Após oito meses de aulas presenciais suspensas, Goiás se aproxima das férias escolares com deficiências no modelo de aulas a distância. É o que mostra o ‘Diagnóstico da Conectividade’, levantamento organizado pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO). São 70% as cidades com insuficiência de equipamentos na rede municipal. Na rede estadual, um a cada cinco estudantes estão excluídos de atividades on-line regulares. Com dados detalhados por alunos, as escolas estaduais alcançaram 20% de pouca ou nenhuma conectividade no mês de outubro, cerca de 100 mil dos 510 mil matriculados. Projetando os números com as informações prestadas pelos municípios, o total de estudantes afetados pode ser de até 38% dos 1,1 milhão de estudantes do ensino público básico, já em âmbito municipal não se tem o número exato de estudantes afetados.O relatório mostra que 52% das secretarias municipais de educação registram deficiência na internet, com alunos com pouca ou nenhuma conexão. O estudo leva em consideração a resposta de 167 dos 246 municípios goianos. “É um número de respostas representativo, estamos falando de cidades de todas as regiões do Estado”, explica Roberto Coutinho, auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO) e responsável pelo levantamento nos municípios.Representantes de escolas públicas e pais confirmam as dificuldades. Mãe de um estudante da rede municipal de Goiânia, Andreia Gomes dos Santos conta que seu celular está sendo usado pelo filho para assistir às aulas. Ela diz que o garoto, que está no 3ª ano do ensino fundamental, precisa desenvolver as atividades durante a noite, já que ela precisa levar o telefone para o trabalho. “Nós já tínhamos dificuldades. Eu procurei a escola para perguntar se ele pode repetir o ano, porque ele não aprendeu praticamente nada”, contou Andreia.InteriorNa relação dos municípios com menor conectividade na rede estadual, Mairipotaba lidera o índice em outubro, último mês analisado, com 63,83% dos alunos com pouca ou nenhuma conexão com internet. A cidade é seguida pelos municípios de Amaralina, com 59,18%; Orizona, com 56,65%; Sítio D’Abadia, com 53,14 e Ututaí, com 50,97%.Liderando o quadro, o pequeno município de Mairipotaba, a 100 quilômetros de Goiânia, não consegue êxito nas atividades alternativas, como exercícios impressos. É o que conta a secretária de Educação da cidade, Cleusa Urzêda. De acordo com a gestora, quase metade dos alunos vive na zona rural, o que dificultou o processo de aprendizagem.“Os professores dialogam com os pais, são eles que têm acesso à internet”, conta a secretária. Sobre a avaliação do ano letivo, Cleusa Urzêda diz que o considera perdido e que deveria ser anulado. “Eu não consigo nem mesmo saber se quem está respondendo as atividades.”Estudante de Mairipotaba, Deborah Nathalia diz que as aulas a distância foram estressantes e conta que a turma participa pouco das atividades. Sobre os colegas sem internet, ela diz não saber como estão conseguindo seguir os estudos.Também do município de Mairipotaba, o professor Rafael Mendes conta que a turma do 5º ano do ensino fundamental que recebe as aulas não apresentou problemas com conexão ou equipamentos. “É claro que nada substitui as aulas presenciais, mas os estudantes desenvolveram a aprendizagem ao longo dos meses”, relatou o professor, que diz que os 16 alunos dele conseguiram se adaptar ao longo do ano e que não faltou internet. Equipamentos são desafioA relação entre acesso à internet e a falta de equipamentos é outro destaque do levantamento. Nas redes municipais foram 70% das secretarias que apontaram insuficiência de equipamentos para alunos e professores, contra os 52% de deficiência em conexão. Assessora do TCE responsável pelo relatório estadual, Cleusa Urzêda explica que a falta de equipamentos compromete até os estudantes que teriam condições de conexão. “O estudante poderia ter acesso à rede, mas não possui os equipamentos.”O trabalho feito pelo Gabinete de Enfrentamento aos Efeitos da Pandemia na Educação Pública (Gaep), associado ao TCE-GO, mostra ainda o desenvolvimento dos números ao longo dos meses na rede estadual. Há uma aparente redução da conectividade no período analisado, o que, segundo a Secretaria de Estado de Educação de Goiás (Seduc) se dá pela adoção de critérios diferentes no decorrer do ano. Sobre a metodologia, a superintendente de Organização e Atendimento Educacional da Seduc, Patrícia Coutinho, explica: “A leitura passou a considerar mais estudantes para que pudesse ser garantido acesso de todos aos materiais impressos. Na nossa percepção os índices se mantiveram, o que é apresentado como aumento é pela mudança na metodologia.”Para mudar o quadro nas escolas estaduais, a Seduc promete inovar nas ações. De acordo com a pasta, o portal NetEscola, utilizado para as aulas à distância, não irá usar internet a partir de fevereiro de 2021. A ideia, segundo Patrícia Coutinho, é tornar o portal acessível para todos os estudantes com dispositivos eletrônicos – celulares, tablets ou computadores, mesmo sem internet.Auditor do TCM, Roberto Coutinho diz que o relatório deve ser observado pelos gestores. “Para alguns se perdeu praticamente um ano e não podemos deixar que siga dessa mesma forma. É importante que as respostas sejam imediatas.” (Luiz Phillipe Araújo é estagiário do convênios GJC/UFG)-Imagem (1.2159259)