O empresário Henrique Saccomori Ramos, de 29 anos, preso no começo de abril acusado de aplicar um golpe milionário em dezenas de vítimas em Anápolis com a ilusão de retorno financeiro por meio de apostas on-line, levava uma vida de luxo com a mulher, segundo a Polícia Civil. A descoberta foi possível após acesso aos celulares do casal e com a apreensão do material que eles tentavam levar para a Europa quando foram detidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos no dia 2 de abril.Henrique virou réu por acusação de estelionato no dia 27 de abril, quando a Justiça acatou denúncia feita pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) com base no inquérito policial. A primeira audiência de instrução, na qual serão ouvidas testemunhas arroladas pela defesa do empresário e pelo MP-GO, está marcada para o dia 1º de julho. O empresário também responde a mais de 50 processos protocolados por supostas vítimas diretamente no Judiciário, a maioria das ações cíveis pedindo a restituição do dinheiro investido. A Polícia Civil diz que ele pode ter conseguido mais de R$ 50 milhões.O casal foi detido com quatro malas e com eles foram apreendidos um hard wallet, uma carteira usada para armazenar a chave privada que se tem acesso a criptomoedas, além de inúmeros cartões de crédito, cerca de R$ 27 mil em espécie, mais de 5,6 mil dólares em moeda americana e recursos em espécie de outras moedas estrangeiras. Também estavam em posse dele nove relógios de luxo, perfumes e equipamentos como tablets e notebooks, além de escrituras de dois imóveis em Anápolis.Em um relatório feito pelos agentes do Grupo Especial de Investigação de Crimes Patrimoniais (Gepatri) incluído no inquérito, foram analisadas mais de 2,5 mil imagens encontradas no celular da mulher de Henrique, além das mensagens mantidas em aplicativos com o marido. Os policiais afirmam que o casal tinha “uma vida de ostentação, regada a viagens nacionais e internacionais, realizadas praticamente durante todo o ano, compras de artigos de altíssimo padrão para a residência de ambos, construção de um espaço de convivência em um bairro nobre da cidade, compra de veículos para familiares”.À mesma conclusão os agentes chegaram ao analisar um iPhone 11 Pro em nome de Henrique, que, segundo relatório, já não era mais usado porque o empresário tinha outro aparelho mais moderno. Entretanto, teria sido encontrado neste aparelho material arquivado indicando que o casal viajava na primeira classe e fretava jatinhos particulares, além de frequentarem restaurantes luxuosos nas viagens internacionais. Isso, segundo o Gepatri, demonstrava “um grande avanço de poder aquisitivo em pouquíssimo tempo”.Ainda ao analisar os aparelhos celulares do casal, os agentes notaram que os recursos transferidos pelos investidores eram usados para compra “em grande volume” de criptomoedas, “levando a crer que o valor investido das vítimas possa estar convertido nesta modalidade de valor que é mais difícil de ser rastreado pelas autoridades”. E no mesmo relatório é dito que a vida de luxo começou após a fundação da empresa H5, usada por Henrique para atrair as vítimas.O total de vítimas e de valores arrecadados por Henrique ainda não foi calculado, nem o montante de recursos em posse do casal. Foram pedidos bloqueios de contas bancárias identificadas, a liberação da chave de acesso aos recursos em criptomoeda e o sequestro e apreensão de bens como imóveis e objetos de luxo encontrados com o casal e no apartamento em que os dois viviam. Tudo já autorizado pela Justiça.Mulher foi soltaA mulher de Henrique chegou a ser detida com ele no dia 2 em Guarulhos, mas foi solta no dia 20 e, segundo a Polícia Civil, foi constatado que ela não tinha envolvimento nos golpes aplicados, sendo que teria indicado amigos e parentes para investir recursos na empresa do marido e estas acabaram sendo vítimas dele também. Em depoimento, ela disse que um dos parentes chegou a ter um prejuízo de R$ 350 mil.A reportagem não conseguiu contato nesta segunda-feira (23) com a defesa do casal. Em petição protocolada na Justiça, o advogado do empresário sustenta não haver motivos para mantê-lo preso, por não levar “uma vida errante” e que “jamais teve participação em qualquer tipo de delito”. Além disso, o crime pelo qual ele é acusado não teria sido cometido com uso de violência e não é considerado grave. Até agora, os pedidos de soltura foram negados.Nos depoimentos, Henrique teria ficado praticamente em silêncio, dizendo apenas que a mulher não estava envolvida com nada, não sabia o que se passava na empresa. Empresário era mau apostador, diz políciaA Polícia Civil também descobriu que, apesar de se vender como um exímio apostador, tendo pedido mais recursos às vítimas para entrar num seleto grupo dos melhores de uma plataforma internacional de apostas on-line, Henrique Saccomori mais perdia do que ganhava nas apostas on-line e não tinha aplicado nas plataformas os recursos que ele afirmava aos que se acreditavam investidores.“A conclusão também recai no fato de Henrique não ser um exímio apostador (como vendia), já que conforme se observou de suas apostas na plataforma Bet in Asia Black B! Mollybet, este mais perdia do que ganhava em suas entradas”, afirmam os agentes em relatório que O POPULAR teve acesso.Para atrair as vítimas, Henrique dizia que conseguia por meio das plataformas de apostas retornos semanais de até 2% dos recursos investidos e que tinha um sistema que bloqueava tudo sempre que as perdas ultrapassavam um determinado porcentual. Segundo o delegado Jorge Fernando dos Santos Bezerra, que cuidou da investigação, era tudo mentira.O delegado também descobriu que Henrique criou uma conta falsa de e-mail e mandou uma mensagem para a própria empresa se passando como responsável por uma plataforma de apostas interessada na capacidade dele como jogador e prometendo colocá-lo num grupo seleto com maiores rendimentos caso conseguisse arrecadar 40 milhões de Euros.Para as vítimas, sempre usando termos técnicos, o empresário apresentava uma planilha dizendo que conseguiu 34,6 milhões de Euros e precisava de mais recursos. Entretanto, segundo a polícia, estes valores também eram fictícios.As vítimas só perceberam que estavam perdendo dinheiro quando um dia receberam uma mensagem de Henrique informando que eles perderam 98,8% dos recursos investidos. Depois, ele informou ter sido sequestrado por um grupo na Europa, que lhe teria roubado todo o dinheiro. Dois dias depois, após as vítimas procurarem a polícia, Henrique foi preso com a mulher em Guarulhos.