Uma disputa judicial envolvendo a contratação de uma nova empresa para fornecer por um ano a alimentação de presos e servidores do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia causa polêmica às vésperas do fim do atual contrato. De um lado, a Diretoria Geral de Administração Penitenciária (DGAP) garante que a empresa vencedora, a Ciga Alimentos, obedeceu aos critérios da seleção e deve assumir o serviço no dia 26 de novembro por R$ 29,7 milhões. Do outro, a atual fornecedora, Vogue Alimentação, questiona a lisura do processo porque, entre outros motivos, a vencedora teria sido beneficiada com informações privilegiadas e que é de propriedade da esposa de um policial militar lotado na DGAP.Na Justiça, a licitação chegou a ser suspensa por meio de liminar em julho, mas passou novamente a valer em setembro após recurso do governo estadual. Após manifestação das partes, está na fase de análise do mérito pelo magistrado. No Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO), uma instrução técnica apontou a existência de “indícios de possíveis desconformidades no julgamento de habilitação” da Ciga a serem apurados após a manifestação das partes envolvidas, previsto para ocorrer nesta semana. Preocupa o TCE-GO o fato de o contrato atual, emergencial, vencer em 24 de dezembro.Nos últimos dias, as denúncias têm sido utilizadas por opositores ao governo estadual, sobretudo quanto ao aspecto de combate à corrupção.A expectativa é que tanto no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) como no tribunal de contas haja decisões antes do fim do contrato. Além disso, a DGAP abriu uma sindicância para apurar uma denúncia de favorecimento à Ciga em relação ao recebimento de informação antecipada sobre um despacho do certame. Em agosto, a Delegacia Estadual de Combate à Corrupção (Deccor) arquivou uma denúncia relativa a esse possível favorecimento.A briga entre Vogue e Ciga começou ainda na licitação, quando após o anúncio do resultado, a primeira entrou com um recurso conseguindo a inabilitação da vencedora. A Vogue alegava irregularidades, como a falta de capacidade técnica e de documentação exigida no edital. A Ciga conseguiu reverter a decisão, segundo a Vogue graças a intervenção sem ter sido provocada da direção da DGAP, que rebate a acusação. Após a homologação do resultado no Diário Oficial do Estado (DOE), o caso parou na Justiça.Posteriormente, a relação entre a empresária Suzane Fleury, sócia-proprietária da Ciga, com o sargento da PM José Fábio Vieira de Sá, com quem é casada, foi exposta pelo sindicato dos agentes penitenciários. José Fábio está lotado como motorista da presidência da DGAP e segundo a denúncia isso teve interferência na licitação. Essa informação também consta na denúncia feita ao TCE e posteriormente foi acrescentada no processo judicial.O atual diretor-geral da DGAP, tenente-coronel da PM Franz Augusto Marlus Rasmussen Rodrigues, nega as acusações feitas pela Vogue e refuta qualquer interferência na escolha. Ele afirma que todas as empresas participantes deste ou de qualquer outro processo de licitação no órgão têm acesso às mesmas informações, que são cadastradas no sistema eletrônico ao qual os participantes tem acesso com login e senha fornecidos no início do processo. Rasmussen ainda ressalta que a demora na finalização do processo se deu pela quantidade de questionamentos apresentados na Justiça, que teria, inclusive, obrigado a pasta a realizar um contrato emergencial para que não houvesse suspensão do fornecimento da alimentação.Rasmussen destaca que a Ciga ganhou a licitação e que vai assumir o serviço no fim do próximo mês, sendo que a Vogue já foi informada que a pasta manterá a parceria apenas até 25 de novembro, um mês antes do fim do contrato emergencial. Isso porque existe uma cláusula no documento assinado em junho pela Vogue que determina o prazo mais vantajoso para o estado, ou de seis meses como limite ou até a finalização do processo licitatório. “O procedimento licitatório é mais vantajoso que o contrato emergencial, por isso ele vai encerrar antes do fim.”Sobre a possibilidade a Ciga ter tido acesso a informações privilegiadas durante a licitação, como alegou a Vogue, o diretor-geral nega e diz que há equipes técnicas na pasta para esta apuração, além dos documentos terem sido analisados e aprovados tanto na procuradoria setorial, quanto na estadual. “Membros da comissão (de licitação) assinaram documento concordando que existe capacidade técnica. Isso passou pela procuradoria setorial, procuradoria do estado, controladoria.” Ele ainda diz acreditar que a Vogue quer tumultuar o processo. “O que consta, inclusive em decisão judicial.”Rasmussen também nega qualquer relação pessoal com o sargento José Fábio, marido da sócia da Siga, e diz que vários militares atuam na DGAP, rebatendo acusação de que a empresa teria sido beneficiada por esta relação. “Dentro da DGAP, na lei que criou a DGAP, tem uma assistência da Polícia Militar, ela é coordenada por um tenente coronel da PM. Tem vários policiais aqui dentro. E eles não têm relação direta comigo. Ele não é motorista só meu. Não tem como vincular uma coisa nada a ver com a outra.”Rasmussen ainda diz que chegou à DGAP em fevereiro e só ficou sabendo desse caso depois da denúncia. “Chamei ele (José Fábio) aqui e perguntei se tinha parentesco. Ele respondeu que tem relacionamento. Não sei se são casados, não sei se têm filhos. Até porque eu não tenho uma relação próxima a ele.” O diretor acrescenta que, depois que a empresa fez a denúncia, abriu sindicância para apuração, inclusive rever os processos até a declaração de vencedor. “Está sendo apurado se existe algum problema. Conversei com nossa procuradora e não existe ilegalidade nisso, conversei com a controladoria.”O diretor-geral ainda diz que tem atuado para avaliar processos dentro da DGAP e apura a possibilidade de haver cartel nas empresas participantes dos processos de contratação. “Indícios são gravíssimos”O advogado Carlos Leonardo Pereira Segurado, que representa a Vogue Alimentação nos processos que tramitam na Justiça e no Tribunal de Contas, afirma que existem fortes indícios de que a Ciga Alimentos foi beneficiada para vencer a licitação do serviço de alimentação no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia e que é gravíssima a relação da dona da empresa com um servidor da Diretoria Geral de Administração Penitenciária (DGAP). “Ele é marido, trabalha no sistema, é motorista do diretor que mandou voltar atrás na decisão que tinha indeferido a habilitação da empresa (Ciga), os indícios são gravíssimos.”Segurado argumenta que a postura da DGAP no processo, segundo ele em defesa da Ciga e atacando a Vogue, reforça a parcialidade do órgão na licitação. “Isso demonstra claramente que eles estão tentando favorecer um em detrimento do outro.”O advogado diz que a Vogue estava na Justiça contra a licitação questionando aspectos legais e que a relação entre os sócios da Ciga com um servidor da DGAP foi primeiro apontada pelo sindicato que representa os policiais penais e depois acrescentada pela Vogue na acusação feita no Tribunal de Contas do Estado (TCE). “E o TCE levantou novos dados já”, afirmou ele, em referência ao apontamento que consta em uma instrução técnica do órgão de que o endereço da Ciga já foi citado pelo servidor da DGAP como residencial dele em um processo judicial de 2013.Segurado também afirma que a Vogue presta o serviço há anos para o Estado e que nunca teve nenhuma denúncia contra. “Se tivesse era obrigação (da DGAP) ter apresentado.”Empresária rebate acusaçõesA empresária Suzane Fleury, uma das sócias da Ciga Alimentos, afirma que não há nenhuma irregularidade no contrato conquistado após processo licitatório, que a empresa tem condições de fazer o serviço conforme previsto no edital e que a Vogue Alimentação, que perdeu o pregão, está fazendo os questionamentos na Justiça e no Tribunal de Contas para tumultuar o processo e de alguma forma se beneficiar com isso, uma vez que é quem atualmente presta o serviço no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. “Pelo fato da Vogue não ganhar, fica levantando questões que não tem nada a ver. Se ela não aceita ter perdido, que colocasse valores que pudesse praticar, não que ficasse usando de sujeiras”, comentou.A Ciga Alimentos foi criada em 2009 e possui experiência no atendimento de contratos do segmento. Ela presta serviços para restaurantes populares dos governos estaduais de Goiás e do Distrito Federal.Nesta terça-feira (16), a Ciga divulgou nas suas redes sociais uma nota de esclarecimento na qual afirma que as denúncias são caluniosas, infundadas e que as decisões que mantiveram a empresa como a detentora da oferta mais vantajosa para a DGAP foram validadas pela Controladoria Geral do Estado (CGE) e pelo Judiciário. “A empresa comprovou em todos os âmbitos processuais a sua capacidade.”Suzane negou que sua relação com o sargento da PM José Fábio Vieira de Sá tenha influenciado na conquista do contrato. Na nota nas redes, a Ciga diz que o sargento não possui nenhuma relação com a pessoa jurídica licitante. Ao POPULAR, a empresária disse que ele não ocupa nenhum cargo relacionado ao processo licitatório.“O José Fábio não tem a ver com a minha profissão, nada a ver. Além do mais, ele não faz parte de nenhuma destas questões da licitação, não faz parte de nada disso. Talvez por eu ser mulher, a empresa (Vogue) está alegando que eu não tenha competência? Não existe isso”, disse Suzane, destacando que desde a fundação a Ciga não tem “nenhuma mancha”.Ainda segundo a empresária, que divide a sociedade da Ciga com seu filho, é mentira que a empresa teve acesso a informações privilegiadas durante a licitação. Ela também afirma que seu papel é cuidando da empresa e que os processos licitatórios são acompanhados por escritórios de advocacia especializados. “Nós somos proprietários, só temos os resultados finais.”