Lorenzo Silva Valverde tem 6 anos de idade e em 2022 começou a estudar no 1º ano do ensino fundamental na Escola Municipal Solar Ville, em Goiânia. O garoto, que tem Síndrome de Down, precisa de um professor de apoio, o que lhe é garantido por lei, mas, na ausência do profissional, fugiu da escola no dia 24 de fevereiro e foi localizado, fora da unidade de ensino, por colaboradores da Prefeitura de Goiânia.O pai, que buscou Lorenzo neste dia, não foi avisado do fato e a mãe só ficou sabendo no dia seguinte. Para essa família e várias outras, a negação das vagas em escolas particulares e a dificuldade no cumprimento da lei do professor de apoio ainda é uma realidade.A mãe de Lorenzo, Lucineia Ribeiro Silva, de 39 anos, conta que levou um laudo médico na escola exatamente no dia em que o filho conseguiu sair da unidade. Por volta de 13 horas, ela entregou o documento na secretaria do local. A fuga teria acontecido poucas horas depois.O documento assinado por uma neurologista afirmava que Lorenzo, além de Síndrome de Down, teria possível Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). A recomendação da médica era de que houvesse uma professora de apoio para acompanhamento psicopedagógico e que o menino não se sentasse perto de portas e janelas.“A neurologista foi supercuidadosa em colocar no laudo pontos específicos de atenção para o Lorenzo, como sentar longe de portas e janelas. A própria professora da escola havia dito que, para conseguir dar aula, tinha que ficar na porta para ele não sair. Isso porque não tinha alguém para olhar ou ajudar nessa atenção. A professora disse que tinha pedido, na secretaria, para colocar tranca na porta da sala e no portão da escola”. No dia 24, Lucineia recebeu uma mensagem perguntando se poderia chegar mais cedo para buscar a criança, mas não conseguiu e o marido foi. No dia seguinte, pediram que ela chegasse antes da aula para uma reunião.Na sexta-feira (25), Lucineia conversou com a diretora e descobriu que o filho havia pedido para ir ao banheiro, mas não voltou para a sala de aula. “A professora disse que quando ele pediu para ir ao banheiro, avisou na secretaria. De repente, todo mundo começou a procurar o Lorenzo na escola. Bateram no portão e entregaram o Lorenzo. Uma equipe da Prefeitura estava fazendo recapeamento, tubulação, e o encontrou. Tinha máquina, trator na rua. Os homens viram que ele estava de uniforme e perceberam que tinha fugido. Aí o levaram de volta para a escola”.A informação que a mãe recebeu é que a criança teria pulado o muro, mas ela diz que não faz muito sentido. “Eu e meu esposo até voltamos lá perto para entender. Na minha cabeça, ele achou o portão aberto e saiu. Não duvido da capacidade do Lorenzo não, mas achei muito estranha essa história de ele ter pulado o muro”.No dia em que descobriu o fato, Lucineia ainda deixou a criança na escola, mas disse que ele chorava e não queria ficar. Segundo a mãe, a própria unidade de ensino a orientou a pedir uma transferência. “De certa forma, me incentivaram a tirar o Lorenzo da escola. Disseram: ‘Com tudo o que a gente já viveu, ele não vai conseguir se adaptar, ele não vai conseguir ficar na sala de aula’”.Transferência Na semana passada, Lorenzo foi transferido para a Escola Municipal Pedro Gomes de Menezes, na Vila Regina. A opção, segundo a mãe, aconteceu também porque a unidade fica mais perto de onde a família mora. Logo de início, foi informada de que a nova escola tem um porteiro e que sempre que o menino for ao banheiro terá um acompanhante, mas o professor de apoio ainda seria uma batalha a ser vencida.Na semana passada, Lucineia foi chamada para uma reunião com a equipe multidisciplinar na SMS. “O resultado foi desanimador. Deixaram claro que a Prefeitura não iria mandar professor de apoio. Resumindo, me disseram que mandam pessoa de apoio para limpar o bumbum da criança. Não é o apoio pedagógico. E onde fica a inclusão? Essa criança precisa estudar. Ela não tem que estar dentro da escola, apenas, ela precisa estar dentro do contexto pedagógico”, diz.Nesta segunda-feira (14), enfim, o menino recebeu um professor de apoio.Direito do aluno Advogada, professora e membro de comissões de defesa dos direitos da pessoa com deficiência Tatiana Takeda explica que o professor de apoio, também nomeado de outras formas no território brasileiro e na legislação, sempre existiu e que o acompanhamento também vale, por exemplo, para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). Isso porque para todos os efeitos legais, o autista é considerado também uma pessoa com deficiência. “Embora a norma não tenha dito o que seria essa especialização, sabe-se que não se trata de um cuidador, pois ninguém faz especialização para dar comida ou levar um aluno ao banheiro”, completa.A advogada pontua que a Lei nº 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão (LBI), considera profissional de apoio escolar quem exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas. “Veja-se que a legislação usou o termo ‘atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária’; ou seja, indiscutivelmente, estamos a falar de uma atividade pedagógica uma vez que estamos no ambiente escolar, dentro da sala de aula.”Para Takeda, este profissional tem papel fundamental em servir de “ponte” entre o aluno de inclusão e o professor regente. Por isso, defende que seja dotado de conhecimento acerca do conteúdo pedagógico e das características do aluno para que consiga desempenhar sua função, ou seja, garantir o aprendizado do aluno.Após contato do jornal, SME oferece profissionalA Secretaria Municipal de Educação de Goiânia (SME) informou ao POPULAR que o caso do estudante Lorenzo Silva Velverde foi encaminhado para a Gerência de Inclusão, Diversidade e Cidadania da pasta no final do mês de fevereiro. Diante disso, afirmou que uma avaliação multidisciplinar foi agendada com o estudante. Na tarde desta segunda-feira (14), Lucineia Ribeiro disse que, enfim, foi designada uma professora de apoio pedagógico para o filho Lorenzo.A SME diz ainda que o fluxo de encaminhamento dos estudantes com Necessidades Educacionais Específicas (NEE) para avaliação é feito pelas próprias unidades de ensino e que as avaliações, por sua vez, verificam a leitura, a escrita e o raciocínio lógico dos estudantes. “O material escolar, o diálogo com coordenadores e professores e contexto educacional dos estudantes também são verificados”.Depois das avaliações, em caso de necessidade, seriam ofertados aos estudantes com deficiência Atendimentos Educacionais Especializados (AEE), incluindo o apoio de um Auxiliar de Atividades Educativas (AAE). “Esse profissional é responsável por promover cuidados nas atividades diárias dos estudantes, incluindo apoio na hora da alimentação, higienização e locomoção”.A nota diz que, atualmente, a rede conta com 270 auxiliares e 52 intérpretes de Libras, que acompanham os alunos no dia a dia. “Além disso, a equipe multidisciplinar responsável pelas avaliações e por acompanhar as famílias é formada por 30 profissionais. Já nas Salas de Recurso Multifuncionais estão à disposição dos estudantes 35 professores modulados”.Por fim, a SME Goiânia esclarece ainda que oferece, no contraturno, Salas de Recurso Multifuncionais (SRM) e atendimento nos Centros de Apoio à Inclusão (CMAIs) e em outras instituições conveniadas.Asdown diz que caso é comumPresidente da Associação Down de Goiás (Asdown), Ana Maria Motta diz que a associação hoje atende em torno de 150 famílias e que infelizmente a situação é rotineira. “Sempre esbarramos nestas dificuldades tanto em escolas públicas quanto privadas. Acabam dizendo que é complicado ter nossos filhos nas salas de aula. Quando conseguem um professor de apoio é em uma sala que tem mais de uma criança com deficiência. Chegamos nas escolas e vemos nossos filhos pelos corredores. É triste”.Obstáculo também na rede particularAntes de ser matriculado em uma escola pública, Lorenzo Valverde passou por escolas particulares e por um berçário. Neste ano, a mãe, Lucineia Ribeiro, tentou outras instituições, mas não conseguiu. “Todo lugar que chegava, tinha recusa. Falavam que era escola inclusiva, mas as vagas não existiam. Tinha escola que eu ligava, tinha vagas para o 1º ano e quando chegava lá com o Lorenzo, a vaga sumia. As escolas falavam que as coordenadoras iam me ligar. Apenas uma escola me retornou, mas foi bem na semana em que saiu a vaga na Escola Municipal Solar Ville”, explica a mãe, Lucinéia Ribeiro.A advogada Tatiana Takeda diz que é comum que as famílias se depararem com negativas desse profissional nas redes pública e privada, o que classifica como lamentável. “O município, o estado ou a escola privada que nega esse profissional ao aluno está ferindo a legislação e agindo de forma divergente ao que se espera daquele que tem a função de promover a educação”.A Constituição Federal estabelece que o atendimento educacional do aluno com deficiência deve ser realizado, preferencialmente, na rede regular de ensino. “Esse público tem direito de aprendizado junto aos demais colegas e, para isso, deve usufruir das formas de apoio necessárias ao processo de ensino/aprendizagem”, diz a advogada.Diante da negativa de um profissional, Takeda diz que os interessados podem procurar os órgãos de defesa (Ministério Público, Defensoria Pública, por exemplo) ou um advogado. Também é possível ser registrada uma ocorrência em uma delegacia da Polícia Civil, já que a negativa é uma discriminação.“A ela é negado o direito de aprender dentro da escola, a partir do momento que nos deparamos com um aluno que não tem condições de participar das aulas sozinho”, acrescenta Takeda.Matriculado espera por atendimentoFabiana Dias é advogada e mãe dos gêmeos Ana Luíza e André Luiz, de 9 anos de idade. André Luiz tem Transtorno do Espetro Autista (TEA) e o diagnóstico aconteceu aos 3 anos e 6 meses. Atualmente frequenta um local para apoio de crianças com atraso no desenvolvimento, mas está matriculado em uma escola municipal de Aparecida de Goiânia e aguarda, sem assistir às aulas, um professor de apoio.Fabiana conta que o filho foi pra escola pela primeira vez com 3 anos e 4 meses e que o atraso no desenvolvimento era nítido.O diagnóstico de TEA veio dois meses depois. “Escutava que não tinha apoio, que ele não poderia ficar por usar fraldas. Nas outras escolas, diziam que não havia estrutura, esses absurdos que nunca mudam, que as pessoas envolvidas, inclusive, fazem questão de não mudar”.André Luiz conseguiu uma monitora para cuidar das necessidades básicas, como ir ao banheiro, mas a mãe afirma que nunca teve uma professora de apoio especializada. Nos últimos dois anos, com aulas on-line, a mãe tirou o filho da escola particular e optou por contratar uma psicopedagoga para dar aula em casa. “Quantas crianças ficaram e continuam sem intervenção na parte pedagógica? Foram quase 2 anos sem aula presencial, sem socialização, sem aprendizagem, acaba que a gente se vira como pode.”Com o retorno das aulas presenciais, optou por uma escola municipal em Aparecida de Goiânia, com a promessa de uma professora de apoio, mas não sabe quando a profissional estará disponível.“Querem colocar uma para quatro alunos. Isso é desumano, é impossível trabalhar a individualidade de cada um dessa forma. Não queremos nossos filhos da escola para passar o tempo, queremos no seu direito de ir e aprender no seu tempo, com material adaptado, com inclusão, com apoio especializado e respeito”, diz Fabiana.A Secretaria Municipal de Aparecida de Goiânia (SME) afirmou que possui professor de apoio em todas as unidades escolares que solicitam, mas admite que há um déficit de profissionais. Disse também que foi publicado no Diário Oficial do Município o chamamento de 100 professores aprovados no último processo seletivo realizado para atender à demanda.CmeiUma professora que não quis se identificar diz a situação se repete em um CMEI da Região Central de Goiânia. “Onde trabalho tem uma criança autista que precisaria pelo menos de um cuidador, porque a professora auxiliar fica com ele em tempo integral. Estão disponibilizando apenas para crianças cadeirantes ou com paralisia cerebral, por exemplo. A avaliação da equipe multiprofissional não tem sido feita”, afirma.