Até agosto de 2020, a família Vilela, com raízes em Jataí (GO), da qual era membro o ex-governador de Goiás Luís Alberto Maguito Vilela, tinha dado adeus definitivamente apenas ao casal de patriarcas e a três bebês recém-nascidos. A pandemia da Covid-19 mudou drasticamente esse quadro. Em cinco meses, três dos sete irmãos, todos com mais de 70 anos, sucumbiram à doença, deixando vazio, dúvidas e frustração, porque a vacina para barrar o coronavírus (Sars-CoV-2) não chegou a tempo ao Brasil, o que poderia ter impedido a fatalidade.Este é o sentimento de Nice Helena Vilela Pato, de 76 anos, uma das irmãs de Maguito Vilela, uma sobrevivente da Covid-19. “Nossa genética não é boa para essa doença. É o que os médicos dizem. A perda deles foi muito angustiante”, afirma a dona de casa, que não pode acompanhar o sepultamento dos irmãos. Nice tomou duas doses da vacina e, no início deste mês, foi diagnosticada com Covid-19. “Fiquei apreensiva. Só pensava que, se meus irmãos morreram, era provável que também iria.” Agora, aguarda, com expectativa, a terceira dose.Nice Vilela, que possui comorbidades como diabetes, hipertensão, doença pulmonar crônica e parkinson, que se somam à idade e à história familiar, não precisou ser internada. Ela recebeu orientação médica em casa. “A possibilidade de ela ter adoecido de forma grave era muito grande, mas sentiu sintomas de um quadro de virose habitual, com leve desconforto no corpo”, conta o médico pneumologista Marcelo Fouad Rabahi, que cuidou de Nice. Durante o processo, a preocupação e ansiedade foram fatores mais importantes, na opinião do médico. “Este caso confirma, na vida real, o que dizem os estudos científicos”, frisa Marcelo Rabahi.O pneumologista, que é professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás e coordenador do Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG), é um defensor da vacina. “Estamos vendo uma grande redução de casos de Covid-19. Para nós, profissionais de saúde que enfrentamos de frente a epidemia, a grande mudança foi, sem nenhuma dúvida, a imunização. É claro que a vivência nos atendimentos trouxe uma melhor condição para nós, mas nada foi tão impactante quanto a vacina.”O caso de Nice Vilela trouxe para o médico um sentimento de incerteza e frustração. “Não podemos saber o destino das coisas, mas questionamos se Maguito e suas irmãs tivessem tido a chance de se vacinarem, será que o desfecho seria diferente? No caso de Dona Nice, foi o que aconteceu.” Rabahi, genro do ex-governador e ex-prefeito de Aparecida de Goiânia, acompanhou de perto a doença do sogro desde o diagnóstico em Goiânia, no dia 20 de outubro de 2020, até sua morte em São Paulo, em 13 de janeiro de 2021.GenéticaQuando Maguito Vilela, 72 anos, um dos mais novos da prole, adoeceu, a influência genética no cenário da pandemia já era um debate recorrente. Primeiro, ele perdeu a irmã Nelma, 76, no dia 10 de agosto de 2020 em Jataí. Portadora de fibrose pulmonar, ela piorou no décimo dia após o diagnóstico e não chegou a ser internada. Já Nelita, 81, que tinha contraído Covid na mesma época, foi hospitalizada em Jataí, entubada, extubada, mas acabou morrendo no dia 29 do mesmo mês. Carlucio, seu filho, estava entubado quando a mãe partiu. Ele soube dias depois de sua morte. Este ano, imunizado, comemorou com a família os seus 60 anos.Em julho deste ano, um estudo, publicado pela revista científica Nature, revelou que 13 partes do genoma humano podem estar associadas ao risco de infecção pelo coronavírus. A pesquisa foi feita por mais de 3 mil integrantes do projeto Covid-HGI, rede que reúne estudos de todo o mundo. Os cientistas estudaram os motivos pelos quais alguns infectados evoluíram para quadros graves de Covid-19 e outros apresentaram somente sintomas leves.“Já está bem clara a correlação da questão genética e a agressão do vírus”, explica Rabahi. O médico ressalta que no sistema imune, as células T que combatem o vírus, estão relacionadas a uma classe de molécula, a HL1, que sofre influência genética. “Quem não tem essa molécula está mais suscetível aos efeitos graves da doença.” O caso de dona Nice, que não teve oscilação nem mesmo da oxigenação, é para o pneumologista emblemático e mostra o quanto a vacina fez a diferença como a ciência já apontava. “Isso é vida real.” Médico diz que é comum ter pacientes negacionistas“Eu conclamo todos os goianos a se vacinarem. Precisamos fazer parte da pandemia dos vacinados”, brinca Nice Vilela Pato. Marcelo Rabahi conta que, em seu consultório, é comum encontrar pacientes resistentes à vacina, mesmo entre aqueles que adoeceram. “Procuro sempre ponderar com fatores relacionados à ciência. É assim que cuido dos meus pacientes desde a minha graduação. A vacina está pautada em dados científicos. Uma notícia dita muitas vezes, pode até convencer, mas, e na vida real? O caso mais claro é a poliomielite, doença que foi combatida com vacina.” Para o médico, o grande entrave é a interpretação equivocada de estudos sobre o imunizante. “Vivemos uma epidemia sem precedentes e ficou parecendo que qualquer um pode interpretar estudos científicos sobre vacinas e sobre medicamentos. Informação tem um grande poder. A Covid é uma doença viral, portanto não faz sentido antibiótico no início da doença e isso parecia normal”, exemplifica. Em 2020, no intervalo de um mês, a consultora de viagens Helena Francisca Pereira, perdeu a mãe, Carmem, e dois tios para a Covid. “Quando a pandemia começou todos acharam que era exagero da mídia. Mesmo passando por toda essa situação continuam com postura negacionista. Só tomaram a vacina porque se sentiram obrigados, mas não acreditam que resolve muito.” Pelo menos 30 pessoas da família de Helena contraíram a doença, entre elas a consultora e os filhos crianças. Helena acredita na ciência, sabe dos riscos pelo fator genético e não perdeu de vista o calendário do Plano Nacional de Imunização. No auge da pandemia ocorreram inúmeros casos de familiares que não resistiram à doença e não tiveram a chance de serem vacinados. As irmãs Edilaine, 36, e Elaine dos Santos, 33, morreram num intervalo de sete horas, uma em Morrinhos e a outra em Itumbiara. A primeira deixou um filho recém-nascido. Em Goiânia, o meio estudantil ficou chocado com a partida precoce dos irmãos professores Alan Kardec, 48, e André Luiz Pedra, 45. Ambos enfrentaram uma evolução muito rápida da doença.