O podcast, que vêm se popularizando como um meio de comunicação nos últimos anos e ganhando cada vez mais adeptos, foi o canal escolhido por um grupo de jovens goianos diagnosticados com a Síndrome de Asperger, condição agregada como o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) desde 2013, para tratar da condição. O trabalho foi iniciado há quase dois anos por meio do programa Introvertendo.“Nosso podcast não apenas aborda o tema do autismo, como é produzido por dez autistas atualmente, trazendo uma visão em primeira pessoa sobre o assunto”, destaca o apresentador e fundador do projeto, o jornalista Tiago Abreu, diagnosticado com o transtorno em 2015. O programa de áudio é o primeiro do tipo feito coletivamente por autistas no mundo, de acordo com os rapazes.O conteúdo abordado no Introvertendo envolve discussões sobre o transtorno nos contextos de saúde mental, cidadania e cultura. “Com especialidades diferentes, cada um de nós traz pontos de vista distintos, que oferecem inúmeros temas a serem levantados em cada episódio. Vão desde coisas mais simples, como músicas, até mais complexos e sérios, como um que fizemos a respeito da depressão”, exemplifica o apresentador. Além do bate-papo entre os integrantes, o programa inclui participações de figuras que se destacam no ativismo do autismo no Brasil. Neste período de isolamento social, o grupo teve de se adaptar. O diálogo ocorre de forma remota entre os participantes.Já foram ao ar até agora 96 capítulos. A cada semana, um novo episódio é colocado à disposição da audiência do programa. Toda sexta-feira, sempre à meia noite.A celebração do Dia Internacional do Autismo, marcado no calendário dia 2 de abril em todos os anos, levou o grupo lançou na data um episódio que trata dos três graus do autismo. “O foco foi tirar as duas principais dúvidas que existem quando se fala de autismo”, esclarece o apresentador. A primeira explicação abordou “O que é o autismo” e depois “Quais as classificações do autismo”. “O conceito pode parecer bobo ou simples, mas é essencial, e no segundo momento, explicamos os níveis que existem e as características de cada um deles.O jornalista comenta que já pesquisava a respeito do formato e tinha gosto pelo estilo de mídia havia anos, mas buscava parceiros. “A proposta é mostrar também nossa comunicação atípica em uma conversa. Sempre que procurei modelos de podcast, assim encontrei apenas produções individuais, nunca em grupo e com periodicidade”, relata.O programa está disponível nas plataforma que agregam podcasts e também no site do Introvertendo, o https://www.in trovertendo.com.br/.Estimativas apontam que o Brasil tem cerca de 2 milhões de autistas. O cálculo é feito com base em uma análise do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, de que a cada 110 pessoas, uma é autista.AcessibilidadeOs integrantes do Introvertendo decidiram dar mais um passo rumo à inclusão e passou neste ano a oferecer o conteúdo também na Língua Brasileira de Sinais (Libras), para pessoas que não têm acesso ao conteúdo em áudio. A iniciativa também é pioneira no Brasil. O último Censo, de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que no País existem cerca de 10 milhões de deficientes auditivos, sendo que 80% deles possuem dificuldade de compreensão da língua portuguesa. “Meu objetivo com esta ação é de influenciar outros podcasters e produtores de conteúdo da internet a também tornarem seus conteúdos acessíveis às pessoas com deficiência”, destaca o jornalista Tiago Abreu. A iniciativa veio por meio da parceria com uma startup brasileira que faz tradução digital de conteúdo em texto para Libras por meio de inteligência artificial. O grupo relata que todos os episódios do podcast lançados em 2020 já contam com a ferramenta e a previsão é que os mais antigos, pouco a pouco, também tenham o recurso. Para Michael Ulian, um dos co-fundadores do podcast e diagnosticado com autismo em 2012, a capacidade de transformar uma hora de áudio em algo compreensível para alguém que não pode ouvir é algo imprescindível. Thaís Mösken, uma das três integrantes mulheres do grupo, considera fundamental reconhecer as diferenças entre as pessoas na produção de conteúdos na internet, como os podcasts. “O importante é que todos (os produtores de podcast)tenham uma proposta de conteúdo inclusivo e deem importância ao tema”, frisa.O programa também é transcrito na íntegra e no dia posterior ao áudio que foi ao ar, também fica disponível para quem quiser acessar. “Antes os deficientes auditivos que nos acompanhavam usavam a legenda que aparece como opção na internet, mas ela vem cheia de erros de português”, esclarece o jornalista Tiago Abreu. A ideia não atende somente a que não escuta, mas também aos autistas que não gostam de áudio ou possuem dificuldades em lidar com o som do programa e preferem ler.Barreiras quebradasO apresentador do programa, o jornalista Tiago Abreu conta que eles não enfrentam preconceito pela criação do programa. No entanto, na comunidade do autismo em geral, há uma certa barreira, segundo diz. “Autistas falando sobre autismo nem sempre são bem vistos, especialmente em termos de ativismo, porque as demandas de pessoas com este transtorno podem não ser iguais às das mães e pais, por exemplo”, explica. Buscando superar tais obstáculos, Abreu teve a ideia de criar o podcast. Em 2016, os primeiros integrantes se conheceram. Abreu e mais quatro universitários tinham mais do que os estudos na Universidade Federal de Goiás (UFG) em comum. Todos recebiam atendimento na instituição de ensino na época, em Goiânia, e buscavam outras pessoas dos demais câmpus que passavam pelo mesmo processo. O projeto, que visava ajudá-los nas questões de saúde mental e permanência no ensino superior, trouxe a aproximação dos jovens. O resultado foi que em maio de 2018, o grupo tornou disponível o primeiro programa. O público a princípio, conforme o jornalista, começou sendo apenas de autistas e depois se expandiu para as mães de autistas. “Eles são até hoje majoritariamente os que nos ouvem”, garante. No entanto, atualmente também abrange mais gente. “Pessoas que aguardam ainda o diagnóstico para autismo acompanham o programa muitas vezes, até mesmo para entender melhor a comunidade. Uma outra parcela é de pessoas que possuem déficit de atenção ou até mesmo algumas que buscam conhecimento do assunto”, relata.