-O governo dos Estados Unidos subiu o tom nas críticas feitas a Jair Bolsonaro (PL) pelo fato de o presidente ter prestado “solidariedade” à Rússia em conversa com Vladimir Putin. As mensagens de insatisfação partiram nos últimos dias do Departamento de Estado e da Casa Branca.O brasileiro esteve com Putin em Moscou na quarta (16), em meio à crise envolvendo a Ucrânia, que opõe os russos ao Ocidente. Antes de um almoço e de uma reunião fechada, nas palavras de abertura do encontro Bolsonaro se disse “solidário à Rússia” -sem especificar a que aspecto se manifestava.Na tarde desta sexta (18), a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, fez críticas à fala.“Eu diria que a vasta maioria da comunidade global está unida em sua visão de que outro país tomando parte de sua terra, aterrorizando seu povo, é certamente algo não alinhado aos valores globais. E então, penso que o Brasil pode estar do outro lado em que a maioria da comunidade global está.”Psaki, que ressaltou que não tinha falado com Joe Biden sobre o assunto, havia sido perguntada se o presidente americano se sentia traído pelos gestos de Bolsonaro e se as falas poderiam afetar as relações entre Brasil e EUA.As falas da porta-voz se somam a críticas feitas na quinta (17) pelo Departamento de Estado.“O momento em que o presidente do Brasil expressou solidariedade com a Rússia, justo quando as forças russas estão se preparando para lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ser pior”, disse um porta-voz da pasta, em nota enviada a jornalistas.“Isso mina a diplomacia internacional direcionada a evitar um desastre estratégico e humanitário, bem como os próprios apelos do Brasil por uma solução pacífica para a crise.”O órgão também disse que há uma “falsa narrativa” de que o governo Biden teria pedido ao Brasil para escolher entre EUA e Rússia. “Esse não é o caso. Essa é uma questão de o Brasil, como país importante, parecendo ignorar a agressão armada por uma grande potência contra um país vizinho menor, uma postura inconsistente com a ênfase histórica do Brasil na paz e na diplomacia”, afirmou a mensagem.Na quarta (16), Ned Price, porta-voz da diplomacia americana, se limitara a dizer, em entrevista coletiva, que o governo dos EUA esperava que Bolsonaro tivesse reforçado com Putin a importância de respeitar as regras internacionais, que incluem não usar meios militares para pressionar outros países.“Como países democráticos, nós e o Brasil temos a responsabilidade de nos posicionarmos pelos valores que compartilhamos. E o centro desses valores são os princípios da ordem internacional, baseada em regras. Essa ordem que, por mais de sete décadas, fomentou níveis sem precedentes de prosperidade, segurança e estabilidade na Europa, no Pacífico e em nosso hemisfério”, disse Price, após pergunta feita pela reportagem do jornal Folha de S.Paulo.“Assim, nossa esperança é que o presidente Bolsonaro tenha aproveitado a oportunidade de reforçar, no encontro com o presidente Putin, as mensagens que estão consagradas sobre os valores que compartilhamos, que são parte do sistema internacional baseado em regras.”Na própria quarta, Bolsonaro também tentara minimizar a questão do momento de sua visita e repetiu que apenas apoia “governos que querem a paz”, dizendo novamente que “todos os países têm problemas”.“Alguns países achavam que não deveríamos vir. Mantivemos nossa agenda, por coincidência ou não, parte das tropas deixou a fronteira”, afirmou a jornalistas, horas depois do encontro bilateral. “A leitura que eu tenho do presidente Putin é que ele é uma pessoa também que busca a paz.”Questionado sobre se teria enviado alguma mensagem à Ucrânia, Bolsonaro deixou o púlpito improvisado e tentou interromper a entrevista, voltando momentos depois.Diplomatas brasileirosEm Brasília, diplomatas brasileiros admitem que o termo “solidariedade” usado por Bolsonaro foi ruim, mas veem exagero na resposta americana. Reservadamente, eles dizem que o presidente escolheu mal as palavras, em uma fala de improviso que não deveria ser levada ao pé da letra.Um interlocutor no Itamaraty afirmou que a expressão não corresponde aos fatos. É sabido, na comunidade internacional, que o país se alinha ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e tem postura de não tomar lados em conflitos como esse.Foram citadas conversas recentes do chanceler brasileiro com o americano Anthony Bliken e com o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba. Portanto, a avaliação é de que as declarações dos EUA foram exageradas -uma fonte do Itamaraty usou os termos “inadequadas” e “impertinentes”.Ucrânia e Rússia vivem uma crise há semanas, desencadeada depois de o Kremlin mobilizar de 100 mil a 175 mil soldados em zonas próximas às fronteiras com a Ucrânia. Os EUA e aliados da Otan, a aliança militar ocidental, acusam Putin de preparar uma invasão do país vizinho, como fez em 2014, quando anexou a Crimeia.Moscou, por sua vez, rejeita a expansão da Otan sobre territórios próximos à Rússia e quer a garantia de que a Ucrânia jamais fará parte do grupo. Putin nega qualquer intenção de promover uma invasão.Antes da viagem de Bolsonaro, houve pressão dos EUA para que a ida do líder brasileiro a Moscou fosse adiada.Diplomatas americanos expressaram preocupação com o timing da visita, pois a recepção de Bolsonaro por Putin passaria a mensagem de que o Brasil apoia as ações do Kremlin no Leste Europeu, dando legitimidade a algo que os EUA consideram uma violação do direito internacional.Putin decidiu invadir a Ucrânia, avalia BidenO presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse nesta sexta (18) que agora está convencido de que Vladimir Putin decidiu invadir a Ucrânia, atacando não só o leste do país em apoio a separatistas étnicos russos, mas também a capital, Kiev.O democrata fazia mais um de seus pronunciamentos sobre a crise, o segundo nesta semana, para dizer que havia conversado com líderes europeus e que havia unidade entre os membros da Otan (aliança militar ocidental) e da União Europeia. “O Ocidente está unido”, disse.Foi quando ele repetiu que os russos deveriam escolher entre a guerra e a diplomacia, fazendo um adendo: “Estou convencido de que ele tomou a decisão”. Foi um momento Biden clássico, de certa indecisão nas palavras, mas então o presidente abriu a possibilidade de ser questionado.Foi claramente questionado se era aquilo mesmo que ele queria dizer, e ele confirmou. Depois, ao responder uma pergunta acerca dos exercícios de capacidade nuclear que Putin irá presidir neste sábado (19), ele disse não acreditar que isso fosse mais do que propaganda, mas ao mesmo tempo falou: “É difícil ler sua mente”.Até aqui, Biden e outras autoridades diziam ver risco iminente de uma invasão, mas sempre ressaltava achar que a decisão final não havia sido tomada pelo russo.O tom um grau acima numa crise que já estourou todos os medidores retóricos do americano parece um ultimato, mas o fato é que a iniciativa está na mão de Putin. Se ele nada fizer, nada acontece. Esse parece o cálculo do presidente russo no momento.Biden voltou a dizer que acredita que a ação militar contra os ucranianos ocorrerá “na próxima semana, nos próximos dias”, mas lembrou que o seu secretário de Estado, Antony Blinken, tem um encontro marcado em algum país europeu a definir com o chanceler russo, Serguei Lavrov, no dia 24.“Se ele agir antes, terá fechado a porta da diplomacia”, disse Biden, de forma algo óbvia. “Não estou certo se ele está interessado em diplomacia”, afirmou. “Ele acha que tem a habilidade de mudar as dinâmicas na Europa, o que ele não tem.”Nesta sexta (18), separatistas do Donbass (leste da Ucrânia) acusaram Kiev de ameaçar uma invasão (“Algo que não tem lógica, já que há 150 mil soldados russos em volta”, disse Biden) e evacuaram civis da região.Há o temor de que um pretexto para conflito esteja fermentando aí. “É o manual do que já foi feito antes”, disse Biden.Ao mesmo tempo, o americano voltou a falar que, se houver a agressão russa, ele não enviará tropas para ajudar Kiev – que tem seu apoio, financeiro e na forma de entrega de algumas armas. No sábado, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, irá a Munique encontrar-se com a vice de Biden, Kamala Harris.Foi duramente criticado em casa por isso. Biden contemporizou, dizendo que é uma questão do colega.