À frente das investigações para descobrir um esquema fraudulento na fila para cirurgias eletivas em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), em Goiânia, o delegado da Polícia Civil Rhaniel Almeida afirmou nesta quarta-feira (24) que é muito frágil o sistema público para marcar procedimentos médicos não essenciais. Nas primeiras horas desta quarta-feira (24), a Delegacia Estadual de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Decarp) desencadeou a segunda fase da Operação Otium cumprindo cinco mandados de busca e apreensão em residências de servidores públicos e de duas irmãs vinculadas ao Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idtech), gestor do Hospital Geral de Goiânia Dr. Alberto Rassi (HGG), onde ocorriam mais 90% das fraudes. Foram indiciados 25 pacientes, sete servidores, o articulador do esquema e a mulher dele.A primeira fase da Operação Otium, nome oriundo do latim que significa facilitação, ocorreu em fevereiro deste ano quando foi preso em Goiânia Eder Alves da Rocha, de 51 anos. Ex-servidor comissionado da prefeitura de Minaçu, Norte de Goiás, para trabalhar na casa de apoio do município na capital, ele encontrou as facilidades para extrapolar a função. Cooptando funcionários do Idtech e servidores públicos, Eder passou a “furar” a fila das cirurgias eletivas, recebendo para isso entre R$ 800,00 a R$ 2 mil de pacientes, dinheiro que era repartido com os comparsas. Eder perdeu o cargo após a primeira fase da operação.“Ele é o personagem central do esquema”, explica o delegado Rhaniel Almeida sobre Eder, que foi indiciado por corrupção ativa e responde ao inquérito em liberdade. Sua mulher, Ana Cristina, parceira nas fraudes, também foi indiciada pelo mesmo crime. Procurado por interessados em cirurgias eletivas, como redução de mama, blefaroplastia (retirada do excesso de pele das pálpebras), abdominoplastia, implante de próteses de silicone e cirurgia de catarata, Eder buscava em unidades de saúde pessoas que possuíam senhas restritas para colocar os nomes indicados no topo da regulação.Até agora a polícia identificou e indiciou por corrupção ativa 25 pacientes, mas segundo o delegado Rhaniel Almeida, eles são centenas, não de só de Goiânia, mas também de municípios como Goianésia, Urutaí e Pires do Rio. “A corrupção só existe porque há um corruptor. O discurso contra políticos é muito bonito, mas e dentro de casa?”, questiona o titular da Decarp, Webert Leonardo Lopes dos Santos. A expectativa é que o inquérito seja remetido ao Judiciário até o dia 20 de maio. “Mas isso não impede que novas investigações sejam abertas”, explica Webert Leonardo. Os crimes atribuídos individualmente são corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e inserção de dados falsos em sistema eletrônico.As investigações tiveram início em setembro do ano passado, provocadas por denúncia do Idtech. A polícia descobriu que Eder agia essencialmente no HGG, mas seu rastro foi observado no Cais do Setor Novo Horizonte, no Cais da Chácara do Governador, no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás, na Fundação Banco de Olhos de Goiás, no Programa da Saúde da Família do Residencial Ana Clara, no Centro de Referência em Ortopedia e Fisioterapia (Crof) e no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), de Aparecida de Goiânia.Na manhã desta quarta-feira a polícia fez uma busca na casa de duas irmãs, no Parque Atheneu. Uma delas trabalhou como auxiliar administrativo no Idtech e a outra ainda é funcionária do instituto. Ambas estão envolvidas com o esquema. Para o delegado, chama a atenção o fato de que as pessoas cooptadas por Eder serem do baixo escalão, tanto no serviço público, quanto no Idtech. “Por isso eu falo da fragilidade do sistema”. No Crof, por exemplo, em Campinas, um servidor não apenas ajudava Eder a “furar” a fila das cirurgias eletivas, mas também levou para casa diversos produtos hospitalares retirados do local de trabalho. Em sua residência foram encontrados blocos de liberação de ambulância, receituários e fichas de atendimento de urgência e emergência. Sindicâncias são abertasEm nota, o Idtech informou que está colaborando com as investigações. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia, responsável pela regulação de consultas e procedimentos médicos pelo SUS, disse que “desde o início da atual gestão vem adotando providências no sentido de coibir práticas fraudulentas” e que algumas denúncias já foram formuladas junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal. Conforme a SMS, quatro sindicâncias foram abertas e um servidor afastado. Sobre a nova etapa da Operação Otium, que revelou a participação de um servidor do Crof, a SMS informou que aguarda o comunicado oficial da Polícia Civil, mas medidas administrativas estão sendo adotadas. Desde o início da atual gestão, a SMS vem adotando providências no sentido de coibir práticas fraudulentas no Sistema SUS. A Secretaria Municipal de Saúde promoveu a abertura de mais de quatro processos de sindicância, tendo inclusive um servidor afastado de suas atividades, além disso, vem registrando boletim de ocorrência na Polícia Civil. Em relação à nova etapa da Operação da Polícia Civil, a SMS tomou conhecimento a partir de sua assessoria de comunicação, e ainda não recebeu a denúncia da Polícia Civil sobre o funcionário do Crof. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Eder Alves e Ana Cristina.