Os cartórios de Goiás registraram um aumento de 22% na validação de documentos de goianos para viver no exterior, quando comparados o segundo semestre de 2020 e o de 2021. A principal motivação dessas pessoas é o descontentamento com as condições de vida no Brasil e a esperança por um estilo de vida melhor em outros países.O aumento foi verificado nos atos de apostilamentos, serviço de validação de documentos escolares e de dupla cidadania feitos em cartórios. Entre junho e novembro de 2021, foram realizados mais de 12,9 mil, enquanto no mesmo período do ano passado foram validados 10,6 mil.“Sentimos esse aumento. Acredito que estamos falando de pessoas que estão procurando melhores oportunidades de vida levando em consideração o contexto da Covid-19 e a situação econômica do Brasil”, diz Alex Braga, presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Goiás (CNB/GO).Em 2020, os documentos apostilados referentes a quem desejava estudar ou tirar dupla cidadania representavam 52% do total de atos praticados, enquanto em 2021 já representam 63% das solicitações. “Isso é bom, pois significa que temos vários brasileiros que estão se organizando para ir para fora da maneira mais segura possível”, diz Braga.De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores, o número de pessoas morando fora do país aumento 20% de 2018 para 2020. São pelo menos 4,2 milhões de brasileiros vivendo como imigrantes, maior número desde 2009. Entretanto, o número ainda é subnotificado, levando em conta que o registro consular de nacionais no exterior não é obrigatório e que muitas pessoas saem do Brasil e entram em outros países ilegalmente.MigraçãoO advogado e mestrando em Direitos Humanos na Universidade Federal de Goiás (UFG) Felipe Aquino explica que o movimento migratório aumenta quando existe uma insatisfação por parte da população do país de origem com a qualidade de vida no local.O especialista acredita que a gestão das políticas públicas, especialmente aquelas relacionadas à saúde, e o agravamento da crise econômica no Brasil foram preponderantes para fazer com que milhares de brasileiros decidissem deixar o Brasil.“Nós moramos em uma país onde a energia elétrica já está na segunda bandeira, o gás de cozinha e a gasolina estão atingindo preços exorbitantes, além de estarmos vivendo uma alta inflação e também um alto índice de desemprego. É natural que as pessoas procurem saídas e a migração é uma delas”, esclarece.Dentre os países, os mais procurados pelos brasileiros são os Estados Unidos (1,7 milhão de brasileiros) e Portugal (276,2 mil brasileiros). Aquino aponta que a tendência é que os emigrantes procurem locais onde as oportunidades de trabalho e qualidade de vida estão superiores às do Brasil.“Portugal, por exemplo, soube lidar muito bem com o avanço da Covid-19 e conseguiu atingir uma alta cobertura vacinal. Além disso, enquanto a taxa de desemprego em Portugal está em 8%, aqui no Brasil chega´ aos 12%”, justifica o especialista.Além da questão econômica motivar a saída dos brasileiros do país, Aquino diz que a influência de outras pessoas também pode causar isso. “Eu estudo o movimento migratório de venezuelanos para Goiás e o que chamamos de ‘redes sociais’ influencia muito. São, por exemplo, amigos que se mudam para outro país e acabam validando e encorajando a ida de outras pessoas do mesmo circulo para aquele local”, esclarece o advogado.Aquino alerta para o fato de que a migração também pode ser um processo difícil. “Existe toda uma barreira cultural e, em alguns casos, linguística, que precisa ser enfrentada. Muitas pessoas vão sozinhas e têm que enfrentar o desafio de conseguir um emprego. Tem todo um processo de adaptação que precisa ser avaliado”, reflete.Mesmo assim, ele acredita que a situação é mais complicada para os brasileiros que continuam no país. “Quando as pessoas vão embora, perdemos mão de obra, muitas vezes qualificada. Na prática, isso retarda o crescimento econômico que tanto precisamos e mais pessoas acabam indo embora do país”, afirma. Migração ilegal implica riscos em relação à permanência no paísCom o aumento da migração de brasileiros para outros países, existe também o crescimento do número de pessoas que se arriscam a entrar e permanecer sem o visto adequado, ou seja, ilegalmente, fora do país. A especialista em Direito Internacional e vice-presidente da Comissão Especial de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB/GO), Maressa de Melo, explica que essas pessoas correm o risco de serem deportadas a qualquer momento. “Eles vivem em constante insegurança, e sofrem com a falta de liberdade. A pessoa não pode trabalhar de forma legal, e acaba sendo alvo de trabalhos exploratórios, uma vez que não tem permissão para trabalho regulamentado.”Além disso, ela chama a atenção para o fato de que, em alguns casos, o próprio processo de migração pode fazer com que a pessoa corra risco de vida, como acontece com aqueles que tentam entrar nos Estados Unidos ilegalmente, por meio dos chamados “coiotes”. ”Eles cobram valores altíssimos em dólar para atravessar a pessoa de forma irregular. Essa travessia leva dias, e, na maioria das vezes, as pessoas passam dias sem se alimentar, fugindo das polícias das fronteiras, correndo o risco de serem mortos a qualquer tempo. Isso sem falar da possibilidade do tráfico de seres humanos, que movimenta milhões de dólares”, enfatiza.De outubro de 2020 a setembro de 2021, 56,8 mil brasileiros foram detidos após cruzarem a pé a fronteira com o México. Em 2019, no mesmo período, de acordo com a agência americana de proteção de fronteiras, foram 17,8 mil.Para se mudar do Brasil de forma regular, é necessário ter um passaporte válido com visto específico aprovado. A pessoa pode, por exemplo, se mudar para estudar ou porque conseguiu um trabalho em outro país. “Não é algo que se faz da noite para o dia. É preciso sem amparar na ajuda de bons profissionais. É um processo que exige um alto investimento de tempo e dinheiro”, afirma a especialista. Advogada ganha chance de fazer mestrado no exteriorQuando a oportunidade de fazer um mestrado em Direito Empresarial em Portugal apareceu para a advogada Ana Lídia Europeu Omena, de 27 anos, ela não pensou duas vezes em preparar tudo e partir com o marido e a filha de um ano e cinco meses para um novo país. Ela, que morava em Anápolis, está em Lisboa desde setembro deste ano e irá morar por dois anos, no mínimo, em Portugal. “O que mais pesou foi a educação da nossa filha. Aqui conseguimos dar oportunidades melhores para ela. Além disso, a situação econômica do Brasil também pesou muito. Aqui (em Portugal), faço uma compra com 40 euros que dura duas semanas. No Brasil, você vai no mercado com R$ 100 e não dá para nada”, conta. Ana Lídia afirma que no final do mestrado irá avaliar se ela e a família vão voltar para o Brasil ou se irá continuar em Portugal ou até mesmo se mudar para outros país. “A situação que o Brasil estiver irá pesar muito. Queremos ter qualidade de vida”, pondera.Mesmo animada com os primeiros meses morando no novo país, Ana Lídia afirma que morar fora não é fácil. “Não podemos romantizar essa situação. Sinto muita saudades dos meus avós, que me criaram. Minha mãe mora na Suíça há 25 anos e vai passar o Natal conosco este ano. Mesmo com esse apoio, ainda precisamos passar por um processo de adaptação que não é simples”, diz.De acordo com ela, para morar fora do país é preciso estar disposto a abrir mão de diversas coisas. “A pessoa precisa entender que no final das contas sempre será um imigrante ali. Existe muita renúncia envolvida nesse processo.”Casal faz as malas em busca de mais qualidade de vidaHá menos de uma semana, o advogado Tobias de Pina, de 27 anos, e o marido Marco Isecke, de 29, se mudaram para Portugal. Eles foram para o país por conta de uma oportunidade de emprego que Marco, que é programador, recebeu. “Ele já morou na Irlanda e queria voltar para a Europa. Eu tinha saído do meu emprego e topei”, diz. O casal não pretende ficar no país por tempo indeterminado. “No Brasil, a gente trabalha, trabalha e trabalha e não temos retorno. Aqui, temos uma qualidade de vida melhor. Conseguimos receber um salário que nos permite ter qualidade de vida, viajar e viver outras experiências”, explica. Tobias morava em Anápolis e trabalhou na mesma empresa por cinco anos. Neste momento, ele se diz aliviado e empolgado. “Parece que tirei um peso. Do ponto de vista de trabalho e de qualidade de vida, me sinto muito bem com a decisão que tomei”, relata.Ele conta que ficou ansioso antes de se mudar. “Fiquei com medo de algo dar errado com o visto, por exemplo”, relembra. Agora, ele se prepara para procurar um novo emprego em Portugal. “Sei que poderia talvez poderia ter encontrado algo na minha área no Brasil. Sei que aqui posso não ter o emprego dos sonhos, mas pensei muito antes de vir”, esclarece. Até o momento, o único ponto negativo tem sido a distância das pessoas amadas. “Eu amo demais o Brasil. É um país maravilhoso. Apesar da saudade da família, dos meus amigos e de achar que muitas coisas vão fazer falta, optei por isso de forma consciente”, afirma. -Imagem (1.2369892)