Primeiro em Alexânia, depois em Goianápolis e por último em Corumbá de Goiás. Desde que chegou a Goiás, há cerca de seis anos, Wanderson Mota Protácio, de 21 anos, foragido suspeito de cometer um triplo homicídio no último domingo (28), morou em três cidades goianas. As passagens breves não passaram despercebidas. As saídas foram mais emblemáticas do que as chegadas e as estadias. Discreto no dia a dia, Wanderson deixou um rastro de sangue em dois dos municípios em que morou.Descrito como um homem trabalhador e calado para quem o via poucas vezes, Wanderson só revelava o íntimo para os mais próximos. No relato de quem presenciou picos de agressividade, a única surpresa foi a capacidade de ele chegar tão longe. Em 2019, tentou matar sua então companheira. No domingo (28), matou a companheira, Ranieri Aranha, de 19 anos, Gaysa, a enteada, de apenas 2 anos, e Roberto Clemente de Matos, de 73.Wanderson nasceu em Governador Nunes Freire, cidade localizada no Oeste do Maranhão. O município é pequeno, tem pouco mais de 25 mil habitantes e fica a 233 quilômetros da capital, São Luís. Não fica claro se, antes de vir para Goiás, em meados de 2016, ele tenha vivido em outras cidades. Inicialmente, morou com a família em Alexânia, no Entorno do Distrito Federal. Até que, em 2019, trocou de endereço com a família, indo para Goianápolis.Em Alexânia, a dona de um bar confirma, sem hesitar, que o homem foi cliente do local durante vários meses. Na cidade, Wanderson trabalhava no campo, andava com poucos amigos e gostava de beber pinga e cerveja. Mesmo jovem, quando chegou ainda menor de idade, abusava do álcool, segundo relatos, mas não dava demonstração pública de agressividade. “Ele ficava aqui na porta do bar, parecia ser tranquilo. Comprava fiado e pagava direito”, lembra a dona do bar que atendia Wanderson.GoianápolisEm Goianápolis, Wanderson teria chegado em meados de novembro de 2019. A mudança foi acompanhada do pai, Inácio Protácio, da madrasta, Flor de Liz Silva Pinheiro, que tinha dois filhos, e da irmã da madrasta, Lucinelma Silva Pinheiro, com quem passou a se relacionar. Os vizinhos têm poucas recordações, mas a maioria descreve a família como de gente “humilde” e “trabalhadora”.Uma vizinha que mora na casa ao lado diz que via o agora foragido apenas no começo e no final do dia. “Sempre de cabeça baixa. Eu falava para o meu marido que eles (a família de Wanderson) era tímida, mas nunca passava pela cabeça que poderia ser alguém perigoso”, relata a vizinha, que falou em condição de anonimato.A casa simples onde a família morou, de arquitetura humilde e rodeada por um quintal de terra, fica na Rua Joaquim Soares, no centro da cidade, e hoje está vazia. O aluguel custava R$ 300. As despesas eram pagas com os trabalhos feitos em hortas da cidade, que tem a economia baseada no cultivo de legumes, verduras e hortaliças. Os locais de trabalho e os contratantes mudavam de semana a semana, o salário vinha em forma de diárias.Na cidade não faltou emprego, logo que chegou já conseguiu os chamados “bicos” nas hortas. Entre os locais em que trabalhou, Wanderson conheceu Libério Feitosa, de 53 anos. Foram alguns dias de trabalho, cinco ou seis, e as impressões deixadas não foram ruins. “Calado, mas era esforçado”, conta o antigo colega, que diz ter ficado surpreso com os crimes atribuídos a Wanderson.A rotina discreta da família em Goianápolis mudou no dia 8 de dezembro de 2019. Foi neste dia que Wanderson esfaqueou sua então companheira, Lucinelma Silva Pinheiro, que comemorava o aniversário de 18 anos. De acordo com o processo, a tentativa de feminicídio teria ocorrido após Lucinelma se negar a ir para um quarto da casa com ele.A mulher sobreviveu ao atentado após a faca que Wanderson utilizava quebrar em três pedaços. Preso no mesmo dia, ele ficou na cadeia da cidade até março de 2020, quando recebeu liberdade condicional. “Ele foi solto na quinta e na sexta-feira mudou com o pai”, conta uma vizinha.Lucinelma teria mudado da cidade assim que recebeu alta médica e voltado para Turilândia, no Maranhão, sua cidade natal. Não há informações atuais sobre a mulher e nem sobre o pai e a madrasta de Wanderson.CorumbáApós ser solto, Wanderson teria voltado para Alexânia e permanecido na cidade até meados de maio deste ano. Em junho chegou a Corumbá, sozinho e buscando por emprego. “Ele disse que estava vindo do Maranhão e que não nunca havia morado em Goiás”, relata Rania Figueiró, a irmã de Ranieri. Ela diz que logo que o rapaz chegou começou a namorar com a irmã. “Nós saímos, passamos na porta de um bar e ela disse: ‘Olha, esse é meu novo namorado’. Eu achei estranho, porque era rápido demais, né, mas não importei”, relata Rania.A irmã de Ranieri afirma que achou Wanderson “estranho” quando o conheceu, mas que, com o tempo, começou a vê-lo como parte da família. “Sentava conosco para conversar, normal”, diz. A mãe de Ranieri, Antônia Figueiró, primeiro concordou com Rania sobre ter passado a ver Wanderson com bons olhos, mas logo mudou de versão e disse que o genro jamais passou confiança. “Mas, como a gente só quer ver a felicidade dos filhos, então aceitei e não falei nada”, diz Antônia.Também em Corumbá, Wanderson trabalhou no campo com hortas, mas há pouco mais de um mês passou a trabalhar em uma fábrica de cerâmicas e telhas de barro. Os ganhos eram suficientes para uma boa alimentação, afirma o padrasto de Ranieri, Evandro da Costa, de 38 anos. “Lá na geladeira ainda está tudo lá, frutas, iogurte. Não faltava”, descreve Evandro.Evandro conta que o homem que matou sua enteada grávida e a neta de consideração, de 2 anos, saía para beber com ele e era “um verdadeiro parceiro”. “Para mim ele era uma pessoa ótima, nunca teve desavença. Ele beijava a barriga da mulher dele durante a gravidez. No domingo (dia do assassinato) ele tinha falado para ela: ‘Não, nós vamos ter muitos filhos’”, conta Evandro, que agora se diz em choque.Agressividade foi percebida por famíliaApesar de a maioria descrevê-lo como tranquilo, a mãe e a irmã de Ranieri contam que perceberam traços de violência nos atos de Wanderson. Rania, a irmã de Ranieri, diz que interrompeu, há pouco mais de um mês, um episódio de agressividade de Wanderson contra Ranieri. A jovem diz à reportagem que na ocasião o companheiro de sua irmã havia bebido.“Ficou agressivo contra ela, xingando, e eu entrei no meio. Falei tudo o que minha irmã representava para mim e que não era para ele agir daquela forma com ela. E ele disse: ‘Não, você pode ficar tranquila que eu não vou fazer nada contra ela’ ”.Antônia conta que no dia do crime percebeu um clima de desavença entre a filha e Wanderson. No dia do crime o homem bebeu na casa da sogra, foram entre oito e dez latas de cerveja. “Mas jamais suspeitei que ele pudesse fazer algo. Se eu tivesse suspeitado teria ido lá (na fazenda) buscar ela”, lamenta a mãe.Mesmo sendo a mais velha, Rania conta que a caçula era a mais responsável. “Eu sempre fui doente, então ela sempre cuidou muito de mim”, relata Rania. A irmã, seu braço direito, era quem cuidava da rotina básica da casa, desde cozinhar a até parte das roupas que Rania ainda veste. “Ela era tudo para mim, maravilhosa”, descreve.Com a perda tripla: de Ranieri, a gestação e a filha de 2 anos, Rania e Antônia dizem esperar que justiça seja feita. “Perdão jamais. Minha filha era maravilhosa, não ficava dois dias sem mim”, diz a mãe, que é completada por Rania: “O perdão só o de Deus, se tiver”.