As construções residenciais próximas ao reservatório João Leite, na região metropolitana de Goiânia, evoluíram de forma pouco significativa desde a criação da reserva. A questão é uma das principais preocupações de ambientalistas, entidades e órgãos fiscalizadores que estão acompanhando o debate sobre a liberação de lazer no reservatório, projeto que foi suspenso nesta sexta-feira (23). Em visitas e no comparativo de imagens de satélite, o POPULAR levantou o número de casas construídas próximas à área nos últimos dez anos.O debate sobre o interesse imobiliário pela região está posto há pelo menos seis anos e voltou a ganhar notoriedade nesta semana. Isso porque a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) tinha aberto consulta pública aberta sobre o Plano de Uso Público e de Manejo do Parque Estadual do João Leite (PEJol), pretendendo liberar o uso do lago para lazer. Na avaliação de entidades, órgãos fiscalizadores e ambientalistas, as mudanças podem favorecer o crescimento da área residencial próxima, o que traria riscos para a reserva. Diante das reações, o Governo estadual sinalizou que abrirá mão das alterações.Entre tentativas de construções embargadas pela Justiça e as edificações consolidadas, as áreas dos parques estaduais do João Leite e Altamiro de Moura Pacheco (Peamp), que faz parte da mesma área, têm ao menos 37 casas construídas dentro do perímetro de reserva, conforme indicam imagens de satélite registradas no ano passado. Em 2011, ano em que a barragem foi construída, eram apenas dez casas. Nas regiões próximas, apesar de previsões, loteamentos e condomínios fechados não prosperaram.As áreas do parque possuem aproximadamente 720 km² e abrangem os municípios de Goiânia, Terezópolis de Goiás, Goianápolis, Nerópolis, Anápolis, Campo Limpo de Goiás e Ouro Verde de Goiás. Já foram catalogadas na região 409 espécies de animais, 286 delas aves. Embora esteja inserida no bioma Cerrado, nas duas UCs há predominância de florestas estacionais semideciduais, 84,28% do Peamp e 50,52% do PEJol. O restante do último já está antropizado.AvaliaçõesO promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), Juliano Barros, titular da 15ª Promotoria de Goiânia, especializada na defesa do meio ambiente e em urbanismo, diz que as edificações não alcançaram as imediações das reservas graças às atuais regras. Na avaliação do promotor, liberar o uso do lago para lazer pode, entre outras questões, abrir precedentes para o interesse do setor imobiliário. “Mesmo que não seja aprovado imediatamente, fortalece a possibilidade”, considera Barros.A questão também é observada com preocupação pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (Cau-GO). Segundo o conselho, a autorização de práticas de lazer podem aparentar serem inofensivas, mas seria “apenas a porta de entrada para ações de severo impacto ambiental, tais como o parcelamento do solo na região do entorno do reservatório”. Para o Cau, a aprovação de um loteamento significará, entre vários itens, a retirada da cobertura vegetal das proximidades.“A impermeabilização do solo e a geração de esgoto, impactando diretamente na redução da infiltração das águas pluviais e na degradação do reservatório. Dessa forma, a qualidade da água será prejudicada e o seu tratamento será encarecido. O tratamento da água tampouco garante a eliminação de diversos tipos de poluentes, que poderão chegar às torneiras da população”, acrescenta o conselho.O delegado Luziano Carvalho, titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema), acompanha a situação da área desde antes da construção do reservatório. Carvalho considera que os últimos anos foram vitoriosos quando se observa as ações de preservação. “Foram inúmeros os inquéritos abertos para apurar loteamentos irregulares”, cita o delegado, que também destaca a recuperação de centenas de nascentes.Em avaliação, Carvalho diz que os recursos hídricos para abastecimento não podem competir com áreas residenciais e, tampouco com atividades de lazer. Por conta da discussão sobre o plano de manejo, o delegado diz ver possibilidade de aumento de loteamentos irregulares. “Hoje é para abastecimento público, daqui a pouco não será nem para abastecimento e nem para lazer, porque se acaba com tudo”, aponta. Em seis anos, projetos não prosperaram na regiãoEm 2016, o POPULAR mostrou a existência de parcelamento irregular de chácaras, plantações de soja em áreas em que não se permite o tipo de cultivo, além da previsão de construções de dois condomínios e um campus universitário, sendo as questões presentes dentro ou nas proximidades da área.Seis anos depois, os condomínios e o campus universitário não prosperaram. Os condomínios, em Terezópolis, ficaram embargados pela Justiça até 2019, mas atualmente estão liberados, restando reelaboração de projetos, para adequações ambientais dentro do que é permitido pela legislação ambiental.Quanto ao parcelamento irregular de chácaras, o movimento ainda é visto na área próxima ao barramento do lago, dentro do perímetro da capital. O local que hoje tem mais de 30 casas era uma fazenda que passou a ser parcelada em lotes quando as obras da barragem foram iniciadas. Em 2014 o Ministério Público chegou a entrar com um pedido para que as famílias deixassem o local. No entanto, em 2019 o governo estadual considerou que a área está consolidada e poderia ser regularizada. Como impactos do contato entre o parque e áreas de edificações, órgãos de fiscalização citam os recorrentes incêndios que atingem a reserva. Em 2017, quando houve o maior incêndio da história do Altamiro de Moura Pacheco, 50% dele foi consumido pelas chamas.Setor imobiliário nega interesse em investir próximo da barragemApesar dos apontamentos de possíveis interesses imobiliários, o Sindicato das Imobiliárias e Condomínios do Estado de Goiás (Secovi-GO) diz não se vislumbrar, por parte das construtoras, construções próximas da área. A entidade, inclusive, se manifestou nesta semana reclamando de que a condução da discussão sobre o plano de manejo teria se dado com poucas audiências. A posição do Secovi seria, até então, pela ocupação vegetal da área, como já está dado.O presidente da Associação dos Desenvolvedores Urbanos (ADU), Luís Alexandre Crincoli, se posiciona contra a possibilidade de liberação para construções residenciais na região. “O risco da poluição do lago é o principal problema. Hoje nós temos muitas dificuldades para obter água para as construções. O plano de manejo deve restringir qualquer ocupação residencial na área do parque e na de amortecimento.” Sobre a possibilidade de uso do parque para lazer, no entanto, Crincoli diz que a entidade é favorável, mas também reclama do pouco número de audiências públicas.