A juíza Bianca Melo Cintra, da Vara da Auditoria Militar de Goiânia, manteve nesta semana posicionamento da Justiça de que não houve excessos por parte do policial militar que abordou o ciclista e youtuber negro Filipe Ferreira Oliveira, de 30 anos, em um parque em Cidade Ocidental, no Entorno do Distrito Federal.Em 28 de maio de 2021, Filipe gravava manobras com sua bicicleta quando teve uma arma apontada em sua direção pelo cabo da PM Gustavo Brandão da Silva durante uma abordagem e sendo algemado, mesmo sem que houvesse nada contra ele. Na época, o vídeo mostrando a ação policial, gravado pelo próprio youtuber, viralizou na internet, gerando muita revolta contra a abordagem.O vídeo mostra que o cabo da PM demora apenas seis segundos do momento em que sai da viatura até apontar a arma na direção de Filipe. Neste tempo, o policial manda ele se afastar da bicicleta, o youtuber questiona o motivo, o cabo retruca que é “porque estou mandando” e o abordado rebate dizendo: “Não é assim não”.Neste momento, Filipe pega o celular no chão para gravar a situação enquanto o policial repete que está mandando ele colocar a mão na cabeça sem deixar de apontar a arma em sua direção. O outro policial também pede que o youtuber obedeça, mas sempre com a arma em direção ao solo.No restante do vídeo, que dura mais um minuto e meio, o rapaz questiona o motivo de colocar a mão na cabeça e depois de ser algemado, e só ouve como respostas, sempre aos berros por parte de Gustavo, que é uma ordem do policial, que é assim que é o procedimento e que se não cumprir vai ser preso.Para o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), houve constrangimento ilegal por parte do cabo, “mediante grave ameaça, com o emprego de arma de fogo, a fazer o que a lei não manda, já que (Filipe) não tinha cometido crime algum”. A denúncia contra o cabo foi feita em 1º de junho e rejeitada no dia 3 de julho pelo juiz Gustavo Assis Garcia, então juiz da auditoria militar. Um recurso foi impetrado no dia 13 do mesmo mês.Para Bianca, não houve “ilicitude” na abordagem, visto que o youtuber se recusa a obedecer às ordens do policial, as ações consequentes encontram respaldo dentro das regras da corporação e não foram arrolados ao processo elementos que apontassem ausência de “fundada suspeita” que legitimou a ação da PM. O argumento é o mesmo da decisão de julho.Para os promotores do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial (NPAC), que fizeram a denúncia e entraram com recurso, não havia nada que justificasse a forma como Filipe foi abordado, pois não representava nenhum risco aos policiais e não havia nenhuma informação que o apontasse como uma pessoa perigosa.Os promotores afirmam que o cabo apontou a arma em direção ao youtuber em desrespeito ao que determina o manual de procedimentos da corporação “apenas para coagir a vítima a fazer o que a lei não manda”. Também dizem que em nenhum momento Filipe se negou a seguir as ordens do policial e que só questionou o motivo da abordagem, do uso de arma e algemas.Na denúncia feita pelo MP, os promotores reforçam que não havia motivo para o youtuber ser abordado, muito menos da forma como o cabo agiu. “(Filipe) estava sozinho em um parque, praticando esportes ao ar livre. Fazia manobras com sua bicicleta quando a viatura policial se aproximou e parou. Instantes depois, estava sob a mira de uma arma carregada, escutando ordens de um policial visivelmente alterado, que não se importou minimamente em se fazer entender. Pelo contrário, bradava grosseiramente contra o cidadão, chegando ao absurdo de dizer que aquele ‘era o meu (do policial) procedimento’”, escreveram os promotores na denúncia.Os policiais chegaram a afirmar que o local da abordagem era um conhecido ponto de tráfico e que suspeitaram que o youtuber poderia estar fumando maconha, mas não apresentaram provas disso.A manifestação da juíza, que substituiu Gustavo na auditoria militar no segundo semestre do ano passado, foi uma determinação da juíza substituta em 2º grau Lília Mônica Escher, para que houvesse a possibilidade de juízo de retratação, uma etapa processual para o tipo de recurso interposto pelo MP-GO. Agora o processo volta para a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), aos cuidados do relator, o desembargador Fábio Cristóvão de Campos Faria.Policial denuncia youtuberAlém de mais uma decisão rejeitando a denúncia de excesso policial, tramita na Justiça desde agosto uma ação por parte do cabo da PM Gustavo Brandão da Silva contra o youtuber Filipe Ferreira Oliveira por injúria. O processo ainda está em fase de análise. O cabo diz que desde que o vídeo com a abordagem foi colocado na internet ele se tornou alvo de ataques contra sua honra por parte de outros cidadãos e de Filipe.O advogado Marcelo Almeida, que representa o policial, afirma que Filipe excedeu o direito à liberdade de expressão ao chamar o cabo de “racista” e “covarde” em uma publicação feita na conta no Instagram na época. No pedido feito, o advogado junta também manifestações similares feitas por outras pessoas na internet, alegando que por causa da forma como o vídeo foi divulgado em redes sociais o policial passou a ser alvo de ofensas e ataques virtuais.Na queixa-crime, o cabo pede indenização por danos morais. O Ministério Público se manifestou pedindo que fosse identificada a origem das ofensas arroladas no processo por meio de cópias de mensagens deixadas nas redes sociais. O advogado rebateu o pedido. A Justiça ainda não se manifestou.Procurado, Filipe afirmou ao POPULAR que não sabia da queixa feita pelo PM e que ela é absurda. Para Filipe não faz sentido a queixa feita pelo PM na Justiça, pois quem passou pelo constrangimento foi ele. E nega que tenha ofendido o policial.Filipe diz ter esperança em recursoA vida do youtuber Filipe Ferreira Oliveira precisou mudar depois da abordagem policial. Em entrevista ao POPULAR, ele disse que segue com um pé em Cidade Ocidental, mas vive também em outra cidade, decisão que veio não apenas pela ação filmada no fim de maio, como por fatos posteriores. Em julho, ele apareceu em um novo vídeo mostrando que desde que o vídeo viralizou e o policial foi denunciado colegas de farda passaram a segui-lo em viaturas quando o encontravam na rua.Apesar da experiência, o youtuber diz que prefere focar nas mudanças positivas que ocorreram em sua vida depois disso. Ele segue fazendo seus vídeos com manobras de bicicleta e publicando em sua conta no YouTube, assim como trabalhando diariamente e diz que nunca mais foi abordado pela polícia. Felipe lamentou a manifestação da juíza da auditoria militar, mas afirmou ter ainda esperança que a decisão seja revertida após análise do recurso do MP.Em junho do ano passado, 13 dias após a abordagem, a Justiça já havia arquivado o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) por desobediência que Filipe teria sido obrigado a assinar após ter sido algemado pelos policiais. Após a interrupção do vídeo, ele ficou cerca de 30 minutos preso.A juíza Roberta Wolpp Gonçalves, do Juizado Especial Cível e Criminal de Cidade Ocidental, acatou orientação do MP de que não foi caracterizada nenhuma prática ilícita do youtuber que justificasse o TCO.“O magistrado pode discordar com o posicionamento ministerial, quando convicto de que os fatos noticiados merecem serem apurados e processados, contudo, no caso em testilha, consta que o policial cuja ordem, em tese, foi desobedecida foi denunciado pela suposta prática de constrangimento ilegal”, afirmou a juíza.O advogado do policial foi procurado pela reportagem, mas até o encerramento desta reportagem não deu retorno.