As matrículas para ingressantes na Universidade Federal de Goiás (UFG) começaram nesta terça-feira (18) e vão até depois do carnaval, mas nem todos os aprovados estão com a vaga garantida. No ano passado, 420 alunos não conseguiram a vaga, pois se autodeclararam negros ou indígenas para o ingresso, mas não tiveram documentação comprovante ou não tinham características fenotípicas próprias de pretos ou pardos. Os números são da Regional de Goiânia e de acordo com a Comissão de Heteroidentificação, responsável por confirmar as autodeclarações e garantir que a política de cotas seja cumprida.Este método foi implantado desde 2018, quando 2.099 alunos se autodeclararam negros ou indígenas, mas em 275 casos os processos foram indeferidos, ou seja, 13,10% do total de estudantes não apresentaram documentação ou tinham características da população negra, de acordo com a comissão. No ano passado, a quantidade de indeferimento foi ainda maior, assim como o número de pessoas que participaram da avaliação. Foram 2.264 inscritos e 420 indeferimentos, sendo 18,55%.Para este ano, na primeira etapa da matrícula, 1.042 estudantes deverão ter confirmadas as inscrições a partir da aprovação da Comissão de Heteroidentificação pela Regional de Goiânia. Ontem, no primeiro dia de matrícula, cerca de 200 dos 1.042 inscritos já haviam sido analisados, mas não se tinha um balanço da quantidade de indeferimentos do dia. O presidente da Comissão de Heteroidentificação da Regional Goiânia, Pedro Cruz, afirma que não há uma explicação sobre o aumento do número de indeferimentos. “O que a gente esperava era que diminuísse com o tempo, por ficar um método mais estabelecido e conhecido, mas não aconteceu. Ao mesmo tempo, foram mais pessoas inscritas também, pode ser por isso.”Como a matrícula passa por mais de uma etapa, em que há segunda chamada de ingressantes, esse número de avaliações pode aumentar. Nas comissões, o aluno participa de entrevista, com duração média de três minutos, onde também assina o termo de autodeclaração e tem analisada suas características fenotípicas, como a cor da pele associada às demais marcas ou características da população negra (formato do nariz, textura de cabelos e lábios). Os indígenas, além da autodeclaração assinada, apresentam o Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani) ou uma declaração da Comunidade Indígena sobre sua condição étnica.A avaliação da comissão é a principal causa de questionamentos judiciais quanto às cotas universitárias atualmente. Até então, os processos questionavam a legalidade da lei, com alunos reprovados no sistema universal querendo a vaga destinada ao sistema de cotas. A procuradora federal Mônica Luciana Kouri Ferreira, da Advocacia Geral da União (AGU), lembra que a política de cotas sempre foi polêmica. “No começo era o questionamento da própria política, mas houve a conscientização da sociedade. Com a autodeclaração, se tinha muitas fraudes e foi uma pauta do próprio movimento negro a criação das comissões. Queremos garantir que a política pública de cotas atenda quem tem o direito.”A procuradora reforça que o trabalho da AGU é de defesa das comissões nos processos judiciais. Entre outubro de 2019 e janeiro deste ano, foram 111 processos de toda a 1ª região da Justiça Federal, com ganho de causa em 90% dos casos, o que demonstra a legalidade das avaliações. Mônica conta que a UFG é a segunda instituição da região que mais possui casos judicializados, ficando atrás apenas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No entanto, os dados de contagem dos processos são recentes e ainda não se sabe a razão da UFG ter uma demanda significativa de casos. “Pode ter relação com a alta demanda da universidade mesmo, que é bem reconhecida.” A AGU, por meio da da Equipe Regional em Matéria de Educação da Procuradoria Regional Federal da 1ª Região (ER-EDU/PRF1), atua também na orientação das comissões quanto as avaliações.Fundamentos questionadosA procuradora federal Mônica Luciana Kouri Ferreira, da Advocacia Geral da União (AGU), afirma que a maior parte dos questionamentos judiciais atualmente em relação à política de cotas universitárias se dá quanto à fundamentação utilizada pelas comissões de Heteroidentificação. “Não se trata de métodos subjetivos, são critérios visuais, verificam os traços e características fenotípicas”, diz. A Comissão de Heteroidentificação da Regional Goiânia da Universidade Federal de Goiás (UFG) realizou treinamento entre os dias 14 e 17 deste mês justamente como preparação para o período de matrículas deste ano, sob a justificativa de aperfeiçoar a avaliação e diminuir o tempo utilizado nas entrevistas. Ainda segundo Mônica, outro critério bastante questionado é quanto a ancestralidade. “Muita gente chega dizendo que os pais ou os avós são negros, mas o Brasil tem uma história de diversidade muito grande, se passar por esse critério não teria cotas. Mas ninguém é alvo de preconceito porque os pais ou os avós são negros, a questão é definir se as características fenotípicas do ingressante o leva a ser alvo de preconceito”, explica a procuradora.Em terceiro lugar, os questionamentos judiciais são em relação à autonomia universitária para definir se o aluno teria o direito ou não à política de cotas. Segundo ela, os tribunais federais tem concedido o entendimentos de que as universidades e, logo, as comissões possuem sim a atuação legal.