Maior cratera de impacto de meteorito da América do Sul, o Domo de Araguainha é uma das três áreas brasileiras selecionadas para integrar os Primeiros cem Sítios do Patrimônio Geológico da União Internacional das Ciências Geológicas - International Union of Geological Sciences (IUGS) que serão apresentados oficialmente a partir desta segunda-feira (25), na Espanha. A cratera de 40 km de diâmetro está localizada entre Mato Grosso e Goiás e é cortada pelo Rio Araguaia, que divide os dois estados.A IUGS é uma das maiores organizações científicas do mundo. Possui 121 membros que representam mais de um milhão de geocientistas. Mais de 200 especialistas de quase 40 países e dez organizações internacionais que representam diferentes disciplinas das Ciências da Terra participaram da seleção dos locais, num processo desafiador. Ao identificar esses sítios como sendo de alto valor científico, a organização proporciona visibilidade a eles.A escolha, que inclui o Pão de Açucar (RJ) e o Quadrilátero Ferrífero (MG), encheu de alegria a professora doutora do curso de Geologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Federal de Goiás (FCT/UFG) - Câmpus de Aparecida, Joana Sánchez, única representante da América do Sul no grupo de pesquisadores que montou o novo inventário global de geossítios. Caberá a ela fazer a apresentação dos três sítios brasileiros durante a comemoração dos 60 anos da IUGS, entre os dias 25 e 28 deste mês em Zumaia, no Geoparque da Costa Basca (Espanha).“Somos um dos únicos países com três sítios nesta lista. Isso significa que o patrimônio geológico brasileiro é excepcional e irá atrair mais pesquisadores. Vamos ter mais visibilidade para nossas pesquisas. Mesmo sendo um país de terceiro mundo, o Brasil conta com muitas pesquisas pelas universidades que conseguem provar a importância desse patrimônio”, disse Joana Sánchez ao POPULAR. O critério de impacto foi seu trabalho de conclusão de curso no doutorado.Leia também:- Meteorito cai sobre casa e assusta morador na zona rural de Portelândia; vídeo- Chuva de meteoros é registrada em Goiás“A cratera de Araguainha é uma das poucas no mundo que apresentam todas as estruturas preservadas. Existem elementos em seu interior que comprovam de todas as maneiras que ela surgiu do impacto de meteorito”, explica a pesquisadora. A professora da UFG integrou um grupo de mais de 30 avaliadores de sua área em todo o mundo que ajudou a escrever a metodologia para a escolha dos geossítios em projeto aprovado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da qual a IUGS é um braço.AstroblemaO maior astroblema da América do Sul, que cobre uma área aproximada de 1.300 km², e o primeiro do gênero no Brasil, o Domo de Araguainha foi identificado pelo docente do Instituto de Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp), doutor em Geologia Alvaro Penteado Crósta, que estuda a região desde 1978. Suas investigações para a dissertação de mestrado comprovaram que o sítio foi criado pelo impacto de um asteroide com mais de 1 km de diâmetro, há cerca de 250 milhões de anos.Astroblema, explica Álvaro Crósta, é um termo proposto na década de 1960 para indicar uma cratera formada por um meteorito que tenha sido modificada ao longo dos anos. A etimologia da palavra é grega e significa cicatriz deixada por um asteroide. “É uma estrutura circular muito grande. Dentro dela caberia a região metropolitana de São Paulo”, diz o professor. Cerca de 60% está dentro do território mato-grossense, a parte mais acessível, com estradas.O centro da cratera fica entre as cidades de Araguainha e Ponte Branca (MT), e ficou conhecido como Domo de Araguainha em referência aos círculos formados pelas montanhas da área. A estrutura é cortada pelo Rio Araguaia e alcança Goiás mais ao norte de Mineiros, além dos municípios de Doverlândia e Santa Rita do Araguaia. O sítio geológico atrai, há anos, pesquisadores de várias partes do mundo.Circunstâncias evidenciam a colisão Antes dos estudos liderados por Álvaro Crósta acreditava-se que o local era uma formação vulcânica. As estrias e deformações nas montanhas que formam um círculo em torno do núcleo da cratera evidenciaram que ali havia ocorrido uma colisão do corpo celeste contra a superfície da Terra. “A temperatura e a pressão são muito altas nessas rochas e isso não acontece em nenhum outro tipo de fenômeno geológico. Nenhum organismo ou terremoto é capaz de produzir a pressão e a temperatura que o impacto de um asteroide produz. Mesmo que essas rochas sejam desgastadas e erodidas com o tempo, a gente tem evidências que mostram esse fenômeno”, detalha o pesquisador. As pesquisas geológicas no Domo de Araguainha mostraram que as ondas de choque provocadas pela queda do meteorito modificaram a estrutura interna de rochas típicas da região, como os cristais de quartzo e de granito. “Mesmo que essas rochas sejam desgastadas e erodidas com o tempo, a gente tem evidências que mostram esse fenômeno. Uma delas conseguimos ver a olho nu, que é um tipo de estrutura chamada cones ou shatter cones em arenitos que só se forma em crateras deste tipo. E lá tem exemplos muito bonitos desses cones”, afirma Álvaro Crósta. A proposta para que o Domo de Araguainha fosse incluída na lista da IUGS foi feita por Alvaro Crósta e pelos professores da Universidade de Brasília (UnB) Wolf Uwe Reimold e Natália Hauser, seus parceiros de longa data nos estudos no sítio geológico. “Foram propostos 200 lugares de interesse geológico de todo o mundo e escolheram cem. O Domo de Araguainha é a única cratera meteorítica da lista. Foi proposta uma do Canadá e não foi aceita. Recebemos o resultado do processo com muita alegria.” Conforme o pesquisador, apenas onze crateras de impacto são conhecidas em toda a América do Sul, oito delas no Brasil: Domo de Araguainha (GO-MT), Serra da Cangalha (TO), Vargeão (SC), São Miguel do Tapuio (PI), Colônia (SP), Cerro Jarau (RS), Piratininga (SP) e Nova Colinas (MA). Outras duas estão na Argentina (Campo del Cielo e Rio Cuarto) e uma terceira no Chile (Monturaqui). O Domo de Araguainha é a de maior dimensão, possivelmente a mais antiga e a que mais é estudada. Impacto formou montanhasA uma velocidade média de 17 km por segundo, o asteroide atingiu a região no início do período Triássico, há 250 milhões de anos, quando ainda não existiam dinossauros. Eles surgiram milhões de anos depois no período Mesozóico. O astro chegou a 2,4 km de profundidade, modificando todo o cenário. Assim surgiram as montanhas e rochas em formatos intrigantes da região. Minerais que estavam sob o solo, como granito, turmalina, feldspato e hematita, vieram para a superfície, evidenciando ser uma área de astroblema. Na época da colisão os continentes estavam todos agrupados, o chamado Pangeia, circundado por um oceano que hoje é o Pacífico. Os estudos mostram que a região era uma plataforma marítima continental, com sedimentos depositados em seu interior. Todos os seres que viviam nas proximidades foram atingidos pelo impacto, como répteis e anfíbios. Alguns cientistas defendem a ideia de que o asteroide de Araguainha, que provocou terremotos e tsunami, teria relação com o maior volume de desaparecimento de vida no Planeta. Álvaro Crósta é cuidadoso ao falar sobre o tema. “Um impacto desse tipo certamente provocou muitos danos na época. Há registros de cinco grandes extinções de vida na Terra e a maior de todas elas, provocada por eventos globais que atingiram todo o Planeta, foi numa idade próxima à formação dessa cratera entre Mato Grosso e Goiás, mas não acredito que tenha relação. É uma hipótese a ser comprovada.” PoeiraNa época, cerca de 90% das espécies existentes foram eliminadas. A nova evolução biológica deu origem aos dinossauros. E eles desapareceram em razão de um impacto celeste semelhante há 65 milhões de anos, que deixou uma cratera de quase 200 km de diâmetro na Península de Yucatán, no Golfo do México. Um meteoro de tamanho estimado entre 6 e 14 km atingiu a Terra a uma velocidade de 72 mil km/h, provocando um colapso ambiental. Alguns cientistas acreditam que a nuvem de poeira formada pelo impacto foi a grande responsável pela extinção da espécie. Sem a entrada da luz solar na superfície terrestre, as temperaturas caíram e as plantas morreram comprometendo a cadeia alimentar. Expectativa pela preservação cresceCom a inclusão do Domo de Araguainha na lista dos cem Sítios do Patrimônio Geológico da IUGS, a expectativa dos pesquisadores é de que as autoridades tenham a preocupação de preservá-lo. Em 2002, a cratera foi declarada como área de interesse para o estudo da geologia e relevante para o turismo pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos e integra o Projeto Geoparque do Serviço Geológico do Brasill (SGB-CPRM). Ao identificar, descrever e fazer um diagnóstico, o projeto aponta possíveis áreas que poderão se tornar, oficialmente, um geoparque. Mas, até hoje nada foi feito oficialmente. O geoparque do Araripe (CE), onde há pegadas de dinossauros, segue sendo o único do País.“Ali há uma combinação de fatores naturais. O Rio Araguaia na região é muito bonito. Um trecho, estreito e profundo, fica num falhamento geológico. São canyons, dentro das rochas deformadas pelo impacto do asteroide. Na área ainda tem fragmentos de Cerrado, com vida selvagem e muitos pássaros. Uma beleza natural combinada com o fato de ser a maior cratera meteorítica da América do Sul. Suas feições geológicas atraem interesse científico. Escolas podem explicar ali fenômenos planetários causados por este tipo de impacto. São vários aspectos, educacionais, culturais, científicos e turísticos que podem ser explorados no Domo de Araguainha”, destaca Álvaro Crósta. DestaquesUm dos mais conhecidos cartões postais do País, o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, integra um complexo geológico formado ainda pelos morros da Urca e Cara de Cão. Em 2000, durante o Congresso Geológico Internacional de Geologia que ocorreu no Brasil, foi reconhecido como um dos principais sítios geológicos do mundo por ser o ponto de colisão e fusão/amalgamação dos continentes africano e sul-americano, que formaram o supercontinente Gondwana no seu lado ocidental. “Ele marca a colisão da África com o Brasil, antes da separação. Tem importância geológica pela nossa história de evolução e das danças dos continentes”, explica Joana Sanchez. Ocupando uma área aproximada de 7.000 km² na região centro-sul do estado, entre as cidades de Belo Horizonte e Ouro Preto, o Quadrilátero Ferrífero (MG)é reconhecido como uma das maiores províncias minerais do Planeta e importante terreno pré-cambriano - a mais antiga e longa das Eras Geológicas, que se estende desde a formação da Terra, há aproximadamente 4,5 bilhões de anos, até 570 milhões de anos atrás. “É um dos únicos lugares do mundo de formação ferrífera bandada. O outro, na África, é correspondente à nossa. As primeiras bactérias encontradas no Planeta estavam nessas formações, a nossa origem mais antiga”, ressalta a pesquisadora da UFG. -Imagem (1.2545628)