaram a ser emitidos e um navio, também de passageiros, respondeu, o Carpathia, mas ele estava a 93 km de distância. Ainda assim, seu capitão ativou os motores e rumou para o local indicado.O local, porém, estava errado. A tripulação havia cometido um equívoco de navegação e deu coordenadas incorretas. Havia uma outra embarcação mais próxima, o Californian. Este navio foi o que deu o alerta de icebergs ignorado pelo Titanic. Mas sua tripulação não estava acordada. O navio havia parado esperando melhores condições e todos foram dormir. Só perceberam os pedidos de socorro quando o gigante já havia afundado. Seu comandante chegou a ser acusado de negligência e omissão, mas ele garantiu que também não havia visto os sinais de luz dos foguetes de sinalização lançados pelo Titanic.Um inquérito posterior mostrou que mesmo que tivesse atendido prontamente o pedido, o Californian teria feito pouca diferença, já que as indicações do desastre estavam incorretas. Os passageiros salvos pelo Carpathian tiveram sorte, já que o navio, que corria para o ponto errado, encontrou os botes salva-vidas no caminho. E eles eram poucos e estavam mais vazios do que deveriam. Com sublotação, esses botes viram quando o navio começa a afundar. A proa mergulha na água, fazendo a grande traseira subir quase verticalmente. O peso da estrutura quebra o navio em dois, sugando para o fundo tudo e todos.Muitas pessoas pularam na água. Só dois botes voltaram para socorrê-las. Em um deles, havia apenas 12 pessoas onde cabiam 42. Mulheres e crianças estão entre as maiores vítimas, contrariando a regra de que elas deveriam se salvar primeiro. Em um dos botes, anotou um dos tripulantes, dos 68 ocupantes, 61 eram homens. A água gélida começa a congelar os passageiros e a gritaria de desespero vai acabando, dando lugar a um silêncio aterrador. Ao chegar, o Carpathia consegue tirar só 40 pessoas com vida da água. Ao todo, são 706 sobreviventes. Mais que o dobro, 1.517 pessoas não tiveram a mesma sorte.Apenas pouco mais de 300 corpos conseguiram ser resgatados. Os outros jamais foram recuperados, incluindo o do comandante Smith, o do empresário Benjamin Guggenheim (sua filha, Peggy, tornou-se uma das maiores mecenas de arte do mundo) e o de John Jacob Astoria IV, o homem mais rico a bordo e dono do império de hotéis que ainda hoje é uma marca mundial no segmento. No local onde ficava um de seus hotéis foi construído o Empire State Building. Vários dos mortos foram enterrados no cemitério de Halifax, na Inglaterra, sem jamais serem identificados. Um naufrágio que tem seu lado vergonhoso.Das três classes do navio, a proporção de pessoas mais ricas a sobreviver foi muito maior do que entre os mais pobres. Dos 329 passageiros da primeira classe, 199 se salvaram. Dos 710 passageiros da terceira classe, apenas 174 não se afogaram. Dos 899 tripulantes, só 214 sobreviveram. Um dos que se safaram foi Bruce Ismay, dono do Titanic. Ele estava no último bote e por essa postura foi chamado de covarde e assassino. Ele tentou escapar do inquérito nos EUA. Foi revelado que Bruce havia ordenado a diminuição de botes salva-vidas no projeto de construção do navio. Morreu apenas aos 74 anos, de diabetes.CuriosidadesAlguns episódios sobre o Titanic que estão no filme de James Cameron, por mais incríveis que pareçam, são verdadeiros. Sim, a orquestra que animava os jantares no navio tocou até o último instante do naufrágio e todos os músicos morreram. Sim, a personagem vivida por Kathy Bates, apelidada de inafundável Molly Brown, existiu e, de fato, ajudou a resgatar passageiros e auxiliou os sobreviventes. Já a joia Coração do Oceano, que a Rose idosa lança ao mar, não existiu, mas se baseia em um diamante azul em exposição no Museu Smithsonian, em Washington, que pertenceu ao rei Luís XIV e à rainha Maria Antonieta.Uma polêmica foi reacesa com a volta de Titanic aos cinemas. Nas filmagens, James Cameron mostra réplicas de obras de arte conhecidas, como a tela Les Demoiselles D’Avignon, de Pablo Picasso, além de quadros de Monet e Renoir. Os museus donos dos trabalhos não gostaram de vê-los afundando no Atlântico, mesmo que só na ficção, e acionaram judicialmente o diretor, que foi condenado a pagar uma multa por usar a imagem das telas sem autorização. Pois essas instituições, que inclui o prestigiado Museu de Arte Moderna de Nova York, ameaçam repetir a dose agora que o filme ganhou versão em 3D. -Imagem (Image_1.2128815)