Quando o faturista hospitalar Daniel Neves e Silva, de 42 anos, está muito calado no serviço ou em casa é porque alguma coisa no seu corpo não anda nada bem. Nessas horas, o melhor remédio é ficar sozinho. É a dor de cabeça forte que altera todo o seu humor. Considerada uma das queixas mais comuns nos consultórios médicos, o problema afeta pelo menos uma vez por ano 52% da população mundial. Os dados, coletados entre 1961 e o fim de 2020, foram revisados recentemente por um grupo de pesquisadores noruegueses e publicados na revista científica The Journal of Headache and Pain.“Desde pequeno tenho convivido com esse problema. Antigamente, era muito mais constante, pelo menos duas vezes por mês. Como atrapalhava a minha vida social, fui a um neurologista, fiz uma tomografia e estava tudo normal. Depois de uma investigação, o médico indicou medicamentos, mudanças na alimentação e a inclusão de atividade física. Hoje vivo bem melhor”, celebra Daniel Neves. Importante destacar que dor de cabeça não é uma doença, mas um sintoma que precisa ser investigado, caso se repita com frequência para que seja descartada alguma outra alteração mais grave.Existem diversos gatilhos para a dor de cabeça se manifestar, como estresse, muito calor, noites mal dormidas, problemas de postura, sedentarismo e determinados alimentos, como chocolate, café, embutidos, exagero de bebida alcoólica e até o uso de óculos com grau incorreto. “Essas estão relacionadas a condições benignas, conhecidas como cefaleias primárias, quando o problema é o principal ou único sintoma e que são as mais comuns na nossa população”, ressalta o neurologista Rodrigo de Souza Castro. Geralmente, casos assim têm intensidade leve a moderada e abrange a região do crânio.Por outro lado, segundo o especialista, os incômodos também podem surgir como consequência de uma doença ou uma condição que está afetando o organismo, chamadas de cefaleias secundárias. Gripe, meningite, Acidente Vascular Cerebral (AVC), sinusite, tumores, fibromialgia, aneurisma, problemas na região cervical e uso constante de analgésicos podem estar presentes em variados quadros clínicos. Por isso, qualquer desconforto contínuo não pode ser ignorado e deve ser avaliado por um especialista, já que existem cerca de 150 tipos de dor de cabeça, que acometem entre 10% e 20% dos brasileiros.“Quando a dor de cabeça preencher os critérios para cefaleia primária com prejuízo da qualidade de vida ou possuir sinais de alarme como a pior que sentiu na vida, outros sintomas como perda visual, de força ou confusão mental, tosse, relacionada à gravidez ou pós-parto, febre ou vômitos, entre outros, o paciente deve consultar um neurologista”, alerta Rodrigo Castro. O diagnóstico é feito em uma conversa aprofundada com o médico e o tratamento é com medicamentos e mudança de hábitos de vida. Exames como ressonância magnética e tomografia computadorizada podem ser pedidos para complementar.DiferençasApesar de muita gente confundir a enxaqueca com dor de cabeça, elas são diferentes, não apenas pela frequência, mas pelo local que é afetado. A cefaleia comum, que especialistas garantem que todo mundo terá pelo menos uma vez na vida, costuma durar até uma semana, dependendo daquilo que está servindo como gatilho. As dores têm intensidade moderada a fraca nos dois lados do crânio. Nesses casos, as pessoas relatam um incômodo que se assemelha a sensação de pressão ou aperto. Mesmo que crônico, o problema não representa doenças com risco de sequelas ou letalidade.Já nas crises de enxaqueca as pessoas costumam sentir dor latejante em apenas um dos lados da cabeça, com intensidade variando de média a forte. Geralmente, o problema pode permanecer de 4 a 72 horas e, em alguns casos, vem acompanhado de outros sintomas, como náuseas, vômitos, tortura, extrema sensibilidade à luz, ao som e ao cheiro, distúrbios visuais, entre outros. “Ela muitas vezes tem diagnóstico difícil porque não tem nenhum achado que seja totalmente específico. Do ponto de vista de imagem, os exames podem ser normais”, ressalta o neurorradiologista Ricardo Daher.O problema do faturista hospitalar Daniel Neves provavelmente foi enxaqueca porque sempre que sentia dores de cabeça vinha com o combo de problema na vista, que ficava embaçada. “Ela começava fraquinha e vai aumentando num ponto que nem conseguia abrir o olho. No início foi preciso tomar uma medicação mais forte”, lembra. Além disso, ele precisou diminuir o consumo de determinados alimentos, como chocolate, mexerica e melancia. Especialistas ressaltam que o sintoma pode variar de pessoa para pessoa e por isso algumas recomendações não podem servir para todo mundo.Sequela da CovidA Covid vai embora, mas alguns sintomas se tornam recorrentes após contrair a doença. Um estudo da Fiocruz constatou que metade das pessoas diagnosticadas com o vírus permanece com algum sintoma por mais de um ano. Os principais são: cansaço, tosse, dificuldade para respirar, perda do olfato e paladar, dores de cabeça e insônia. Dados preliminares de um estudo na Unicamp feito com 80 pessoas que já tiveram a doença, das quais apenas três precisaram de internação, mostra que cerca de 30% dos recuperados ainda afirma sentir fadiga e cefaléia comum frequente por um período que pode passar de dois meses após o diagnóstico do coronavírus.“Inicialmente é recomendado passar por uma consulta médica para que por meio da história clínica e exames pertinentes ao caso, sejam identificados possíveis deficiências de nutrientes, intoxicações, problemas hormonais, hábitos nocivos, doenças crônicas, entre outros. Depois dessa avaliação, se necessário, orientamos sobre medicamentos e nutrientes para suplementação. O importante é o paciente buscar o tratamento e não achar que tem que se acostumar com a dor, para evitar a piora do quadro ou o abuso de remédios como os analgésicos, que podem agravar as dores de cabeça crônicas em alguns casos”, recomenda a neurocirurgiã Sabrina Dalvi Daher.A dor de Virgínia Dor de cabeça na gestação também é algo bastante comum, como vem sofrendo a influenciadora Virgínia Fonseca, mulher do cantor sertanejo Zé Felipe, grávida de três meses do segundo filho. Ela precisou ser internada em São Paulo por três dias. Após os exames, o diagnóstico: cefaléia refratária ou enxaqueca refratária, que se trata de uma doença comum, que possui um difícil tratamento e não responde a qualquer medicamento. Apesar disso, o caso da famosa não chega a ser perigoso desde que sejam feitos todos os exames necessários para o tratamento. Segundo o neurologista Rodrigo de Souza Castro, a enxaqueca inicia durante a gravidez em apenas 5% a 10% dos casos. “É preciso investigar adequadamente se a dor de cabeça da paciente relatada é de origem primária ou secundária. No caso de enxaqueca pré-existente observa-se melhora ou desaparecimento das crises em 55% a 90% dos casos durante a gestação. Naquelas pacientes em que os sintomas persistem é preciso aliar terapia não medicamentosa ao tratamento haja vista que vários medicamentos não poderão ser utilizados no período gestacional devido ao risco fetal”, analisa.