“Vivo com HIV há cerca de 20 anos. Devo ter me infectado por volta dos 19, 20 anos, mas só descobri cerca de seis anos depois”, conta o estrategista de marketing digital, João Geraldo Netto, de 40 anos. Ele diz que recebeu o diagnóstico fazendo exames de rotina e que não desconfiava que estava infectado. “Na época não existiam testes rápidos como hoje. Tive que esperar várias semanas para ter o resultado definitivo”, diz.A desconfiança de que a sua infecção aconteceu anos antes vem do fato de que, na época, ele estava em um relacionamento sério com a mesma pessoa há seis anos, que não vivia com HIV. “Assim como receber o diagnóstico de qualquer doença, foi muito difícil. Fiquei com muito medo de morrer no início. Também tinha um segundo medo, que era o de infectar o meu companheiro, porque ele tinha feito exames algumas vezes durante o nosso relacionamento e eu nunca tinha feito porque eu sempre achei que não iria pegar, mesmo tendo estado vulnerável algumas vezes”, revela.A primeira consulta não foi das melhores. “O médico foi extremamente indelicado. Só falou: fica tranquilo que ninguém morre disso mais não, tá? É só tomar um remedinho que está tudo bem”, lembra. “Não pude fazer nenhuma pergunta, tirar nenhuma dúvida. Procurei um outro profissional que foi extraordinário. A minha primeira consulta com ele durou mais de uma hora, ele estava absolutamente aberto e saí de lá muito mais tranquilo”, diz.João nasceu no ano em que o HIV chegou no Brasil, em 1982, na cidade de Anicuns, interior de Goiás. “Me lembro de ter 10 anos e um amigo da minha mãe ter morrido de Aids. Tive um primo que também morreu em decorrência das complicações da imunodeficiência. Era essa a imagem que tinha em mente quando mais jovem”, conta.O estigma e a discriminação em relação às pessoas que vivem com HIV está entre os principais desafios na sua opinião. “O preconceito e o desconhecimento é o que deixa essas pessoas vulneráveis, impede o acesso ao tratamento, faz com que as políticas públicas não sejam implantadas nos municípios e que governos combatam os programas de HIV e Aids no país”, aponta.Hoje, a carga viral de João está indetectável - ou seja, a quantidade de vírus no sangue é tão baixa que se torna intransmissível. Ele está em um relacionamento sorodiferente: ele vive com HIV e o namorado não. “Ofereço risco zero para a outra pessoa. A ideia do indetectável e intransmissível é revolucionária na vida das pessoas com HIV e é hoje o que se prova a tecnologia de prevenção mais eficaz para parar a cadeia de transmissão do vírus”, diz.CampanhaO Dezembro Vermelho é uma campanha nacional de prevenção, assistência e proteção dos direitos das pessoas que vivem com HIV/Aids e de prevenção a outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Segundo estimativas do Ministério da Saúde, dos cerca de 920 mil brasileiros que vivem com o vírus, 89% foram diagnosticados, 77% fazem tratamento com antirretroviral e 94% das pessoas que fazem o tratamento já não transmitem o HIV, por terem atingido a carga viral indetectável.O diagnóstico é feito através de um exame de detecção do vírus, que é oferecido gratuitamente pelas redes municipal e estadual no formato de “teste rápido”. E após receber um resultado positivo para o vírus HIV, qual o próximo passo? A recomendação geral é: procure imediatamente um infectologista, seja através do Sistema Único de Saúde (SUS) ou clínica privada. A primeira consulta após receber o diagnóstico é considerada um dos momentos mais importantes.“O papel do médico nesse primeiro contato é, acima de tudo, acolher. O paciente que chega com o diagnóstico de HIV está surpreso, com medo, ansioso, talvez até em um processo de negação”, comenta a médica infectologista Fernanda Torres. “É preciso, para além de tirar todas as dúvidas, realizar esse acolhimento, entender o contexto daquele paciente e tranquilizá-lo em relação aos próximos passos”, diz.Entre as primeiras dúvidas que precisam ser tiradas em consultório está a diferenciação entre o que é HIV e o que é Aids. O HIV (human immunodeficiency virus) é o vírus que ataca o sistema imunológico e deixa o organismo sem defesa contra outras infecções, que pode provocar a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids, se não tratada. Ou seja, pessoas podem viver anos com o vírus HIV sem desenvolver a Aids. “A pessoa pode estar infectada, mas ainda não abaixou a sua imunidade, que é quando se corre maior o risco de desenvolver complicações e infecções oportunistas”, diz.Explicar o que é ser portador do HIV e o que isso demanda é o primeiro passo para se garantir a confiança e adesão ao esquema de tratamento da pessoa que recebeu o diagnóstico. “O próximo passo é organizar e realizar o tratamento. Antes, se pensava que era preciso esperar a imunidade do paciente abaixar para entrar com os antirretrovirais. Hoje em dia, a estratégia universal é ‘testar e tratar’, do termo em inglês test-and-treat”, comenta a infectologista.Hoje, o tratamento é simples, gratuito através do Sistema Único de Saúde (SUS) e, de maneira geral, com uso de medicação apenas uma vez ao dia. Já está comprovado que se uma pessoa vivendo com HIV está em tratamento antirretroviral, o vírus se torna indetectável - e, com isso, se torna intransmissível. A pessoa que vive com HIV e que apresenta baixa carga viral (baixa quantidade de vírus no sangue) por conta do tratamento, portanto, terá uma vida normal e poderá se relacionar com outras pessoas sem transmitir o vírus nas relações sexuais. “Um ponto importante, aqui, é que a pessoa continue usando preservativos. Eles previnem outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s)”, reitera.Um outro assunto é considerado delicado, mas a especialista destaca que é fundamental ser abordado logo nas primeiras consultas com os pacientes. “É preciso, o quanto antes, avisar os parceiros sexuais desse paciente. Entendemos que a pessoa pode estar fragilizada e abalada emocionalmente, mas é muito importante para que esses parceiros também tomem as devidas providências”, diz.Além de dúvidas sobre a carga viral, a forma de transmissão do HIV ainda é motivo de dúvidas. “Questões básicas, como explicar que beijar, abraçar ou usar o mesmo banheiro não transmite o vírus, são fundamentais de serem tratadas para tranquilizar o paciente. Importante frisar que a transmissão se dá por meio de relação sexual, contato com sangue ou com pele não íntegra (com feridas). O desconhecimento quanto a isso pode levar essa a pessoa a se isolar”, aponta.A prevenção combinada é uma das estratégias recomendadas pelos profissionais de saúde: o uso de preservativo e a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV, a PrEP, que consiste na combinação de dois medicamentos (tenofovir + entricitabina) que bloqueiam “caminhos” que o HIV usa para infectar o organismo, e que está disponível via SUS para grupos de maior risco. Se a pessoa foi exposta a uma situação de risco à infecção pelo HIV, também está disponível uma medida de prevenção de urgência com uso de medicamentos ou imunobiológicos para reduzir o risco.Leia também: - Ministério abre consulta para incorporar vacina da Pfizer em crianças- SUS vai oferecer remédio de R$ 6,4 milhões para tratar bebês com Atrofia Muscular Espinhal