Há um ano, a pandemia do coronavírus (Sars-CoV-2) trouxe uma nova realidade às escolas. A partir de 18 de março de 2020, todos foram mandados para casa e foi preciso reinventar a forma de ensinar e de aprender. Foi um ano desafiador que trouxe mazelas no aprendizado e na condição emocional. Um ano em que vieram fortemente à tona as disparidades entre ensino público e privado no Brasil. Um longo período de exaustão, nos ambientes escolares e familiares. Esta semana, em Goiás, com o recrudescimento do número de casos de Covid-19, as aulas remotas novamente se tornaram exigência, situação que renova as incertezas sobre o que está por vir.“Minha filha sempre gostou de estudar. Agora, não consegue mais assistir aulas remotas, chora o tempo todo, dorme e come em excesso, tem ansiedade e irritabilidade.” O relato é da gerente administrativa Josiane Godoi, que vive em Joviânia, cidade onde ela não conta com escola privada. Mãe de duas meninas, de 10 e 6 anos, Josiane sofre por não conseguir ajudar a primogênita. “Ela procura no pai e na mãe uma solução, mas nós também não temos resposta de quando tudo isso vai acabar.” A mãe considera que 2020 foi um ano perdido em termos de aprendizagem, mas o mais difícil é assistir a mudança da filha. “Ela não tem mais paciência, se irrita conosco e com a irmã menor. Nunca a vi assim.”Em Goiânia, Luiz Eduardo Foschiera Couto Lopes, de 16, aluno da terceira série do ensino médio numa escola privada, não esconde o desânimo com o retorno das aulas remotas. “É muito complicado, a gente perde o contato com amigos e professores. Também é difícil manter a concentração com o celular, a cama e o cachorro do lado, além de reestruturar uma nova rotina.” Em 2020, o adolescente optou pelo modelo híbrido e nos momentos em que conseguia ir à escola, se sentia aliviado ao lado dos colegas e com amparo dos professores. Luiz Eduardo acredita que 2021 ainda será um ano difícil. “Mas não perco a esperança.”Na casa da arquiteta Mariana Guimarães, em Goiânia, a filha Luiza, de 11 anos, retomou as aulas online esta semana, mas o modelo presencial foi o escolhido pela família desde que as escolas reabriram. “Para as crianças foi difícil a adaptação ao modo remoto e a perda do convívio social”, diz a mãe. Os pais de Luiza, que precisam sair para trabalhar, entenderam que seria hipocrisia privar a filha de ir ao Externato São José, onde ela estuda, enquanto eles mesmo corriam o risco de se contaminarem. “Ela me implorou para ir e achei injusto não deixar, claro que com os devidos cuidados.” Mariana explica que não é contra o distanciamento. “Mas ele nunca foi feito efetivamente, de forma severa, em todas as áreas. As escolas foram as únicas que o seguiram, de fato.”Coordenador pedagógico do Colégio Integrado, na capital, e professor de Biologia, Flávio César Borges considera a condição emocional um pilar valiosíssimo no processo de aprendizagem. “A adaptação a esta nova realidade teve dois níveis: a estrutural, que foi encontrar novas formas de ensinar e novas ferramentas; e a emocional, como lidar com o aluno distante da sala de aula. Precisamos do olho no olho quando ele está com dificuldade.”Ele explica que plataformas tecnológicas diferenciadas melhoraram o desempenho dos estudantes, assim como o modelo híbrido, porque trouxe o aluno para dentro da escola novamente. “Percebo que muitas famílias reclamam das escolas, dizendo que não estamos ensinando, mas elas também precisam acolher os filhos durante a pandemia. Cada pessoa reage de uma maneira. Investimos na formação de professores e em plataformas que possam deixar as aulas mais ativas e interativas, de modo que possam melhorar o desempenho deles, mas uma escola é constituída de três enredos: família, escola e aluno. Todos estão enfrentando dificuldades”, disse.Flávio César conta que somente esta semana recebeu três laudos de alunos acometidos de problemas psicológicos, como crise de pânico e fobia social. “Infelizmente, isso tende a aumentar”, comentou.Psicóloga clínica, Inês Cristina Pena já sentiu mudar o movimento de seu consultório. “São pacientes encaminhados por escolas, por psiquiatras e neurologistas. O número de crianças com depressão triplicou. Posso dizer que de dez pacientes que atendo, oito estão muito mal, iniciando um processo depressivo, manifestando ansiedade generalizada, agressividade, irritabilidade e muito choro.”A psicóloga tem percebido que os alunos que voltaram às escolas no modelo híbrido, estão melhores. “A queixa é única e estão trazendo essa angústia para os consultórios que é a intolerância às aulas online. Eles têm dificuldades de ficar diante da tela e longe do convívio com os colegas.”Inês Cristina teme pelo pior. “Quando a criança começa a estabelecer quadros depressivos, como os que estamos vendo, lá na frente o problema pode ser muito sério.”“É preciso enfrentar o drama humanitário”Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais e Juventude (Gepej) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), a professora doutora Miriam Fábia Alves lembra que em meio à enorme adversidade é evidente o esforço da comunidade escolar para realizar o atendimento não presencial em meio à emergência. Assim, como ocorreu a redefinição do papel da escola, um desafio à condição do ensinar. Por outro lado, a docente ressalta que “a pandemia escancarou as brutais desigualdades” na educação brasileira.Miriam Fábia, que é vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), o momento reforçou a importância da escola como espaço de socialização, da convivência, da brincadeira e de aprendizado coletivo. “É preciso considerar isso. A pandemia afeta brutalmente a realidade dos adolescentes, crianças e jovens adultos e ainda a convivência dos profissionais. A ideia da escola como um todo educativo nunca foi tão significativa como agora. A pandemia está afetando não somente o aprendizado, mas também a condição psicológica de todos.” A pesquisadora lembra que há uma conta a ser feita no Brasil: a rede privada atende 15% do alunado brasileiro e a pública, 85%. “É preciso pensar na complexidade desse atendimento, na infraestrutura das escolas, nas condições precárias de asseio e higiene. Muitas unidades públicas não possuem refrigeração e nem janelas decentes. Por isso a rede privada não pode pautar a pública.” Ela mesma, como afirma, gostaria de voltar às atividades presenciais. “Mas a pandemia tem de nos convocar, enquanto sociedade brasileira, a pensar coletivamente porque as polaridades nos enfraquecem para enfrentar o drama humanitário que estamos vivendo. Essas questões precisam pautar o coletivo e a escola não está fora disso.” Miriam Fábia diz que, sim, é preciso pensar o que pode ser feito para resolver os dois anos de escolarização afetados pela pandemia, mas sem desespero. “A vida está acima de tudo. É necessário avaliar a qualidade de vida de quem está vivenciando essa tragédia.A docente informa que até o final desta semana um manifesto coletivo será divulgado pela Anped, pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pela Associação Brasileira de Assistência Social (Abas) sobre a situação da educação brasileira a partir da pandemia e os prognósticos para o futuro.