“O vírus continuará circulando. A vacinação é a forma mais eficaz de controlarmos esse impacto”, diz Cristiana Toscano, pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG), membro do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização (SAGE) da Organização Mundial da Saúde (OMS) e representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em Goiás. Para a especialista, a vacinação infantil tem papel preponderante no controle da onda de casos, internações e mortes causada pela variante ômicron.Ela é coordenadora de um grupo que publicou uma nota técnica na última terça-feira (15) que concluiu que se a vacinação infantil no Brasil tomasse um ritmo acelerado de 1 milhão de doses por dia aplicadas nos 3 próximos meses, 14 mil hospitalizações e 3 mil óbitos pela doença seriam evitados. Apenas em crianças de 5 a 11 anos, seriam evitadas 5,4 mil hospitalizações e 430 mortes. Atualmente, o país aplica, em média, 250 mil doses por dia.A nota aponta ainda que, considerando o cenário atual, estima-se que a vacinação infantil já evitou cerca de mil mortes e quase 6 mil hospitalizações (efeito indireto) em todas as faixas etárias. Entre as crianças com idade de 5 a 11 anos, foram evitadas 180 mortes e aproximadamente 2,6 mil hospitalizações.O Grupo de Modelagem Dinâmica do SaRS-CoV-2 no Brasil é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e conta com a participação de estudiosos de diversas universidades brasileiras.Por que a vacinação contra a Covid-19 no país segue em um ritmo aquém da capacidade do sistema de saúde?Existem dois gargalos importantes. O primeiro é de planejamento e distribuição de doses. Ele foi feito para uma vacinação de fases e não para uma vacinação maciça e em alta escala. O outro é que em alguns locais como, por exemplo, aqui em Goiás, a vacina está disponível, mas os pais não estão levando as crianças para vacinar. Não tem procura para acelerar a vacinação. Por isso, ela está bem morosa.Como o poder público pode inverter esse cenário?O único caminho é estimular a vacinação e manter as medidas de prevenção. O poder público deve intensificar a vacinação. Aqui em Goiás temos previsto o ‘Dia V’ no próximo final de semana e já temos, por exemplo, a vacinação nas escolas. Também é necessário investir em estratégias de comunicação e informação sobre os riscos e benefícios. Tem muita desinformação circulando. Isso atrapalha, confunde e deixa os pais inseguros.Os efeitos adversos graves são raríssimos. Nesse momento, já temos dados dos países que já implementaram a vacinação de crianças e estão fazendo o monitoramento dos efeitos adversos, que nos dão uma tranquilidade grande. Existe uma preocupação dos pais com a miocardite (inflamação no coração). Porém, o risco de miocardite causada pela doença é 20 vezes maior do que o risco relacionado à vacina.Por que a Covid-19 tem apresentado uma gravidade maior entre crianças agora?Estamos em uma situação epidemiológica diferente do que vivemos até agora. Temos uma variante muito mais transmissível e que circula com mais intensidade. Mesmo que proporcionalmente ela tenha uma progressão menor para gravidade como um todo, com praticamente todo mundo se infectando, o número absoluto de óbitos e hospitalizações aumenta. No Brasil, em janeiro de 2022, as internações triplicaram quando comparadas com o mesmo mês no ano anterior.Essa semana saíram estudos americanos que mostram que nos Estados Unidos as hospitalizações de crianças e adolescentes são quatro vezes maior agora do que no período do pico da variante delta no ano passado. Eles apontam que crianças e adolescentes não vacinados têm risco 100 vezes maior de hospitalização.Além disso, com o aumento da proteção dos outros grupos etários e depois da ampliação da vacinação para adultos e adolescentes, o vírus procura grupos mais suscetíveis. Ele vai circular prioritariamente e causar doença grave em não vacinados de todas as idades. Agora, de fato, é uma situação de maior risco para crianças e adolescentes e, por isso, é importante se vacinar.A vacinação infantil traz outros benefícios relacionados à doença para além da proteção?Já temos evidências de que a vacina também evita complicações derivadas da Covid-19 e que são bastante importantes em crianças. Uma delas é a Síndrome Inflamatória Multissistêmica (SIM-P), inflamação que afeta diferentes órgãos do corpo, que pode ser bastante grave e acontecer mesmo após infecções mais leves. Também temos tido muita progressão da Covid longa em crianças e adolescentes. A vacina também tem o efeito de reduzir o risco desse quadro, que inclui várias coisas como, por exemplo, déficit de aprendizado.Como devem ficar os contornos da pandemia nas próximas semanas?Assim como já foi observado em outros países e como já havíamos antecipado no início de janeiro, a onda da ômicron é intensa. Por isso, também é mais curta em relação a outras variantes. Nas próximas semanas, a expectativa é de uma melhora e uma redução progressiva da transmissão. Entretanto, isso vai depender da observância dos protocolos e de uma alta cobertura vacinal.Esperamos continuar avançando com a vacinação. Se continuarmos com bolsões de pessoas não vacinadas, o vírus continuará circulando nessas populações e sofrendo mutações. Quanto maior a população protegida, menor será o impacto de uma nova variante. Isso é verdade para a ômicron e para outras variantes que, sem dúvida, virão. Não conseguimos simplesmente controlar o vírus, mas podemos fazer com o impacto seja menor agora e no futuro.Mesmo com a onda da ômicron, Anápolis suspendeu a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais abertos. Nesse sentido, quais são as recomendações nesse momento?A população tem que entender que enquanto não tivermos uma cobertura vacinal alta e uma redução importante da circulação viral, as medidas de proteção continuarão sendo necessárias. No momento, não estamos mais em uma fase que o fechamento do comércio ou de escolas seja recomendado. Porém, o uso de máscaras, distanciamento social e a lavagem de mãos, principalmente em escolas e locais fechados, ainda tem que ser mantido. Todo mundo já está cansado, mas ainda estamos em pandemia.-Imagem (1.2405695)