Incluída recentemente no Calendário Turístico e Cultural do Estado de Goiás, a Feira do Cerrado, realizada em Goiânia aos domingos, vem sofrendo com o abandono das áreas do Parque da Criança, no Jardim Goiás, onde há 18 anos é feita a exposição. Pela falta de manutenção e por ter se tornado um estacionamento no meio da semana, o local está perdendo parte das características que atraem os visitantes.A feira é exclusiva para a comercialização de artesanatos e culinária produzidos, em sua maioria, por goianos. Fundada em 2004 por aproximadamente 20 artesãos, o local se tornou um ponto turístico rapidamente. Atualmente são quase 200 expositores, que atraem cerca de 4 mil visitantes todos os domingos. Entretanto, os descuidos com a área de acesso, banheiros e paisagismo têm repelido parte do público.Pelo reconhecimento popular, a feira e o parque estadual foram estruturados como um só. As ruas de pedras vão desde a entrada e passam por todas as bancas. Entre os pontos de comércio está um paisagismo natural proporcionado por árvores nativas do Cerrado. No local é possível encontrar, entre uma infinidade de opções, peças de argila, bonecas de pano, tapetes, uma área de alimentação com comidas típicas, além de música ao vivo.Ao longo dos últimos seis anos algumas coisas se perderam. A entrada que já foi imponente não tem mais a placa que indicava o nome da feira, o horário e o dia em que é realizada. O início da trilha de pedras está esburacado. Do caminho de flores que recepcionava os visitantes só restou uma armação com plantas secas. Três pequenos lagos naturais estão secos. Os banheiros apresentam condições ruins.A Secretaria de Estado de Esporte e Lazer (Seel), responsável pelo local, argumenta que a área era gerida por uma associação que não cumpriu os termos de uso. De acordo com a gestão, um novo termo está sendo editado. Sem citar datas, a Seel diz que uma emenda do deputado estadual Virmondes Cruvinel (UB) será utilizada para a reforma de banheiros e obras de acessibilidade, além da inclusão de mesas e assentos fixos, que é uma das demandas dos comerciantes.ResponsabilidadeO coordenador da feira há 17 anos é o comerciante Mário César. O representante diz que a maior parte da degradação está relacionada com as construções das imediações. Os lagos naturais que se formavam ao lado de algumas bancas, por exemplo, ficaram secos após a construção do Fórum Criminal Desembargador Fenelon Teodoro Reis, vizinho do parque. É também do Fórum que vem outro problema: o uso da área verde como estacionamento durante a semana.“Todos os dias de 500 a 600 carros entram por aqui depredando toda a entrada”, conta César. Segundo o representante, as manutenções menores são custeadas pelos feirantes. Já as questões mais urgentes desencadeadas pelo mau uso durante a semana fogem das condições financeiras dos artesãos. “Hoje o básico é a entrada, o paisagismo e os banheiros”, elenca o coordenador.Sobre o uso da área como estacionamento, a Seel afirma que os carros não ficam no espaço da feira, mesmo que os mesmos utilizem a estrada de acesso inclusive como local alternativo para parar os veículos. “Esse pedido e autorização (de uso como estacionamento) acontece, pois existe um fluxo muito grande de veículos, devido a construção de uma delegacia, Fórum e outras instalações necessárias para a região”, argumenta.O comerciante Leandro Signates tem uma banca de origami na feira há 14 anos. Ele reclama do quanto o local está abandonado e destaca que as responsabilidades sobre a manutenção não são claras. Apesar de ser um parque estadual, a roçagem é feita pela Prefeitura. A limpeza de lixo fica a cargo dos comerciantes. “Já prometeram revitalizar, apresentaram um projeto completo, mas desapareceram”, detalha.Os problemas estão sendo refletidos nos lucros, que já estavam pequenos e reduziram ainda mais após a pandemia da Covid-19. “Há alguns anos a responsabilidade de manutenção e cuidados foi jogada inteiramente para a gente”, diz Signates. Além das questões estruturais, o comerciante diz que há impactos da retirada de incentivos culturais como o que custeava as apresentações de música no local. “Hoje somos nós que temos de pagar”, detalha.Para o coordenador Mário César, ainda que o local seja recuperado, é preciso limitar o uso. “Não adianta arrumar as entradas se continuarem entrando 500, 600 carros por dia. Sábado a gente encontra muito lixo”, diz o representante.Servidora aposentada do Tribunal de Justiça, Márcia Bezerra Faiad conta que visita o local desde a fundação. Para ela, a feira é a única que sobrou em na qual realmente se pode ver apenas artesanatos. A aposentada destaca um ponto citado por muitos: a Feira do Cerrado fez reviver o que era a Feira Hippie na época em que foi criada. “Aqui eu vejo o chinelo que eu comprava lá, o biscoito frito, a bolsa de couro que eu tanto usei na minha época de faculdade”, lembra.PassadoO coordenador Mário César também lembra da relação com a Feira Hippie e defende a preservação da Feira do Cerrado. “As pessoas mais antigas sabem o que era a Feira Hippie no passado. A Feira do Cerrado resgata isso, o artesanato, a culinária caseira. É a única feira do Centro-Oeste que é 100% de artesanato. A nossa prioridade é manter esta tradição”, pontua.Mesmo que ainda esteja na agenda de locais a serem visitados de maneira fiel por Márcia, a feira hoje está com características menos atrativas. “Na frente do banheiro, por exemplo, era um lugar muito bonito, um bosque preservado que hoje está degradado. Há um empobrecimento geral. É preciso de cuidados para que a gente se sinta seguro e tenha prazer de ver”, destaca a aposentada.Feira integra calendárioA feira entrou no Calendário Turístico e Cultural de Goiás nesta semana. A oficialização se deu após a Governadoria sancionar a Lei Estadual nº 21.324, de autoria do deputado Amauri Ribeiro (UB). Quando tramitou na Alego, a matéria foi aprovada por unanimidade em duas votações. Na justificativa da proposta, o parlamentar falou sobre a importância do lugar.“Os feirantes da Feira do Cerrado produzem os itens que comercializam de forma artesanal, mantendo viva a cultura do Estado de Goiás sendo que os alimentos, em sua maioria, também estão ligados à questão cultural, sendo de suma importância para mantermos nossas raízes e apresentarmos a cultura à nova geração”, destacou Ribeiro em trecho do projeto de lei apresentado em 2020. Por ser realizada no Parque da Criança, o dia 5 de Junho (Dia Mundial do Meio Ambiente) foi escolhido como marco para determinar o dia escolhido como comemoração da Feira do Cerrado, trazendo à tona a importância da Feira e a possibilidade de a população aproveitar os momentos de lazer junto à natureza, e em contato com a Cultura.ProjetoO Governo estadual diz que a longo prazo existe um projeto de alteração de toda estrutura e forma do Parque da Criança. “Será instalado no local um centro de esporte e lazer, preservando a área e realizando atividades de iniciação esportiva e paradesportiva, atendendo ainda a Feira do Cerrado com diversas ações, como infraestrutura e eventos, por exemplo”, diz a Seel sem informar estimativa de data. Leia tambémServidores de Goiânia são indiciados por aluguel de pontos gratuitos em feiraFeira Hippie deixa de funcionar às sextas-feiras