A empresária Nádia Lopes, de 35 anos, moradora de Petrópolis, no Rio de Janeiro é uma das oito mulheres intimadas a depor nesta quinta-feira (7) em julgamento envolvendo o líder religioso João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus. Pela primeira vez ela decidiu se identificar em uma entrevista e denuncia que foi vítima dos abusos no ano de 2014, quando buscava na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, a cura para a depressão. Seu depoimento está previsto para as 15 horas.A audiência virtual segue ao longo do dia e é coordenada pelo juiz Marcos Boechat, do Fórum de Abadiânia. João já foi condenado cinco vezes por crimes sexuais, além de responder por posse irregular de arma de fogo de uso restrito e de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. As penas ultrapassam 100 anos de reclusão e ele cumpre prisão domiciliar.Nádia conta que no ano de 2014 foi algumas vezes a Abadiânia, cidade que ficou conhecida internacionalmente pelos atendimentos de ‘João de Deus’. Inicialmente, diz que sentia respeito por ele e que nas primeiras visitas foi tratada com atenção e respeito. “Até que um dia ele tocou no meu seio para colocar uma medalha. Me disse que era para eu guardar no coração. Tirei a mão dele, disse que eu mesma colocava. Me causou incômoda, mas achei que pudesse estar imaginando alguma coisa”.Em choqueDepois do fato que a deixou desconfortável, a empresária voltou ao local, mas diz que desta vez antes mesmo de começar os atendimentos, João a chamou na sala dele e disse que precisava fazer um ‘tratamento para o chakra que estava desequilibrado’. “Ele me abraçou por trás, foi colocando a mão na minha calça, começou a colocar a mão dentro da calça, fiquei congelada por algum tempo, mas não tenho noção desse tempo.”A empresária afirma que a partir daí questionou a si mesma sobre o que tinha acontecido e que os sentimentos se misturaram entre medo e vergonha. “Eu parecia anestesiada, ele foi me levando para a sala onde ficam todas pessoas em meditação. Fiquei muito tempo pensando se era de fato um ‘alinhamento energético’ o que tinha acontecido de fato. Eu sempre sentia que estava errado, mas tinha medo, vergonha e era difícil aceitar que a pessoa que eu acreditava ser boa, acreditava que estava ali para curar as pessoas, estava fazendo isso”, recorda.A denúnciaLopes procurou o Ministério Público logo que as primeiras denúncias envolvendo João de Deus vieram a público, em 2018. “Denunciei no MP quando começaram as denúncias públicas. Eu não tinha noção de tudo que ele tinha feito e quando outras mulheres apareceram, senti que tinha obrigação de contar. Foi quando finalmente entendi tudo que tinha acontecido de fato.”Prisão domiciliarAtendendo a um pedido da defesa no início da pandemia do coronavírus (SARS_CoV_2), a juíza Rosângela Rodrigues dos Santos concedeu prisão domiciliar a João Teixeira em março de 2020. A decisão se justificava por uma recomendação (Recomendação nº62/20) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que incentivava tribunais e juízes a adotarem medidas protetivas à propagação do vírus.Em 26 de agosto de 2021, a Justiça determinou a prisão dele após a 15ª denúncia ser oferecida pelo MP-GO por prática de crimes sexuais. Na ocasião, ele foi denunciado por estupro de vulnerável contra oito mulheres e relacionava outras 44 vítimas que figuraram como testemunhas porque os crimes estavam prescritos. No total, a denúncia incluía crimes que aconteceram entre 1986 e 2017 contra mulheres dos estados de Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Maranhão, Goiás, Santa Catarina, Mato Grosso e Espírito Santo.João Teixeira foi liberado após 21 dias, no dia 15 de setembro de 2021 e retornou para a prisão domiciliar. Em votação unânime, o Tribunal considerou a idade avançada e as diversas doenças crônicas do líder religioso. “A prisão domiciliar é absurda depois de tantas condenações. Espero que ele volte pra cadeia”, diz Nádia.RespostaEm nota, o advogado de João Teixeira, Anderson Van Gualberto afirmou que nesta quinta-feira (7) só serão ouvidas as possíveis vítimas e não deu detalhes sobre os depoimentos de João. “A audiência faz parte do processo criminal e será a oportunidade de as partes apresentarem as suas versões sobre o caso. Como o processo tramita em segredo de justiça não podemos adiantar e nem anunciar nada.”Leia Também: Caso João de Deus: em novo julgamento por crimes sexuais, oito mulheres são ouvidas pela JustiçaJoão de Deus ainda tem "presença" forte na casa Dom Inácio, em Abadiânia'Rede de proteção a João de Deus foi fundamental para que crimes se perpetuassem', diz Cristina Fibe