Mananciais de abastecimento público, com a qualidade ambiental comprometida, as bacias hidrográficas do Rio Meia Ponte e do Ribeirão Piancó devem receber ao menos 669 mil mudas para a recuperação de todo o território de influência dos mesmos. O plantio faz parte de um conjunto de ações que também envolve o cercamento de áreas de preservação permanente (APP), recomposição florística de 276 trechos de mata ciliar e educação ambiental. O trabalho envolve a Saneago, uma das usuárias da bacia, e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), gestora da bacia.A bacia do Meia Ponte tem importância crucial para a sobrevivência das pessoas e da economia de Goiás. Nela residem cerca de 2.589.744 habitantes, ou seja, um a cada três do estado. Neste território há atividades de agricultura e pecuária consideráveis, que dependem da água para o próprio desenvolvimento. Os rebanhos bovino (902.334), suíno (71.647) e de aves (9.610) somam 983.591, conforme prognóstico elaborado pela Fundação de Apoio à Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (Funape-UFG).O Ribeirão Piancó abastece Anápolis, município do Centro do Estado, onde residem 396.526 habitantes e abriga um importante parque industrial, o Distrito Agroindustrial de Anápolis (Daia).A Saneago ficou obrigada, por meio do decreto 9.872, de 26 de maio de 2021, emitido pelo Governo de Goiás, a apoiar “por intermédio de materiais e insumos” o desenvolvimento de programa de recuperação das bacias hidrográficas citadas acima. A determinação contempla 660 mil mudas nativas do Cerrado e o cercamento de 300 mil metros de APPs. Daquela data em diante, a concessionária tem três anos para honrar a determinação estadual. A coordenação das ações de revitalização e conservação cabem à Semad.Leia também:- Comitê é instalado para cuidar de afluentes do Araguaia- Rios e córregos de Goiânia estão 77% menores- Nova ecobarreira é instalada no Rio Meia PonteA concessionária informou, em nota, que os materiais de cercamento e as mudas foram adquiridos. A empresa detalhou que estacas, esticadores e travesseiros tiveram a entrega iniciada em junho do ano passado. Já o arame começou a ser repassado no fim de abril deste ano, bem como as mudas. Não foi divulgado o quanto do total já foi repassado ao estado. O POPULAR apurou que o plantio deve ser iniciado assim que as chuvas retornarem, provavelmente em outubro, conforme prevê a meteorologia.Iniciativa de recuperação desenvolvida pela Saneago na bacia do Meia Ponte contempla o plantio de 68.996 mudas e o cercamento de 105.842 metros de APPs. Os trabalhos, já 87,36% executados, conforme a concessionária informa em nota, abrangem “aproximadamente 84 nascentes e 276 trechos de mata ciliar” em 172 propriedades rurais. Nesta frente estão contemplados os municípios de Brazabrantes, Damolândia, Goianira, Inhumas, Itauçu, Nerópolis, Nova Veneza, Ouro Verde e Santo Antônio de Goiás.Os recursos desta última iniciativa de ações citadas somam R$ 2.464.007,05 do Fundo Socioambiental da Caixa e também da Saneago. Paralelamente às ações no campo há atividades educativas em escolas com palestras e distribuição de materiais informativos.ProblemasTanto o campo como o meio urbano têm sofrido com os reflexos da estiagem, em alguns anos mais prolongada. No último ano o racionamento quase foi colocado em prática na região metropolitana de Goiânia. O Rio Meia Ponte chegou ao nível crítico três, o que significa vazão igual ou inferior a 3 mil litros por segundo (l/s). Se o escoamento chegasse a 2 mil l/s, o equivalente ao nível crítico 4, o mais grave, a medida drástica seria colocada em prática. Ainda assim, o campo teve de reduzir o uso das outorgas - captação - para respeitar a prioridade do abastecimento humano, como prevê a Política Nacional de Recursos Hídricos.A média da vazão de sete dias calculada na última quarta-feira (22) era de 8.732 l/s, conforme dados coletados pela reportagem na Sala de Situação da Saneago. O fluxo indica nível de alerta. Se o indicador cair a 5.500 l/s a bacia entra no nível crítico 1, quando começam a ser implantadas ações mais consistentes de controle.Presidente do Comitê da Bacia, Fábio Camargo avalia que as vazões medidas recentemente estão semelhantes às dos últimos anos. “Se continuar mais ou menos desta mesma forma, a gente consegue passar com dificuldade (pela estiagem), mas sem a necessidade de racionar. Agora se apertar mais a seca, a gente tem de pensar em outras formas”, alerta.Além da estiagem, a bacia do Meia Ponte tem tido um déficit de chuvas nos últimos anos. De 2014 a 2020 as precipitações foram menores que o esperado em cada ano (1.663,5 milímetros). Só em 2021 houve superação da marca média: 2.002,5 mm.Qualidade ambiental ajuda a poupar águaManter uma boa qualidade ambiental é fundamental para aproveitar ao máximo a água que chega dos céus. “Nós precisamos de uma boa infiltração. A água que temos agora é a que infiltrou no solo nos meses de cheia, janeiro, fevereiro e março. Imagine a infiltração como uma poupança”, explica o coordenador geral dos estudos desenvolvidos pela Funape no âmbito da Bacia do Meia Ponte, Klebber Formiga. A infiltração mais eficiente da água no solo tem na vegetação nativa um importante fator. Formiga afirma que o que está sendo feito é muito importante e é “uma boa quantidade” de mudas, embora ressalte que a bacia é muito extensa. Ela tem 14.521,8 km². “Dependendo de onde colocar, pode ser importante, eu diria que é melhor do que não ter”. O foco da iniciativa são as áreas mais sensíveis: nascentes e mata ciliar. Formiga lembra que outras medidas para proteção dos mananciais, que não caberiam à Saneago, precisam ser adotadas. Ele cita, recomposição florística de encostas, aplicação de curvas de nível e plantio direto. “Não existe mágica. É um processo lento, mas nós temos de estar melhor amanhã do que estávamos dez anos atrás. É um processo contínuo e às vezes você não vê o resultado de imediato”, finaliza.Camargo afirma que há vários outros pontos a serem feitos no âmbito da Bacia Hidrográfica do Rio Meia Ponte além das iniciativas realizadas diretamente ou com o apoio da Saneago. “Há um trabalho de conscientização, talvez não na medida necessária, de que este é um trabalho de todos (a recuperação da bacia) : município, estado união e setor produtivo.”A reportagem solicitou à Semad na última segunda-feira (20) um balanço detalhado das ações da pasta referentes à recuperação e preservação da bacia do Meia Ponte, mas não houve resposta até o fechamento desta matéria.Estudo prevê demanda crescente, mas recurso já é insuficienteO futuro vai exigir mais da Bacia do Meia Ponte. A demanda por água no território pode crescer até 235%, conforme levantamento da Funape-UFG. Mas a água disponível no Centro de Goiás já não é suficiente para a expansão dos negócios. Ata do comitê da bacia, consultada pela reportagem, mostra demanda do Distrito Agroindustrial de Anápolis avisando que a recepção de mais empresas e a ampliação do espaço tem como um dos entraves a disponibilidade hídrica. O município tem 24,2% do território dentro da unidade de planejamento e gestão dos recursos hídricos (UPGRH) do Meia Ponte.A Saneago colocou no último ano em prática um aumento da produção de água em Anápolis. A concessionária realiza pesquisa para a implantação de um novo sistema com nova captação no município. A reportagem identificou, no site da própria concessionária, um contrato firmado com o fim de projetar uma estrutura para captação e tratamento de água. O trabalho, conforme verificado, já está em andamento pela contratada.