Para acirrar ainda mais o contexto de déficit de professores efetivos atuando na rede estadual de ensino em Goiás, as previsões futuras não são nada boas, caso um concurso público para repor não seja realizado. Um estudo feito pelo superintendente de Gestão de Pessoas da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), Giordani Lima, estima que 3.843 professores e 351 servidores administrativos deverão se aposentar até 2022. O contexto preocupa, diante da já enfrentada dependência de contratação de temporários para garantir o andamento da educação, no Estado, e o governo promete adotar política contrária, priorizando a efetivação do funcionalismo.Giordani reconhece os efeitos nocivos da necessidade de preenchimento de uma parcela significativa do quadro de professores com profissionais temporários. “Gera uma série de consequências, como descontinuidade pedagógica, atrapalha o dia a dia das escolas e sacrifica o aluno, porque as trocas e mudanças geram uma quebra de paradigma”, diz. A realização de concursos ainda não tem uma previsão, até mesmo em razão do momento financeiro do Estado. Ele cita, por exemplo, a condição de calamidade financeira, decretada pelo governo em janeiro, mas afirma que a prioridade política é oferecer meios de efetivação.No Diário Oficial do Estado (D.O.E.) de 7 de fevereiro, o governo publicou o decreto de convocação para início imediato de 150 professores aprovados no concurso realizado no ano passado. A secretaria selecionou profissionais para dar aulas de Biologia, Física, Química e Matemática em 52 cidades. Segundo Giordani, até a sexta-feira (15), 107 professores já foram empossados e outros já estavam com a documentação sob análise. Ainda na mesma edição do Diário Oficial, o governo anunciou a convocação, a partir do dia 1º de abril, de mais 285 profissionais nas mesmas condições. À medida que forem se apresentando e tomando posse, os temporários que atuam nas respectivas vagas serão dispensados.A urgência de se fazer novos concursos é uma realidade, até mesmo porque, em razão da possível reforma previdenciária, já existe um movimento imediato e perceptível de professores que possuem tempo de atuação suficiente para aposentar recorrendo à Seduc. O órgão, segundo Giordani, pretende auxiliar esses profissionais no que for preciso, inclusive atuando numa perspectiva de refletir sobre o pós-aposentadoria, sobre qual será a atividade deles depois. “Muitos não entram com o pedido para se aposentar, porque não se veem em casa, fora da educação”, diz.O governo chegou a falar em equiparação salarial dos temporários em relação aos efetivos para reverter a precariedade do vínculo contratual. Giordani acredita que, se isso for decidido, justifica-se ainda mais a realização de concurso. “O Brasil sofre com a questão da educação, porque nós estamos numa tendência de verificar a perspectiva financeira apenas”, afirma. Campanha para manter professora Pais e alunos fizeram campanha para que a professora Cleonice dos Santos Souza, de 34 anos, a Tia Cléo, continuasse dando aula no Colégio Estadual Cônego Trindade, em São João da Paraúna. Contratada temporariamente, em 2015, o vínculo com o Estado deveria ter se encerrado no ano passado, depois de três anos, mas os pedidos para a continuidade dela na função foram cruciais para a renovação por mais um ano. O sonho, agora, diz a pedagoga, é um dia conseguir se efetivar, passar em um concurso e continuar exercendo a profissão. O início foi difícil. Ela, assim como a maioria dos professores temporários que atua na cidade, não morava no local. Ela residia em São Luís de Montes Belos e precisou, por alguns meses até se mudar, se deslocar todos os dias para o município e arcar com os custos de transporte e alimentação. A adaptação numa cidade menor não foi fácil. Ela conta que chegou a ter depressão, mas a companhia e empenho da comunidade escolar em ajudá-la foram cruciais para a obtenção da cura. Hoje, ela dá aulas de Geografia e Ciências e se orgulha ao lembrar de alunos que conseguiram a aprovação em universidades públicas.“Pegamos a escola numa situação um pouco crítica, mas, com o passar do tempo, foi entrando uma equipe boa, as coisas foram mudando. Quando eu entrei, tinham quatro anos que não tínhamos aprovados em universidades federais”, relata ela, cuja primeira função no colégio foi de coordenadora pedagógica. A insegurança gerada pela condição de temporária é algo que aflige Cleonice.Tendência atinge cidades maioresEm 2012, existiam 337 professores temporários atuando nas salas de aulas de colégios estaduais em Goiânia. No ano passado, esse número já era mais de três vezes maior, chegando ao total de 1.176. Ainda não excedeu o total de profissionais efetivos, que era de 2.626 e reduziu para 1.664, mas a variação brusca em pouco tempo revela que a tendência de aumento da contratação temporária em detrimento da realização de concursos atinge também as maiores cidades do Estado, que geralmente são contempladas pelos certame, em razão da maior demanda de alunos. O mesmo é verificado em Aparecida de Goiânia, Anápolis, Itumbiara e mais acentuadamente em Rio Verde e Jataí.Nos dois municípios do Sudoeste Goiano, entre 2012 e 2018, os colégios estaduais passaram por uma inversão da categoria majoritária dos professores. O governo do Estado conseguiu manter, nos dois locais, um número de professores efetivos maior que o de temporários até 2016, somente. Desde então, a partir do cruzamento de dados do Censo Escolar feito pela reportagem, é possível verificar a mudança de cenário. No ano passado, Rio Verde fechou o ano com 262 profissionais contratados temporariamente e 210 efetivos. Em 2012, a situação era inversa. Existiam 289 efetivos e 144 temporários. Em Jataí, nesse período, o número de contratados mais do que dobrou. O total de 56 professores atuando temporariamente subiu para 180, em 2018, ultrapassando o número de efetivos, que era de 178, há seis anos, e reduziu para 112. “Houve ao longo dos últimos anos uma verdadeira ofensiva à carreira do magistério em Goiás. Essa situação fere frontalmente a Constituição”, afirma a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), Bia de Lima. Para ela, a disponibilidade de professores em se sujeitar a ganhar menos do que o normal para atuar na rede estadual e, assim, complementar a renda é um sinal claro de que não faltam profissionais em Goiás. O que falta é concurso.“É um profissional que sai barato e o gestor público infelizmente se beneficia disso”, diz Bia. Na rede municipal de ensino de algumas cidades do Estado também é possível notar uma maior quantidade de funcionários temporários, em relação aos efetivos. O número de prefeituras que fechou o ano passado nesta situação foi 23. Longe de ser a maioria dos municípios goianos, tal qual ocorre na rede estadual, mas essa realidade vem se mantendo ano após ano, como pouca variação.Dentre todas as consequências possíveis desse cenário, o presidente do Conselho Estadual de Educação de Goiás, Marcos Elias Moreira, lembra que existem situações de professores que dão aula de disciplinas para as quais eles não foram especializados ou não obtêm a formação específica. Isto ocorre, em muito, em função do baixo salário pago aos profissionais temporários. Para aumentar a remuneração, eles pegam mais aulas e elevam a carga horária semanal em sala de aula. Nem sempre, porém, tem-se a possibilidade de pegar aulas da disciplina para a qual o profissional é formado, restando as demais como opção. E é aí que começa o improviso. Bia de Lima diz já ter visto, por exemplo, o mesmo professor dando aulas de Inglês, Ciências e História.De maneira geral, os dados do Censo Escolar têm revelado uma melhora na formação dos professores da Educação Básica, em Goiás. Entre 2017 e 2018, por exemplo, houve um aumento de profissionais com mestrado e doutorado. Da mesma forma, de professores com pós-graduação ou curso superior completo. Em 2017, eram 20.330 com algum tipo de pós-graduação e, no ano passado, esse número subiu para 21.439.Estudo da UFG já alertou sobre o casoO avanço da contratação de professores temporários na rede estadual de ensino, em Goiás, foi objeto de estudo de um levantamento feito por professores da Universidade Federal de Goiás (UFG), no ano passado. O resultado do trabalho demonstrou o aumento do déficit de servidores efetivos na educação, em contraponto à tendência de priorização das contratações temporárias. “A falta de concursos é a principal causa desse aumento. Em uma escala menor, não se pode esquecer das aposentadorias, claro. O concurso realizado em 2018, além de não atender todas as áreas, cobrirá um número irrisório. O último concurso mais amplo, que amenizou o déficit de professores mesmo, ocorreu há nove anos”, conta o geógrafo e professor Denis Castilho. O estudo mapeou os locais e áreas de atuação mais deficitárias em Goiás, a partir dos dados disponíveis no Portal da Transparência do Estado. Entre as regiões do Estado, Castilho destaca o caso do Entorno do Distrito Federal, onde estão concentradas as maiores necessidades de professores, especialmente nas subsecretarias de Águas Lindas e Formosa, segundo ele. Desde 2012, os números do Censo Escolar mostram que nos municípios do Entorno também é verificada, isoladamente, a tendência de redução dos professores efetivos e aumento dos temporários. Em Águas Lindas e Luziânia, no ano passado, o número de temporários já era duas vezes maior que o de efetivos. “Contratação temporária gera precarização do trabalho docente e traz prejuízos graves ao ensino público. Isso, obviamente, afeta a formação de uma geração inteira de estudantes”, afirma o professor. Ele conta que é comum professores temporários relatarem desânimo em função da rotina de trabalho e dos baixos salários. “Alguns não deixam, por exemplo, de expressar constrangimento em momentos de mobilizações e medo por causa da instabilidade do emprego. Por trazer menos gastos e uma possibilidade de maior controle sobre os trabalhadores, muitos governos insistem nos contratos temporários”, conta Castilho, referindo-se ao fato de que, por medo de perder o trabalho, os temporários muitas vezes cedem às circunstâncias e pressões da administração pública.Em situações como a atual, em que a categoria reivindica e protesta pelo pagamento do salário em atraso, referente ao mês de dezembro, geralmente quem encabeça e está à frente das manifestações são os professores efetivos. O motivo dessa recorrência é a segurança que possuem na estabilidade do cargo, obtido mediante concurso.