Aos 17 anos, A.G. é o retrato de muitos adolescentes de sua faixa etária que sofrem as consequências das brutais desigualdades sociais nas periferias das grandes cidades. Morador do Parque Industrial Migone, bairro pobre de Luziânia, no Entorno do Distrito Federal, o garoto se envolveu cedo com o mundo do tráfico após se sentir desamparado emocionalmente no meio familiar e por duas vezes cumpriu medida socioeducativa. A sua breve, brutal e impactante trajetória está no livro O Príncipe das Grades -Um relato de experiência na socioeducação que ele lançou ao se despedir do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), no dia 12 de janeiro. A.G. é monossilábico ao falar da própria história. Ao POPULAR dirigiu palavras de gratidão à titular do Juizado da Infância e Juventude de Luziânia, Célia Lara, à coordenadora do Case, Enismaria Lino Vieira de Souza, a Mari, e à professora Lauane de Souza, as pessoas que mais o incentivaram a colocar no papel as impressões da breve vida. “Quando cheguei no Case foi um negócio esquisito, era como se eu estivesse preso dentro de mim. Depois, me descobri porque elas me despertaram”, contou.“Ele demonstrou bastante dificuldade em se adaptar à medida socioeducativa em razão do uso de drogas e dos conflitos que tinha lá fora com outros adolescentes. Isso dificulta a construção do trabalho, que é feito por uma equipe multidisciplinar. Foi um momento desafiador porque ele não conseguia pensar porque estava aqui”, lembra Mari, que é pedagoga. Ao observar os primeiros esboços feitos pelo garoto, a professora Lauane o incentivou a seguir em frente. À medida que a história avançava, crescia o desejo da equipe do Case de que a experiência de A.G. servisse de exemplo a outros adolescentes. “Um professora sugeriu digitar tudo e imprimir aqui mesmo no Case”, revela a coordenadora. Foi aí que entrou em ação a juíza Célia Lara que, em 2019, já tinha se deparado com o garoto em sua primeira internação. “Ela acionou amigas que têm editora e conseguiu transformar os escritos dele num livro. Se ela não tivesse dado essa pontinha de esperança, teríamos desanimado.” Para a magistrada, a sua decisão está inserida num contexto básico. “O Poder Judiciário deve cumprir seu papel não somente de órgão julgador na entrega da prestação jurisdicional na área do ato infracional, mas como integrante da rede de proteção infantojuvenil, deve atuar na implementação de políticas públicas efetivas para a retirada de crianças e adolescentes das ruas, afastando-os das drogas, do trabalho infantil e dos abusos sexuais, garantindo-lhes a convivência familiar e comunitária saudável e segura.”A juíza Célia Lara contou com o apoio de Sandra Férrer, da Emoções Positivas Publicações, e da Casa de Sonhos, para transformar as impressões de A.G. em livro. “A obra conta não somente a história de vida de um adolescente num mundo sem muitas possibilidades de vida segura e de um crescimento saudável, mas descreve também as fragilidades do sistema socioeducativo que encontramos não somente no estado de Goiás, mas também em todo o País”, diz a magistrada. A primeira lembrança de A.G. foi de um tempo em que era deixado pela mãe na casa da madrinha porque precisava trabalhar. Depois, com a chegada de um irmão, filho do padrasto, se sentiu ainda mais só. Mas o momento limite foi a descoberta de que não era o filho biológico do homem a quem chamava de pai e de quem recebia afeto. Ele desapareceu de sua vida para sempre. O adolescente encontrou fácil o caminho para o vício, o tráfico e os conflitos, dentro e fora de casa.“Eu me sinto culpada. Tudo o que eu fiz foi pelo bem do meu filho, só que não sabia que iria trazer tantos problemas para ele e para mim. Agora, estou tentando colocar a casa em ordem”, afirma Alda Alice, de 48 anos, a mãe. Ela relata que o filho, por pouco não virou morador de rua e por várias vezes o internou. Agora, desde que ele deixou o Case, sente que há uma mudança em curso. “Ele está tranquilo, indo para a escola e chegando cedo em casa. Todos os dias eu digo a ele que confio que tudo vai ser diferente.” A.G. conta no livro detalhes da virada pessoal que o transformou, primeiro, num entregador de crack. Ainda não tinha saído da infância. Depois a imersão nos “negócios” por conta própria, o uso, os embates nas ruas e os assaltos à mão armada. Por causa deles foi parar no Case, em 2019, e depois em agosto de 2020, de onde só saiu neste início de janeiro. O livro, de 63 páginas, preserva o jeito original de falar do adolescente, o que o torna ainda mais verdadeiro. E permeiam toda a obra ilustrações também de sua autoria.Dentro do Case, mal alfabetizado, A.G. fez o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). Agora, sonha em se formar em Direito e construir uma família. “Quando peguei o livro, tive um sentimento de alegria pela confiança depositada em mim.” O lançamento da obra, que pode ser adquirida no Case ao preço de 20 reais, ocorreu no Fórum Kisleu Dias Maciel, em Luziânia, marcando a saída de A.G. do Case.