A educação infantil da rede privada de Goiás perdeu 31,55% das matrículas nos últimos três anos. A queda também observada na rede pública inverteu um cenário de acréscimos ininterruptos observados desde 2014. Segundo especialistas e profissionais do setor, o fenômeno foi causado pelos efeitos da pandemia da Covid-19, que impôs obstáculos financeiros e sociais para famílias e escolas.Os números são das edições do Censo Escolar de 2019, 2020 e 2021, que foram avaliados conjuntamente pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). Além da perda na educação infantil, que inclui creche e pré-escola, os dados do Censo mostram que o ensino fundamental segue perdendo estudantes matriculados anualmente. Em todos estes níveis, as maiores perdas estão concentradas na rede privada (confira o quadro).Entre as creches particulares, espaços voltados para crianças de zero a três anos, a perda foi de 41% na comparação de 2019 com 2021. A etapa não é obrigatória, sendo esta característica uma das possíveis explicações, conforme avalia o diretor de Desenvolvimento do Controle Externo da Atricon, Fabrício Motta. O diretor faz parte do Gabinete de Articulação para Enfrentamento da Pandemia na Educação Pública (Gaepe), que avalia os números da educação de Goiás ao longo dos últimos meses.“Como não é uma matrícula obrigatória, pode ser que muitos pais tenham chegado à conclusão de que como o filho não estava indo presencialmente, apenas eventualmente participando de uma atividade a distância, o que inclusive nesta faixa etária é algo difícil, optaram simplesmente por retirar”, avalia Motta. O conselheiro chama atenção para os dados e afirma que caso os impactos fossem apenas financeiros, haveria uma compensação numérica na rede pública, o que não ocorreu.A pré-escola, etapa obrigatória voltada para crianças de 4 e 5 anos, também contabiliza redução significativa na rede privada: 26,1% negativos. Nesta fase, as redes municipais registraram acréscimo de 2% no período. Na média entre todas as redes, a queda de matrículas ficou em 8%. Em novembro do ano passado o POPULAR mostrou que, apesar do que prevê o Plano Nacional de Educação (PNE), apenas 75% das crianças estavam na pré-escola, longe dos 100% estabelecidos pelo PNE como meta a ser alcançada ainda em 2016.Leia tambémFGTS poderá ser usado para pagar crechePra fechar o dia: A gente sabe que a crise é braba quando até as crianças somem da crecheA redução de matrículas também tem relação com o fechamento de unidades escolares particulares nos últimos dois anos. Em reportagem publicada no último sábado (7), o POPULAR mostrou que 240 escolas privadas de Goiás foram fechadas durante a pandemia. A presidente da Associação das Instituições Particulares de Ensino de Goiás (Aipeg), Eula Wamir, diz que de perto observou os impactos das perdas financeiras das famílias. Com menos alunos na retomada, escolas endividadas não conseguiram se manter, sendo que muitas ainda estão em risco de fechar.A menor quantidade de matrículas não significa uma queda na procura. Em Goiânia, o conselheiro Tutelar Junior Borges Leite, que atua na região Noroeste da capital, diz que tem visto crescer, mês a mês, a busca por vagas. “São vários os desafios. Muitas famílias chegaram em Goiânia durante a pandemia, outras que já moravam na cidade retiraram os filhos da rede privada”, cita o conselheiro.O presidente do Sindicato de Estabelecimentos Particulares de Ensino de Goiânia (Sepe), Flávio Castro, diz que o setor observa uma recuperação. Ainda assim, diz que não é fácil reabrir instituições recentemente fechadas. “Com o aumento da procura podemos ter a abertura de novas instituições”, afirma Castro. Para o representante, faltaram políticas públicas voltadas para manter as unidades particulares vivas, já que elas representam parte significativa da rede de atendimento.“Desde o início isso já nos preocupava muito. Principalmente na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental, em que nós sabemos que as famílias dependem de ter um lugar seguro para deixar as crianças para poderem trabalhar”, lembra o presidente do Sepe.FundamentalO ensino fundamental também registrou uma queda de matriculados entre todas as redes. Entretanto, a queda de 13 mil matrículas nos últimos três anos acompanha tendência já observada nas edições do Censo Escolar desde 2014. O conselheiro Motta diz, porém, que os dados devem ser encarados como indicadores pelas gestões públicas, já que os mesmos podem significar evasão escolar.O professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFG, Nelson Amaral, destaca que é necessário observar os números com cuidado. Para Amaral, há a possibilidade de que a queda específica no ensino fundamental esteja sendo causada por redução populacional da faixa etária. Ainda assim, diz que caso seja levantado que o fenômeno tenha relação com evasão, os riscos são graves.Isso porque, explica o pesquisador, a educação é um componente de grande impacto no desenvolvimento humano. Assim, caso esteja havendo interrupções de anos de escola, essas descontinuidades podem causar impactos complexos de longo prazo. “Isso pode ter repercussão durante muito tempo. A criança perder um ano pode significar mais de um ano de processo até que ela se recupere”, explica.ONG que pautar melhorias Em meio a divulgação dos dados do Censo Escolar, a Caravana Educação Já, da Organização Todos Pela Educação, chega a Goiânia nesta terça-feira (10) buscando impulsionar discussões sobre a educação. A organização realiza uma jornada pelas diferentes regiões brasileiras para ouvir e mobilizar atores locais em nome da causa da Educação Básica.Nesses dois dias, a equipe do Todos cumprirá programação que inclui conversas com a comunidade escolar, encontros individuais com os principais candidatos ao governo estadual e diálogo com formadores de opinião, entre jornalistas, empresários e influenciadores digitais.Lideranças do Todos apresentarão aos pré-candidatos aos governos estaduais e atores políticos, um conjunto de propostas consolidadas no documento Educação Já 2022. Lançado oficialmente durante o Encontro Anual Educação Já 2022, o documento é uma iniciativa coordenada pelo Todos, com a participação de especialistas, profissionais e organizações do campo educacional, visando subsidiar o poder público com diagnósticos detalhados e soluções concretas em dez temas estruturais.“Esta é uma iniciativa inédita de articulação política e mobilização social em torno de um assunto que não pode mais ficar para depois”, afirma Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, que lidera as caravanas ao lado do diretor-executivo do Todos, Olavo Nogueira Filho.-Imagem (1.2453295)