Um ex-sócio da clínica onde uma psicóloga morreu, depois de receber contraste para fazer um exame, no dia 21 de dezembro deste ano é acusado de ter autorizado o uso de contraste vencido no local no início de maio de 2020. O inquérito policial do caso foi remetido ao Judiciário em fevereiro de 2021 e o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) ofereceu denúncia contra o profissional no mês seguinte. O processo ainda tramita na Justiça.O POPULAR teve acesso com exclusividade ao inquérito e ao processo do caso. Os documentos detalham que o médico radiologista Ary Monteiro Daher do Espírito Santo, que é diretor técnico do Centro de Diagnóstico por Imagem (CDI) Portugal, em Goiânia, procurou a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra o Consumidor (Decon), no dia 12 janeiro de 2021, para relatar que funcionários o procuraram para relatar que o médico radiologista Celso Augusto de Paula Nunes, até então sócio da clínica, havia permitido o uso de um lote de contraste vencido no dia 30 de abril até o dia 13 de maio de 2020.No dia 21 de dezembro de 2022, a psicóloga Bruna Nunes de Faria, de 27 anos, que era servidora pública em Silvânia, veio para a capital fazer uma série de consultas e exames para investigar as causas de dois acidentes vasculares cerebrais (AVCs) que tinha sofrido havia cerca de 45 dias. A psicóloga morreu minutos depois de receber o contraste para fazer uma ressonância do coração no CDI Portugal. O caso é investigado pelo delegado Kleyton Dias, titular do 8º Distrito Policial (DP) de Goiânia. Nesta quarta-feira (28), a mãe da jovem foi prestou depoimento.Segundo o depoimento de Ary para a Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO), a aplicação do contraste vencido se deu por ordem exclusiva de Celso, “sem conhecimento prévio de qualquer outro sócio, que somente foram cientificados posteriormente”. Em depoimento, Ary explicou que estava trabalhando no início de maio de 2020, quando recebeu o telefonema de um funcionário dizendo que precisava relatar “algo muito grave”.O funcionário teria dito que o CDI Portugal fez exames de ressonância com contraste vencido entre os dias 1º e 13 de maio. Segundo ele, o estoquista da clínica teria tentado jogar os produtos fora no dia 28 de abril, dois dias antes da data de vencimento, mas foi impedido por Celso, que teria dito que o contraste era “muito bom” e não havia necessidade de descartá-lo.Também foi apresentado um e-mail enviado pelo estoquista para um colega de trabalho, no dia 30 abril, no qual ele detalha a quantidade de contraste vencido. Eram 80 seringas, no valor de R$ 3,2 mil. No mesmo e-mail, ele explica que “conforme instruções do Dr. Celso hoje (30/4/2020) no período da manhã, iremos utilizar esse contraste por mais uma semana.” Ary também relatou que assim que soube do ocorrido, o produto foi recolhido e descartado por incineração e que, logo depois, ele comunicou à PC-GO, a Vigilância Sanitária e ao Conselho Regional de Medicina (CRM).Celso também foi ouvido pela polícia e disse que não era responsabilidade dele conferir o lote e a validade dos contrastes que estavam sendo utilizados na clínica e que ele também não era o incumbido de verificar e gerenciar o estoque, tampouco de fazer a compra dos contrastes. Ele também negou ter sido informado a respeito do vencimento dos contrastes utilizados nos exames de ressonância e afirmou que, como não foi sequer avisado do vencimento, não tinha como determinar que os funcionários continuassem usando um produto vencido.ProcessoNo dia 26 de fevereiro de 2021, o caso foi remetido para o Judiciário. Celso foi indiciado por falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e crime contra as relações de consumo. No dia 12 de março do mesmo ano, o MP-GO ofereceu uma denúncia contra o médico. O caso tramita na 1ª Vara Criminal de Goiânia. O responsável é o juiz Denival Francisco da Silva. No dia 11 de outubro de 2022, algumas testemunhas do caso foram ouvidas pela Justiça.Entretanto, na ocasião, a promotora de Justiça Leila Maria de Oliveira, que cuida do caso, pediu para a polícia a apresentação do laudo pericial em relação aos medicamentos indicados como produtos vencidos e as imagens de vídeo da sala de controle de ressonância do CDI Portugal, do dia 25 de abril até o dia 1º de maio de 2021. A Justiça aguarda estas diligências serem cumpridas para que, então, o acusado seja interrogado.Leia também:- Psicóloga que morreu em clínica já havia feito exames com contraste, mas não teve reação, diz mãe- Psicóloga morreu menos de 1 hora após aplicação de substância para exame, diz mãe: "Ela pedia ar"- Prontuário de psicóloga que morreu após receber contraste tem rubrica de médica de licençaDefesaEm nota, o advogado de defesa de Celso, Luís Alexandre Rassi, informou que ele “não faz parte do quadro societário da empresa CDI Portugal há quase dois meses” e que, como médico, ele “nunca determinou o uso de contraste vencido, nem mesmo teria atribuição para tanto”. A defesa destacou ainda que “o denunciante de tal situação, talvez medindo os outros por sua própria régua, criou tal situação imputando responsabilidade que lhe é atribuída como diretor técnico a terceiro” e que Celso “nunca compactuou com procedimentos inusuais praticados pelo Diretor Técnico daquela instituição, e este foi o principal motivo da dissolução societária, após tumultuado processo judicial.”CDI PortugalPor ligação telefônica, a assessoria de imprensa do CDI Portugal comunicou que Celso não faz mais parte do quadro societário da clínica justamente por ter envolvimento com as ordens de uso de contrastes vencidos e destacou que o estabelecimento preza pelo cuidado com os produtos usados e com os procedimentos feitos dentro do CDI Portugal.EsclarecimentoEm nota, a gestão da CDI Diagnósticos em Cardiologia e do CDI Diagnósticos Angiotomográficos e Nuclear, administradas pelos médicos Luiz Rassi e Colandy Nunes Dourado, informou que não possuem relação com o caso de Bruna. O comunicado esclarece que o nome da clínica é operado por dois grupos distintos, que estão em processo de separação judicial, e que a morte da jovem aconteceu no Centro de Diagnóstico por Imagem Portugal, que se identifica como CDI Radiologia.“Há dois grupos distintos operando sob o nome CDI. Um, o nosso – Dr. Luiz Rassi e Dra. Colandy Nunes Dourado -, com as Clínicas CDI Diagnósticos em Cardiologia; CDI Diagnósticos Angiotomográficos e Nuclear CDI. E, outro, sob a responsabilidade do Dr. Ary Monteiro Daher do Espírito Santo e Sra. Adriana Maria de Oliveira Guimarães Monteiro. Os grupos estão em fase final de separação judicial”, diz trecho da nota.Reações adversas graves com substância são raras A possibilidade de uma reação adversa grave fazendo o uso de contraste é rara. “A taxa de reação grave ao uso de contraste em exames de ressonância magnética, por exemplo, é de 0,01% dos casos. Isso demonstra uma segurança grande”, explica Daniel Jesus, diretor secretário do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Goiás (CRF-GO).Jesus diz que as reações adversas mais comuns variam entre leves (prurido e vermelhidão da pele), moderadas (tosse e náuseas) e severas (falta de ar e anafilaxia). “A recomendação para pessoas que forem se submeter a um exame com uso de contraste é relatar a ocorrência de qualquer reação ao contraste em exames anteriores, bem como alertar sobre alergias, asma ou problemas renais”, enfatiza.O médico radiologista Marcelo Lauar, presidente do Sindicato das Clínicas Radiológicas, Ultrassonografia, Ressonância Magnética, Medicina Nuclear e Radioterapia no Estado de Goiás (Sindimagem), esclarece que o contraste é usado nos exames de ressonância e tomografia e ajudam a identificar lesões e processos inflamatórios. Antes da aplicação do contraste, que é feita costumeiramente por um profissional de enfermagem, Lauar aponta que é importante fazer uma anamnese com o paciente. “Caso seja um paciente de risco, que é aquele que já teve uma reação alérgica antes com o contraste ou tenha um histórico importante de alergia, é possível ministrar um preparo antialérgico um dia antes do exame. Entretanto, esses casos são uma minoria.”A dosagem do contraste varia de acordo com o peso de cada paciente. “Em ressonâncias, a dose máxima é 20 mililitros (ml)”, destaca Lauar. O médico também enfatiza que o corpo elimina o contraste rapidamente e, por isso, não existe necessidade de se respeitar um prazo longo entre a aplicação de uma dosagem e outra. “Porém, os pacientes que têm a função renal prejudicada precisam tomar mais cuidado”, alerta. Lauar conta que é possível que um paciente que já tenha feito o uso do contraste e não tenha apresentado nenhuma reação alérgica, venha a desenvolver alguma reação adversa em outra aplicação. “Muitas vezes, a alergia é desenvolvida. O corpo tem um sistema de sensibilização, que vai se sensibilizando e pode acabar desencadeando uma reação alérgica.”-Imagem (Image_1.2586017)