Quatro meses depois dos primeiros casos confirmados do novo coronavírus, Goiás chega perto das mil mortes e mais de 35 mil contaminados confirmados. Não se conseguiu manter o isolamento social, alto apenas na segunda quinzena de março, os números não param de crescer e os leitos críticos já estão quase lotados, com fila no sistema de regulação e casos de morte sem conseguir internação.A reportagem conversou com especialistas e gestores para tentar entender o que deu de errado para Goiás estar perdendo para o vírus. Entre os motivos apontados: falta de rastreamento, uso inadequado de testes, descaso do Governo Federal, quarentena curta e no momento errado.“A gente parou muito cedo e não segurou. Se a gente soubesse que não ia segurar, era melhor esperar um pouco (para parar). Agora ficou pior: liberar (atividades econômicas) quando está crescendo (curva de óbitos)”, avalia o professor José Alexandre Felizola Diniz Filho, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Goiás (UFG).No entanto, o pesquisador lembra que mesmo parando mais no início, esse isolamento evitou milhares de internações e mortes. Ele defende que seria possível controlar a pandemia se o isolamento tivesse se mantido alto por mais tempo, associado a rastreamento mais agressivo de contatos de casos confirmados e suspeitos.Outro fator apontado por Felizola é a mensagem errada que o decreto do dia 19 de abril passou, que permitia a abertura de algumas atividades. A flexibilização de algumas sem parecer técnico, como igreja, gerou discussão na época. “Ficou claro que não era muito técnico, gerou ciúmes no comércio. ‘Por que o meu não pode abrir e o seu pode?’. O objetivo não ficou claro. O objetivo da equipe que trabalhou neste decreto era segurar a onda para manter a quarentena.”A falta de apoio do Governo Federal nas medidas de distanciamento social é um fator negativo bastante citado por gestores e especialistas. “A partir do dia que o presidente foi na mídia e disse que era uma gripezinha, acabou. Ninguém controlou mais ninguém”, aponta a presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Goiás (Cosems), Verônica Savatin, que conhece de perto a realidade do interior e cidades pequenas.Ela, que também é secretária municipal de saúde em Chapadão do Céu, diz que a falta de alinhamento entre Governo Federal, Estadual e Municipal deixou a população perdida, sem saber no que acreditar. Verônica também avalia que a população não esperava que as medidas de isolamento iam durar tanto tempo e que acabou assumindo o risco de descumprir.A epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da UFG, Erika Silveira, lembra que nos países com poucos óbitos, a pandemia tem sido controlada com a junção de uma rede hospitalar ampla e eficiente, isolamento social, rastreamento dos casos e contatos dos casos. No entanto, para que essas medidas tivessem sucesso, seria necessário um Ministério da Saúde atuante, que é o que não ocorre atualmente, na avaliação da professora.“A população tende a seguir um governo que dá diretrizes com segurança e confiabilidade. Mas a gente está de um jeito que cada hora fala uma coisa. A população fica sem saber o que seguir”, avalia Erika.Um dos pilares do combate ao Covid-19 é a testagem. Recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstrou preocupação com a pouca testagem do Brasil. O país fez exames em cerca de 2,15% da população, enquanto em Goiás a média foi de 1,06%, segundo dados do G1 coletado nas secretarias estaduais.No entanto, o professor e pesquisador do IPTSP da UFG, João Bosco Siqueira Junior, que vem trabalhando em inquéritos sorológicos, lembra que faltou deixar claro como testar e quando testar. “Testar, testar, testar com teste rápido não resolve nada. Tem saber como testar com os testes disponíveis”, explica o pesquisador.Um exemplo dessa falta de qualidade foi a diferença de assertividade do teste rápido feito com sangue capilar (ponta do dedo) e sangue venoso (centrifugado e retirado o soro). O laudo brasileiro que atesta a qualidade desses testes não explicava essa diferença, fazendo com que ele fosse usado de forma errada.João Bosco compara com avaliações de testes feitas na Inglaterra, muito mais detalhadas que a brasileira. “É fundamental ter avaliação dos testes que você tem”, pontua. “Grande pulo do gato não é apenas abrir leitos”, diz superintendenteO Estado e a Prefeitura de Goiânia vêm abrindo cada vez mais novos leitos para pacientes com Covid-19, mas ainda assim a ocupação deles se mantém alta. Só da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da capital são 150 leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e da Secretaria Estadual de Saúde (SES-GO) são 179 até agora. Em abril, os órgãos prometiam 102 e 270 respectivamente. Nesta semana, o secretário Estadual de Saúde chegou a afirmar que “expandimos o que precisávamos de estrutura de saúde”. No entanto, em reunião interna na última quarta-feira (8), representantes da SES-GO, da SMS e dos hospitais privados alertaram que é preocupante a expectativa da população de uma abertura constante de mais leitos para conter a pandemia, sem se lembrar da importância do distanciamento social. “O grande pulo do gato não é apenas abrir leitos, é fazer controle, monitoramento do paciente para que não tenha quadro agravado”, avalia a superintendente de Regulação e Políticas Públicas da SMS de Goiânia, Andréia Alcântara. Ela é responsável por acompanhar as solicitações de leitos que chegam de pacientes Covid-19 ou com suspeita em Goiânia. Andréia defende que não se deve condicionar a abertura de comércio à abertura de leitos, nem considerar o fracasso e sucesso do combate à pandemia a partir dos leitos. “Por mais que se aumentem leitos, isso não pode ser fator condicionante para que se desacredite das medidas de controle da disseminação do vírus. Mesmo que neste momento tivesse 300 leitos desocupados, não daria direito de desacreditar que esta doença mata”, enfatiza a superintendente. Pesquisa da UFG que prevê que mortes podem chegar a 18 mil dependendo da diminuição do isolamento social até setembro é feita em cenário hipotético de leitos de internação infinitos.SES-GOEnquanto a ocupação dos leitos ameaça chegar a 100%, municípios do interior que dependem das vagas reguladas pelo Estado já têm enfrentado demora para conseguir UTI para pacientes com Covid-19, mesmo com o sistema dizendo que ainda há algumas vagas. “A divergência no tempo de espera e taxa de leito é gritante e a gente não consegue entender”, lamenta Verônica Savatin, presidente do Conselho de Secretaria Municipais de Saúde (Cosems-GO). O Estado tem apontado erros no encaminhamento de pacientes para UTI sem necessidade, mas Verônica entende que isso pode até acontecer, mas que a maioria dos municípios tem leitos de enfermaria para os casos menos graves. A SES-GO informou recentemente que deve ser mais rigorosa no pedido de informações sobre os pacientes que pedem vaga, para ter uma noção melhor do estado de saúde de cada um. Estado promete mais rastreamentoA falta de testagem e rastreamento de contatos são fatores apontados por especialistas para não conseguir controlar o novo coronavírus. O professor José Alexandre Felizola defende uma política mais agressiva de rastreamento, com o isolamento de todos os contatos da pessoa contaminada, inclusive com subsídio como atestado mesmo sem sintomas, até passar o risco de transmissão. “Isso foi feito no início em Goiânia, em escala muito pequena”. A Secretaria Municipal de Goiânia faz um trabalho de Telemedicina com contatos intradomiciliares dos casos em monitorados e investigação de surtos, como o que ocorreu no Ceasa. No entanto, as perguntas são feitas por telefone por uma secretária eletrônica e são mais voltadas ao paciente diagnosticado.Já a Central de Orientação do Estado já registrou 1.629 Telessaúde, sendo que 1.413 monitoramentos foram finalizados. No entanto, há uma expectativa de implementação do rastreamento de contatos com a ajuda de técnicos da Fiocruz. Felizola defende que é possível fazer a o rastreamento mesmo com a escassez e demora dos resultados de testes RT-PCR, que identificam o vírus, fazendo o isolamento dos contatos de casos suspeitos. Apesar de perder a agilidade e tempo. Verônica Savatin, presidente do Cosems-GO, diz que a maioria dos municípios tem feito o rastreamento, que é mais viável quando há menos casos confirmados. No entanto, ela explica que a demora para o resultado do teste prejudica no convencimento da população. “Eu não consigo a sensibilização dessa pessoa sem resultado.” Segundo Verônica, como os testes RT-PCR feitos no laboratório público são poucos, os municípios tem recorrido a rede privada. Ela avalia que mais de 90% das prefeituras compraram testes rápidos e cerca de 30% adquiriram PCR. A gestora explica que os outros 70% só não adquirem porque não tem. “Vários tentaram e laboratórios não estão tendo capacidade instalada para atender”A expectativa, segundo João Bosco, são testes rápidos que identificam o vírus no início da doença, que estão chegando no mercado brasileiro, mas ainda é precisa atestar a qualidade deles. Os testes rápidos atuais identificam anticorpos, quando o paciente já tem a doença há mais tempo ou até já se curou. RespostaPor nota, a SES-GO informou que tem ampliado a testagem da população por meio de credenciamento de laboratórios e parcerias com instituições, como Fiocruz, Butantan e Todos pela Saúde. Sobre o menor número de testes quando se compara com outros Estados, a pasta lembra que Goiás está em um momento diferente da epidemia que outras unidades da federação. Goiás teve um alto índice de isolamento social no início da pandemia, que contribuiu para controle da curva de disseminação do vírus. O número de testes acompanha a demanda, que tem aumentado ultimamente.-Imagem (1.2083536)