Após dois anos de suspensão em razão da pandemia da Covid-19, uma das mais importantes manifestações culturais de Goiás, as Cavalhadas serão retomadas em 2022 em 12 municípios, entre eles a cidade de Goiás, que não realiza o evento desde os anos de 1990. Em Pirenópolis, único município do estado que possui espaço próprio para a realização do evento, a encenação das batalhas entre mouros e cristãos vai acontecer no Módulo Esportivo porque, com estrutura comprometida, o Cavalhódromo está interditado. A reforma, que começou em 2020, está paralisada e pode consumir R$ 20 milhões ao invés dos R$ 2 milhões previstos inicialmente.Em maio de 2020, a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego) deu início à reforma da Arena Multiuso Ulisses Jayme, o Cavalhódromo. A obra tinha sido anunciada em março daquele ano para ser entregue na festa dos 200 anos da encenação no município, mas a pandemia e o que foi encontrado no espaço mudaram o rumo da história. “Quando começaram a mexer, apareceram problemas estruturais e tivemos de contratar uma perícia profissional. A constatação foi de que não adiantava uma reforma. Tivemos de ouvir o Corpo de Bombeiros que há cerca de 15 anos já emitia alertas do risco de colapso daquela estrutura e o espaço foi interditado”, explica o presidente da Codego, Renato de Castro.Laudo entregue em agosto do ano passado ao Governo de Goiás pela Império Engenharia e Construções, contratada para fazer a avaliação estrutural do Cavalhódromo, mostra que há um avançado processo de corrosão em todas as alas, tornando a estrutura instável e insegura. “A solução para recuperar o desempenho necessário para o uso do elemento construtivo é reforço estrutural ou demolição e construção de uma nova laje”, diz o laudo no diagnóstico da laje das alas 1 e 2, as passarelas dos mouros e cristãos.Toda a estrutura, conforme o laudo, apresenta manifestações patológicas graves e a indicação é de que por não apresentarem condições de segurança, “rampas e escadas devem ser demolidas e reconstruídas”. Os engenheiros dizem ainda que, mesmo após o reforço construtivo, é recomendada a redução do número máximo de ocupantes da arquibancada.Depois de apresentado ao governador Ronaldo Caiado e ao prefeito de Pirenópolis, Nivaldo Melo, o laudo direcionou as Cavalhadas de 2022 para o Módulo Esportivo até que seja definido o tamanho da obra na arena multiuso. “Se serão gastos ali por volta de R$15 milhões para recuperá-lo, e ainda tem o custo de manutenção altíssimo, ou se coloca no chão e faz outro. Quando assumi a Codego esta reforma estava em andamento e foi constatado que não iria resolver. O laudo mostrou que a estrutura está condenada e não podemos correr riscos”, afirma o economista Renato de Castro, que está deixando a presidência da Codego na sexta-feira (1) porque será candidato a deputado estadual. Seu pai, Manoel de Castro, vai assumir a função.Neste momento, é o titular da Secretaria Estadual de Cultura (Secult), César Moura, que está à frente das discussões sobre o assunto. Ele tem se reunido com autoridades de Pirenópolis e festeiros para discutir não somente a festa de 2022 como também o que será feito no Cavalhódromo. “Já começamos a fazer reuniões técnicas para definir a reforma e adequações. O valor estimado da obra deve ficar próximo aos R$ 20 milhões, mas estamos abrindo também uma sindicância para entender como uma obra de apenas 20 anos pode estar com tamanho problema estrutural.”Segundo César Moura, em 2021, a Secult pensou em fazer o festival Canto da Primavera na arena multiuso, mas o Corpo de Bombeiros informou que a vibração do som poderia colocar em risco a segurança do público porque a estrutura não suportaria. O secretário disse ao POPULAR que, como sua pasta não possui os recursos necessários para a intervenção, a Secretaria de Economia está providenciando dotação orçamentária para que a reforma seja executada. “Ninguém quer derrubar o Cavalhódromo. Se tiver de ocorrer é porque não há solução. Estamos discutindo o projeto com o pessoal da cidade.”Usufruto da arena é de associação atlética Em meio aos debates sobre a intervenção, os envolvidos foram surpreendidos por outro entrave: a documentação do espaço. “Grande parte da população de Pirenópolis acreditava que a arena multiuso era do Estado, mas fui procurada pela Associação Atlética Pirenopolina (AAP), que alegou ser a proprietária. Descobri a escritura pública em que a AAP doa o terreno para o governo, mas este fica obrigado a ceder o espaço em usufruto para a associação durante todo o tempo, abrindo exceção somente para a encenação das Cavalhadas. É um embaraço jurídico que vamos ter de definir”, enfatiza a vereadora Ynaê Curado.Pela escritura pública lavrada em 27 de fevereiro de 2004, a AAP doou 16.500 m2 à então Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (Agepel), hoje Secult, mas pode usar toda a praça de esportes, incluindo vestiários, arquibancadas, banheiros e cantina. “A Associação Atlética Pirenopolina terá o trânsito livre para prática do esporte, bem como usufruto do estádio. A renda dos encontros futebolísticos será para a Associação Atlética Pirenopolina, ficando ainda com o direito de promover campeonatos locais estaduais, ceder e firmar acordos com liga esportiva e outras associações”, diz o documento.Atual presidente da AAP, Célio Antônio Pompeu de Pina, o Bala, conta que desde os anos de 1960 as Cavalhadas eram encenadas no campo da associação. No início dos anos 2000, o então presidente da AAP, Pompeu Christovam de Pina, sugeriu a doação, mas com a ressalva do usufruto. “Ele fez a proposta e o Estado topou para construir um espaço multiuso. Nas dependências seriam instalados órgãos do governo, mas isso nunca aconteceu. Todo ano o Corpo de Bombeiros faz uma lista de itens que não oferecem segurança, dão uma retocada e levam a festa pra frente. Com a interdição das arquibancadas, a parte esportiva ficou prejudicada.”Bala não acredita que a situação da estrutura do Cavalhódromo seja tão ruim. “Derrubar é papo para fortalecer a vontade de não arrumar. A tecnologia está avançada. Falam que as Cavalhadas recebem 20 mil pessoas, mas nunca passaram de 5 mil nas arquibancadas. Mais do que isso é papo de política”, dispara.“O laudo mostra que parte da construção parece um suflê. Se o governador mandar fazer a obra amanhã não conseguimos por causa do problema documental do terreno. É a APP que fica com a chave no bolso”, diz o titular da Secult, César Moura. O assunto está sob análise do departamento jurídico da pasta.Pela legislação vigente, a AAP pode desistir do usufruto e retomar a área, mas precisa recolher o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). O acordo também pode ser encerrado com o fim da empresa jurídica doadora ou após 30 anos. Dezoito anos já transcorreram desde que a escritura foi lavrada.“Não podemos ficar prejudicados. Este ano, tiraram a festa de lá e nos deixaram na mão. Se acham que estamos errados, podemos desfazer o acordo. Dispusemos de um bem que tínhamos como garantia de uso para o governo fazer a praça para as Cavalhadas”, afirma o presidente da AAP.PolêmicaA construção do Cavalhódromo, feita em duas etapas a partir de 2005, foi polêmica e nunca uma unanimidade. Parte da população entendeu que o projeto, que imita um castelo medieval, atenderia o turismo, em detrimento da tradição. “Quem o projetou não tinha a mínima noção do que é uma cavalhada. Acho que este engenheiro ou arquiteto pensou que era como um futebol ou um teatro de arena onde a plateia passiva assiste aos atores ativos no campo ou no palco. Desconhecia este que numa festa popular o ator ativo é o povo. Quem faz a festa é o povo e o povo é a festa”, escreveu o guia de turismo Mauro Cruz em 2012, no site pirenopolis.tur.br.Em 2014, o POPULAR mostrou que oito anos depois do início da segunda etapa, em 2006, que deveria durar 150 dias, a obra tinha recebido 16 aditivos e encarecido 17%. Houve atrasos de pagamentos, questionamentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e até problemas na concepção estrutural porque o calculista esqueceu de projetar um pilar. Ao contrário da proposta inicial, as dependências da arena multiuso nunca receberam nenhum órgão do governo e, além das Cavalhadas, somente a APP faz uso do espaço no restante do ano.Secretário de Cultura de Pirenópolis, Ronaldo Félix de Pontes explica que a administração local precisa ter diálogo com o governo estadual, que é o dono e o gestor do Cavalhódromo. “Recebemos o laudo da Codego, que mostra a impossibilidade de o espaço receber o evento. Diante do que foi sinalizado, os grupos que realizam a festa, que é da comunidade, decidiram pelo espaço provisório e nós acatamos.”