A cada aborto legal feito em meninas de 14 anos ou menos no Brasil, outras 11 precisaram ser hospitalizadas em decorrência de interrupções de gravidez provocadas ou espontâneas em 2021.O levantamento foi realizado pelo jornal Folha de S.Paulo com dados de registros hospitalares do SUS (Sistema Único de Saúde).No ano passado, foram registradas 1.556 internações relacionadas a abortos na faixa etária dos 10 aos 14 anos. Apenas 131 delas (8%) ocorreram por causas autorizadas no Brasil: estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto, esta última por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).Leia também:- Suprema Corte suspende direito constitucional ao aborto nos Estados Unidos após 49 anos- Hospital fez 48 abortos legais em Goiás- Menina de 11 anos estuprada em SC consegue fazer aborto, diz ProcuradoriaAs outras 1.425 internações (92%) ocorreram em razão de abortos espontâneos ou induzidos fora dos hospitais. A frequência foi comparável à dos atendimentos por asma (1.565) ou anemia (1.397).As intervenções autorizadas são a minoria, apesar de a gravidez nessa idade apresentar alto risco à saúde da gestante e de o aborto legal ser previsto em lei nos casos de estupro, o que automaticamente inclui meninas engravidadas antes de completar 14 anos.No ano passado foram realizados, apenas em caráter de urgência, 1.502 procedimentos de curetagem ou aspiração intrauterina em pacientes da faixa etária dos 10 aos 14 anos.Utilizadas para a retirada de restos de abortamentos incompletos, as duas técnicas estão associadas mais frequentemente às tentativas malsucedidas de interrupção da gravidez do que aos casos naturais.A comparação com o número de internações sugere uma alta ocorrência de complicações nos abortos realizados fora do ambiente hospitalar.De acordo com o Código Penal, todo ato sexual com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável. O mesmo código prevê a possibilidade do aborto legal quando a gestação resulta de estupro.Apesar de serem a minoria, os abortos legais têm aumentado proporcionalmente no país.As interrupções por todas as causas entre as gestantes de 10 a 14 anos diminuíram desde a década passada –paralelamente a uma redução observada também na ocorrência de partos–, enquanto as intervenções autorizadas se tornaram mais frequentes.Em 2010, o sistema público de saúde registrava uma taxa de 352 abortos por milhão de meninas nesta faixa etária. No ano passado, o índice já tinha caído para 217 por milhão. Os procedimentos legais, por outro lado, saltaram de 4 para 18 por milhão, respectivamente.Para especialistas da área, as estatísticas indicam que o direito das vítimas de violência sexual ainda está longe de ser contemplado.“O número de abortos legais é ainda mais discrepante com o de meninas que se tornam mães. Também é muito alarmante quando olhamos para o número de vítimas de violência sexual nesse grupo”, diz Nicole Campos, socióloga e gerente de estratégias da ONG Plan International.O Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (Sinasc) mostra que 17,5 mil meninas de 10 a 14 anos de idade tiveram filhos em 2020, último dado oficial consolidado. Na média desde 2010, foram 24 mil por ano.O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente, também com informações de 2020, indica que ao menos 37,6 mil meninas menores de 14 anos sofreram estupro no período. Crianças e adolescentes dessa faixa etária correspondem a 60,6% das vítimas do crime.