A Secretaria de Atos de Pessoal (SAP) do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO) entrou com uma representação para que o órgão impeça a Prefeitura de Goiânia e o Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Goiânia (GoiâniaPrev) concedam aposentadoria a guardas civis municipais a partir do que determina a lei complementar municipal 353/2022. Não é a primeira vez que o pagamento do benefício, na forma como está atualmente, é contestado.A aposentadoria dos guardas civis tem passado por mudanças desde a sanção da lei complementar 312, em setembro de 2018. De lá até agosto de 2020, a categoria conquistou o direito a um benefício diferenciado de outros servidores, podendo ser integral e em paridade com o salário dos guardas na ativa, com um tempo de contribuição menor que o do restante do funcionalismo público municipal.O guarda civil pode se aposentar com direito a paridade e integralidade do salário independentemente da idade. No caso dos homens, precisam apenas ter 30 anos de contribuição previdenciária, sendo um mínimo de 20 como guarda civil. As mulheres precisam ter 25 anos de contribuição e 15 de guarda.São basicamente três pontos citados pelos auditores que assinam a representação da SAP: a guarda civil ser classificada como uma atividade de risco para se enquadrar nas regras previstas em um trecho da Constituição Federal que trata de aposentadorias especiais; o direito à integralidade em um tempo diferenciado de contribuição; e o direito à paridade.Os apontamentos feitos pelos auditores, entretanto, não surgiram na LC 353/2022, apesar de na época da aprovação, em maio, autoridades ligadas aos guardas civis, como o vereador Romário Policarpo (Patriota), comemorarem a garantia da aposentadoria especial da categoria.A LC 353/22 atualiza muitos pontos do Plano de Carreira e Vencimentos da Guarda Civil Municipal de Goiânia (lei municipal 9.354/13), porém não trouxe quaisquer alterações na questão da aposentadoria. Apenas houve uma mudança topológica nos artigos que tratam deste tema, passando do 26-A e 26-B para, respectivamente, 65 e 66.O problema começou com a aprovação da lei municipal 10.456, em janeiro de 2020. Na época, o então prefeito Iris Rezende (MDB), chegou a vetar os trechos que deram origem aos artigos 26-A e 26-B do plano de carreira da categoria e tratam especificamente da aposentadoria especial. A Câmara Municipal derrubou o veto e em agosto do mesmo ano sancionou a lei na íntegra. Ela já vinha com os pontos questionados pelos auditores do TCM-GO.Argumentos diferentesA justificativa dada para o veto por Iris é diferente da apresentada pelos auditores do tribunal agora. No primeiro caso, foi citado um posicionamento na época do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o trecho da Constituição Federal que permitia a aposentadoria especial para atividades consideradas de risco. Já os auditores agora argumentam que este trecho foi eliminado da Carta Magna por meio da emenda constitucional 103/19.Os auditores citam que a EC 103/19 dá brechas para aposentadoria especial para casos específicos das forças de segurança, citando agentes penitenciários, socioeducativos e policiais previstos em outros artigos da Constituição Federal, mas não os guarda civis.“Verifica-se não haver qualquer autorização constitucional para a criação de requisitos ou critérios diferenciados para a concessão de aposentadorias aos ocupantes dos cargos de Guarda Civil, visto que, a despeito de exercerem atividades de segurança patrimonial – o que pode implicar numa atuação ostensiva – não foram contemplados pelas exceções (...), não sendo responsáveis, stricto sensu, pela segurança pública”, afirmam os auditores do TCM na representação entregue no dia 23 de agosto.A inclusão da guarda civil como uma atividade de risco, independente da função exercida pelo servidor, foi feita em setembro de 2018, na LC 312, assim como o direito à integralidade da aposentadoria em um tempo diferenciado de contribuição com relação a outras categorias do funcionalismo público. Esta lei foi regulamentada pelo decreto municipal 1.723, de julho de 2019. A EC 103/19, aprovada pelo Congresso Nacional, é de novembro daquele ano.Já a lei municipal 10.456 sancionada pelos vereadores em agosto de 2020 incluiu o benefício da paridade. Ou seja, os guardas civis aposentados teriam direito aos mesmos reajustes concedidos pela Prefeitura aos que estão na ativa.Equilíbrio necessárioOs auditores do TCM-GO apontam que o direito à paridade e integralidade na aposentadoria para os guardas civis é um “privilégio abolido do ordenamento jurídico pátrio desde 2003”, por serem “inconciliáveis” o equilíbrio financeiro e a manutenção do regime previdenciário próprio, no caso, o da Prefeitura. Segundo a representação, o município não demonstrou haver capacidade do executivo de manter estes benefícios.“A concessão indiscriminada de vantagens sem o devido estudo do impacto orçamentário-financeiro que representam é medida de irresponsabilidade fiscal, rechaçável sob vários dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição”, afirmam no documento de 11 páginas que em nenhum momento cita as leis municipais anteriores.Os auditores pedem ao conselho do TCM-GO que concedam uma medida cautelar impedindo a concessão dos benefícios até que o mérito seja julgado e que o documento seja encaminhado para o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) para análise da constitucionalidade da LC 353/2022.GarantiasUm dos argumentos usados por quem defende a aposentadoria especial dos guardas civis é que esta estaria garantida por um trecho da EC 103/19 que abre brechas para os casos concedidos anteriormente à aprovação da emenda “enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social”.Em nota, a Prefeitura de Goiânia cita manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR), assinada em abril de 2022, na qual é dito que governos estaduais, distrital e municipais têm autonomia para dispor sobre a aposentadoria especial dos seus próprios servidores públicos. “A legislação aprovada pelo Município de Goiânia está, portanto, de acordo com o ordenamento vigente”, diz a nota.Também em nota, o GoiâniaPrev informou que até o momento nenhum guarda civil se aposentou levando em conta a aplicação da LC 353/22.A comemoração feita em maio em relação à aposentadoria especial se deu, conforme O POPULAR apurou, pelo fato de ter se mantido o texto tal qual a lei municipal de 2020.Leia também: Guarda Civil Municipal não deve ter poder de polícia, decide STJMenino para viatura na rua para denunciar agressão que a mãe sofreu do pai dele, em Aparecida