A segunda onda da Covid-19 em Goiás está mais acelerada do que o estimado por especialistas e autoridades sanitárias. As festas de fim de ano são apontadas como a principal causa para isso. Para se ter uma ideia, nas três semanas anteriores ao Réveillon ocorreram 233 óbitos no Estado, uma média de 10,6 em 22 dias. Já nos primeiros 22 dias deste ano, após as festas, já estão no sistema da Secretaria de Estado de Saúde (SES-GO), 286 óbitos ocorridos em 2021, uma média de 13 mortes. Os números são dos registros da SES-GO até às 16 horas da última sexta-feira (22).Outro dado que mostra a aceleração da segunda onda da pandemia neste ano, que tem o início calculado no fim de novembro de 2020, é o crescimento do número de internações e ocupação dos leitos de unidade de terapia intensiva (UTIs) e mesmo enfermaria. Nas UTIs, por exemplo, a ocupação girava em torno de 40% entre os dias 10 e 15 de dezembro. Um mês depois, os registros apontavam que entre 60% e 65% dos leitos estavam ocupados, e na semana passada este índice estava acima de 70%, em um crescimento sustentado, o que significa que não há oscilação para baixo.Para a superintendente de Vigilância em Saúde da SES-GO, Flúvia Amorim, pelas informações recebidas de quem atua na linha de frente nos cuidados aos pacientes com Covid-19, é possível saber que muitas pessoas contaminadas viajaram ou estiveram em confraternizações com amigos e familiares no Natal ou Réveillon, assim como se constata, pela observação, uma alta de casos no ambiente familiar. “Não temos uma pesquisa específica sobre isso, não indagamos os pacientes sobre as festas de fim de ano, mas é o que vimos empiricamente”, diz.Já desde o começo de dezembro, as autoridades sanitárias reforçaram a necessidade de cuidados com as festas de fim de ano. A SES-GO chegou a divulgar recomendações e pedidos para que as pessoas evitassem aglomerações e encontros, e que as comemorações ficassem restritas aos familiares que habitam a mesma residência. Na semana entre o Natal e o Réveillon, a taxa de ocupação dos leitos de UTI separados para o tratamento de pacientes com Covid-19 estava oscilando entre 50% e 55%. Atualmente, desde o dia 15 de janeiro, a taxa de ocupação tem crescido sem qualquer oscilação, saindo de 60% e chegando a 71% no dia 20. O biólogo e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), José Alexandre Felizola Diniz Filho, que tem estudado a curva epidemiológica e a situação pandêmica em Goiás desde março do ano passado, informa que a situação atual da Covid-19 é mesmo de um crescimento mais acelerado a partir deste mês. No início de dezembro, a última Nota Técnica feita pelo grupo de pesquisadores da UFG, desenhou um modelo em que a taxa de transmissão da doença (R) em Goiânia chegaria a 1,2 no fim do ano, o que levaria a uma média de 2.140 óbitos no fim de janeiro. No entanto, na sexta-feira (22), a capital já tinha registrado 2.220 mortes por Covid-19. “Isso sem contar os óbitos ainda não notificados”, ressalta Diniz Filho. Até então, em todo o Estado tem ocorrido uma média de 12 a 15 dias de atraso entre a ocorrência do óbito e o registro deles no sistema do Ministério da Saúde (MS), que é utilizado pela SES-GO. A reportagem utiliza os dados de óbitos com relação à data de ocorrência. Ou seja, ainda há possibilidade da diferença de óbitos entre as três primeiras semanas de 2021 e as três últimas de 2020 ser ainda maior.Diniz Filho lembra que a Nota Técnica estimava um máximo de 2.800 óbitos para a capital até o fim de janeiro, mas mesmo restando uma semana e considerando o atraso nas notificações, ele acredita que não chegará a este montante. Flúvia também garante que a curva epidemiológica está com crescimento mais rápido neste momento. “Já chegamos a atingir taxa de ocupação média de 80% até”, diz. Na segunda semana do ano, entre os dias 10 e 16 de janeiro, ocorreram 116 óbitos em Goiás. Quantidade esta que só havia sido verificada na primeira semana de novembro de 2020, com 115 mortes.Duas semanas após isso, Goiás atingia o índice mais baixo de óbitos por Covid-19 por semana, com 69 ocorrências, desde a primeira semana de junho, quando houve 58 mortes pela doença. Válido lembrar que naquela época o Estado ainda vivia um regime de austeridade quanto à proibição das atividades comerciais e de serviços, sobretudo em Goiânia, com o funcionamento apenas das atividades essenciais. Enquanto que em novembro o número considerado baixo ocorreu diante de restrições iguais ao que se tem atualmente, com índices altos. Jataí e Trindade têm maiores taxas de transmissãoA superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO), Flúvia Amorim, conta que as cidades de Jataí e Trindade são as que têm causado maiores preocupações nas autoridades sanitárias estaduais. Isso ocorre em função da alta taxa de transmissão de Covid-19 (R) calculada para os dois municípios. Em Jataí, no Sudoeste goiano, a SES-GO afirma que o R está em 2, ou seja, cada pessoa com o coronavírus (Sars-COV-2) é capaz de transmiti-lo para outras duas. O ideal é quando o R está abaixo de 1, o que significa que a tendência da curva epidemiológica é cair. Já em Trindade, na região metropolitana de Goiânia, o R é calculado em 1,83, número próximo ao que se tem em Catalão, com 1,82, onde o prefeito, Adib Elias, e o vice-prefeito, João Sebba, foram contaminados pela doença. Em Aparecida de Goiânia, a SES-GO aponta que a transmissão também está alta, com 1,52. Para se ter uma ideia, no entanto, o R calculado em média no Estado está em 1,01, um valor próximo ao que se tem em Goiânia, com 1,05. Ainda assim, Flúvia acredita que estes valores acima de 1, mesmo que próximo, indica uma progressão da transmissão da doença.O cálculo do R também é feito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). O professor José Alexandre Felizola Diniz Filho, que participa do grupo que realiza o cálculo e os estudos, afirma que uma nova Nota Técnica com a atualização da taxa de transmissão calculada pelos pesquisadores está sendo preparada para o início de fevereiro. Em dezembro, data do último estudo feito por este grupo, Goiás apresentava um R de 1,13, número que já apresentava crescimento na curva epidemiológica com relação ao que se tinha anteriormente. O cálculo anterior fora realizado em setembro e chegou a 1,04.Para Goiânia, o cálculo da UFG apontava, em dezembro, uma taxa de transmissão de 1,27. Na época, Diniz Filho ressaltou que manter um R neste patamar faria com que o sistema de saúde do município tivesse problemas, assim como um alto número de contágios e, consequentemente, internações e óbitos. O novo cálculo do R a ser realizado pela UFG já deverá analisar os dados de janeiro, mesmo considerando os registros em atraso, o que deve indicar um modelo para a pandemia em Goiás com relação aos próximos meses.Diniz Filho considera ainda que a taxa de transmissão no Estado pode, atualmente, ter um aumento ainda maior que o calculado em dezembro, já que existe a possibilidade de que tenhamos em Goiás a confirmação da existência de uma nova cepa do coronavírus. “Por causa da nova linhagem com as mutações que aumentam o nível de transmissão da doença, mas ninguém sabe exatamente ainda o quão disseminada essa linhagem está.” Já há confirmações de casos com essa nova cepa em pelo menos três Estados brasileiros: Amazonas, São Paulo e Rio de Janeiro. A situação configura que o tipo do vírus já se encontra em disseminação comunitária no País. COE deverá analisar novas medidas de contenção A próxima reunião do Centro de Operações Emergenciais (COE) em Saúde Pública do Estado de Goiás, que deve ocorrer na quarta-feira (27) deverá debater a implantação de novas medidas de contenção da Covid-19. A Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) ainda não fala oficialmente sobre quais medidas estão sendo estudadas. A superintendente de Vigilância em Saúde da SES-GO, Flúvia Amorim, confirma apenas que a situação de crescimento rápido epidemia requer medidas além da abertura de novos leitos para o tratamento de pacientes com Covid-19, seja de unidade de terapia intensiva (UTI) ou de enfermaria. Flúvia diz que já estão sendo estudadas novas medidas. Com outros membros do COE, a reportagem do POPULAR verificou que as medidas a serem apresentadas serão menos restritivas do que se teve entre março e junho de 2020. A princípio, nenhuma atividade econômica deve ser proibida, mas é possível que se discuta a diminuição de horário de abertura, sobretudo de bares, restaurantes e casas noturnas. Também será colocado em pauta um reforço na fiscalização.Outra mudança que será discutida é a proibição das aglomerações em locais privados, como condomínios e residenciais, sob a pena de multa. Os clubes e hotéis deverão ter restrições maiores que as atuais na capacidade de hospedagem. Para o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), José Alexandre Felizola Diniz Filho, o momento atual é sim para repensar as medidas de contenção da pandemia. “Todo mundo ficou animado com a questão da aprovação das vacinas, mas na verdade já sabíamos que tudo isso ia demorar. O impacto populacional da vacina ainda vai demorar muito tempo.”Para Diniz Filho, as autoridades sanitárias não possuem outra alternativa no momento, exceto o reforço das medidas de distanciamento social, apesar das dificuldades, visto que há resistência tanto dos setores econômicos quanto políticos, já que há o início de novas gestões municipais. “Com a chegada das vacinas está dando uma falsa sensação de que as coisas poderão se resolver rapidamente, o que não é verdade, infelizmente.” O professor ressalta ainda que a possibilidade de Goiás já possuir pessoas contaminadas com a nova cepa de coronavírus reforça a necessidade de novas medidas de contenção, já que poderá aumentar a taxa de transmissão da Covid-19.Municípios já iniciaram novas regrasPelo menos seis municípios de Goiás reforçaram as medidas de contenção ao avanço da Covid-19 neste ano, após o aumento do número de casos, internações e óbitos. Em Caldas Novas, cidade turística do Sul goiano, a gestão iniciada neste ano reduziu o horário de funcionamento de bares, restaurantes, boates e comércios alimentícios, que antes poderiam ficar abertos até às 2 horas. Agora eles têm de fechar à meia-noite.Além disso, as aglomerações, já proibidas, ganharam uma definição, ou seja, não são permitidas reuniões sem justificativa, consideradas ilegais, com mais de dez pessoas e sem manter um distanciamento entre elas de pelo menos 1,5 metro. A prefeitura também se comprometeu a reforçar a fiscalização e obrigar as atrações turísticas a manter um responsável para o atendimento aos fiscais durante todo o funcionamento. Em Três Ranchos, que também recebe muitos turistas na praia artificial do Lago Azul, foram implantadas novas medidas restritivas.No município, o acesso à prainha, como é chamado o popularmente o ponto turístico, está interditado e está proibido o uso de casas de aluguel para temporadas pelo menos até o dia 4 de fevereiro. A gestão municipal, no entanto, explicou que a situação se deu em razão do aumento de casos em Catalão, que é o município com melhor estrutura sanitária da região e que estava com leitos para Covid-19 totalmente ocupados na primeira quinzena do ano. Até por isso, novas medidas também foram tomadas em Catalão, onde o comércio pode funcionar apenas das 6h às 21h e está proibida a realização de eventos presenciais que provoquem aglomerações. Outras restrições também se deram em Goiás, Cezarina e Porangatu.-Imagem (1.2186744)