Atualizada às 22h09A live realizada pelo cantor sertanejo Gusttavo Lima no último sábado (11) gerou polêmica em relação â doação que o artista anunciou para “famílias do lixão da cidade de Aparecida de Goiânia”, nas palavras dele. Durante o show transmitido pela internet, o artista afirmou que daria um cheque de R$ 500 mil. No entanto, a prefeitura do município da região metropolitana de Goiânia emitiu uma nota em que afirma não existir mais lixão na localidade, mas sim um aterro sanitário. Apesar disso, se tratam de pessoas que ainda estão em situação de vulnerabilidade social.Em meio à discussão, a líder da Comunidade Terra do Sol, Francisca Barbosa, de 39 anos, que mora nas redondezas do aterro sanitário de Aparecida de Goiânia explica que a ideia do cantor em escolher o local para a doação não foi por acaso. “Eu vi a primeira live dele, e que ele ajuda muita gente. Tive a ideia então de gravar um vídeo falando da comunidade e das necessidades que muita gente passa por aqui. Enviei o vídeo para um amigo que repassou para o Gusttavo Lima”, relata. “Graças a Deus ele ouviu o meu pedido. Todos ficaram muito contentes por aqui”, acrescenta.“Aqui nossas famílias são catadores de recicláveis. Uma parte de diaristas, muitos ajudantes de pedreiro, entre outras profissões. Desde 2013 as famílias foram retiradas do lixão”, esclarece. “Tivemos de sair de lá, e ficamos nas redondezas, onde estamos hoje por não ter lugar mais para onde ir. Naquela época eram umas 147 famílias (sic), hoje nossa comunidade tem quase 800 pessoas”, aponta. Deste número, conforme Francisca, 400 são crianças, 22 idosos e 37 gestantes.Quanto ao local onde todas estas pessoas vivem, a líder comunitária explica que parte deles são abrigados, outros não. “Nós temos 270 famílias que vivem em moradias que foram construídas. Os demais moram em barracas de lona. São como casas improvisadas feitas com material reciclável mesmo”, explica ela.MudançaNa área onde funcionou o lixão até 2013, foi instalado o aterro sanitário. Antigamente, as pessoas revolviam a descarga dos caminhões da prefeitura em busca da sobrevivência. O espaço de tratamento de resíduos fica próximo ao Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. A comunidade está nas imediações deste local.Atualmente, Francisca conta que não há mais espaço na área. Mas quando alguém sai, chega uma nova família, é medido um lote, no tamanho 12 x 30 metros. Na comunidade, segundo ela, também existem representantes familiares. Cada um deles recebe um crachá. No caso de Francisca, ela conta que vive em uma casa com o marido e seis dos dez filhos. “Ou seja, nos viramos aqui e organizamos. Mas realmente a necessidade ainda é grande”, afirma.A líder comunitária relata que a doação do cantor sertanejo irá ajudar a todos. “Acreditamos que este dinheiro que o Gusttavo Lima falou será para cá (sic). Até porque ele viu meu vídeo. E não nos importamos de ter se referido como lixão. Somos chamados mesmo comumente de comunidade do lixão. O que importa é o dinheiro que virá. Vai ajudar muito este dinheiro, e vem em boa hora, em pleno momento de crise por conta do coronavírus. Muitos aqui perderam o emprego”, destaca.Relatos de dificuldades para sustento de famíliasA dona de casa Raiane Costa Silva, de 27 anos, conta que a necessidade na comunidade realmente ainda é grande, mesmo com o auxílio de alguns voluntários e da Prefeitura de Aparecida de Goiânia. Na casa onde vive Raiane, feita de alvenaria, também residem, o marido, três filhos e duas sobrinhas. O lugar possui cinco cômodos. “Vivo aqui desde 2012. Foi meu esposo que comprou este terreno em 2010”, relata. Na época, o valor que pagaram pelo lugar foi de R$ 19 mil.O marido de Raiane, que é pedreiro, está desempregado no momento. “A vida aqui só é ruim com o transporte, saúde em questão. A alimentação ainda tem muita gente que precisa sim, e voluntários trazem cestas básicas. Mas não são suficientes para suprir a necessidade de todo mundo”, lamenta. O projeto “Irmão Amigo trás todo primeiro domingo do mês uma cesta básica pra nós. Tem outro que traz no segundo domingo do mês para as crianças e outro em um sábado do mês para todos”, exemplifica. “Esta comida da cesta resolve só para uns três dias”, diz.A comida das cestas básicas, segundo ela, ajuda, mas não dura até chegar uma próxima. “Tem casa aqui que tem mãe com nove filhos. Tem mulher que mora sozinha sem marido e com filhos. Tem idosos que também moram sozinhos e não podem trabalhar mais”, aponta a moradora.CooperaçãoO lugar, segundo outra moradora que não quis se identificar, é dividido por três líderes comunitárias. Cada uma faz a sua parte em prol da comunidade, que fica situada há cerca de 2,5 quilômetros do aterro sanitário. “Antes realmente a situação era muito pior. Vivi aqui neste período (do lixão) e quase todo mundo catava lixo. Hoje é muito raro de se ver, mas algumas pessoas catam lixo ainda, mas não lá dentro do aterro, mas sim nas ruas”, afirma. “A situação é bem melhor do que era antes de 2013, mas ainda falta muita coisa. Então toda doação é muito importante”, conclui.O grupo Irmão Amigo, citado por Rayane, foi pensado pela corretora de imóveis Irenilda Candido Gomides Ribeiro, de 48 anos, que já trabalhava com outras ações solidárias, mas que ao se deparar com a situação das famílias que vivam na época no lixão chamou mais pessoas e resolveu contribuir. O projeto teve início há quase nove anos. “Quando começamos, esta família que me chamou a atenção era uma mãe com quatro filhos reaproveitando o que achava no lixo. Mas agora eles não têm mais acesso a este aterro, não ficam reaproveitando o lixo. A necessidade ainda é grande, mas existem muitas entidades ajudando com doações assim como nós”, afirma Irenilda.No começo do projeto, Irenilda conta que o grupo atendia 200 famílias todo mês. Mas depois houve dificuldade em atender a todas e dividiram com parceiros. Atualmente, 91 famílias são assistidas por eles. “Antes, lá no início, eles chegavam para pegar as cestas conosco todos sujos de lixo”, lembra. A realidade, segundo ela, mudou. Mas como os moradores destacarem, a vulnerabilidade ainda existe. Prefeitura de Aparecida diz que residentes têm acesso a serviçosEm nota, a Prefeitura de Aparecida de Goiânia esclarece que a Comunidade Terra do Sol, na região do Aterro Sanitário e ao lado do muro do Complexo Prisional, é formada por remanescentes de uma vila que sobrevivia de recolher material reciclável no antigo lixão. “Em 2013, o Aterro Sanitário de Aparecida foi regularizado e ficou proibida a entrada de pessoas no meio dos resíduos sólidos”. Nesta época, de acordo com o município, 70 famílias que viviam às margens do local receberam casas da prefeitura, construídas em parceria com os governos estadual e federal. Estas famílias formaram a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Aparecida. Lá, elas trabalham em um galpão de triagem de material reciclável recolhido pelo programa de Coleta Seletiva da Secretaria de Desenvolvimento Urbano.A comunidade, segundo o texto, é atendida pelos serviços básicos do município, como atendimento médico, vaga em escolas e Cmeis e transporte escolar, por exemplo. Além disso, existem outras ações, como a escolinha do local com servidores da Secretaria Municipal de Educação. “As famílias também estão inscritas nos programas sociais por meio da Secretaria de Assistência Social e a Secretaria Executiva de Habitação, que busca viabilizar empreendimentos habitacionais por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida”.A prefeitura garante que “é bem-vinda (a doação) e se coloca à disposição para ajudá-lo.” A assessoria de comunicação da prefeitura aponta que pelo que foi levantado, houve apenas um problema de comunicação na hora da entrega do vídeo ao cantor Gusttavo Lima. A líder comunitária Francisca Barbosa que fez o apelo teria enviado duas gravações: Uma mostrando como a comunidade era antes, com pessoas em meio ao lixo e outra gravação mostrando como é atualmente. Nelas ela aponta a carência do local, mas o primeiro vídeo sendo o mais impactante teria mobilizado a ação e pode ter causado a fala do artista.A assessoria de imprensa do cantor Gusttavo Lima, informou que não foi possível ter a confirmação com o artista se o local de referência na live é mesmo a Terra do Sol.