Não ter mais o vírus no corpo não é garantia do fim de problemas de saúde. Mesmo após a cura com o exame negativado, pacientes que tiveram o coronavírus (Sars-CoV-2) podem apresentar a persistência dos sintomas, sequelas por conta de lesões no pulmão e outros órgãos, além dos efeitos colaterais de internações prolongadas, nos casos mais graves. A procura destes pacientes pelo chamado tratamento pós-covid tem chegado às redes pública e privada de Goiás.“A demanda é muito grande”, conta a fisioterapeuta e pesquisadora Alessandra Carneiro Dorça, que tem recebido muitos pacientes pós-covid para reabilitação respiratória em seu instituto, em Goiânia. Ela explica que muitas pessoas que já tiveram coronavírus apresentam cansaço, falta de ar e dor no peito, incluindo casos que não precisaram de internação. Isso ocorre por conta do comprometimento do pulmão que a doença provoca.A especialista defende que o paciente precisa procurar um tratamento na primeira semana após a doença. “Conseguimos intervir melhor neste momento, porque depois a fibrose pode se instalar totalmente e não adianta. A pessoa vai ter de conviver com aquela dificuldade respiratória”, alerta.A presidente do Conselho Municipal de Saúde de Goiânia, Celidalva Bittencourt, conta que esta demanda de pacientes pós-covid já tem chegado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ela conta que já há casos de pacientes que precisam voltar para as unidades de saúde para consultas e exames para sanar efeitos colaterais do vírus.“Acontece que os pacientes não ficam só com sequelas no pulmão. Ficam com sequelas no coração, fígado, neurológicas. Dependendo do caso, ficam com vários tipos de sequelas”, explica a conselheira. De acordo com ela, esta demanda vai de encontro à suspensão dos procedimentos eletivos, que não são de urgência ou emergência. “Então, infelizmente, estes pacientes estão ficando de certa forma desprotegidos de atendimento.”Subir escadasO biomédico Rogério Evaristo, de 45 anos, está há três semanas realizando sessões diárias de fisioterapia respiratória na clínica de Alessandra. Ele teve Covid-19 e ficou com um comprometimento do pulmão inferior a 50%. Não precisou ser internado, mas foi monitorado com rigidez por telemedicina com algumas idas ao hospital. Mesmo depois de testar negativo, continuou tendo algumas dificuldades respiratórias e apresentou pneumonia. .“Quando eu saí da doença, subia um vão de escada e meu coração ia a 120. Ficava muito ofegante quando conversava porque não tinha reserva pulmonar nenhuma” relata o paciente, que hoje já apresenta melhoras.Entre os procedimentos que são feitos nesta reabilitação do pulmão depois do coronavírus, está a prática de exercícios de pressão positiva, que ajudam o paciente a inspirar e aumentar a capacidade pulmonar. “Gera uma pressão dentro do pulmão e acaba favorecendo a abertura de algumas áreas que estão fechadas, colapsadas”, explica a fisioterapeuta Alessandra.Rogério relata que tem muitos colegas que pegaram a doença e também passaram por esses sintomas após o coronavírus. No entanto, ele diz que aqueles que procuram o tratamento de reabilitação tem apresentado uma melhora mais rápida. “Eu saí da doença há um mês e já estou no trabalho, subo escada sem ficar sufocado, ofegante. Vejo pessoa com um mês que continuam com dor nas costas, bastante limitação de fôlego, sem energia”, conta o biomédico.CausasA diretora técnica do Hospital de Campanha de Goiânia (HCamp), a médica infectologista Marina Roriz Pedrosa, explica que os órgãos do paciente com Covid-19 podem ser prejudicados de três formas diferentes: pela ação direta do vírus; pela cascata inflamatória, uma ação do corpo para proteger que pode gerar uma inflamação muito intensa; e pela embolização da microcirculação, que é a chamada trombose (veja quadro).Marina diz que mesmo pacientes que não ficaram em estado grave quando estavam com o vírus, podem apresentar a persistência de sintomas. “Cada organismo reage de um jeito, se recupera de um jeito. Pode ficar mesmo com sintomas residuais, que pela própria constituição da pessoa demora um pouco mais se recuperar.”Por nota, a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia informou que o paciente com sintomas persistentes após a alta deve marcar uma consulta através da central de agendamento e consultar com um clínico geral em uma Unidade Básica que irá avaliar a situação e, se necessário, encaminhar a um especialista. Coração é preocupação para cardiopatas ou nãoAssim como pacientes que já tiveram a Covid-19 têm procurado o acompanhamento médico por conta da persistência de sintomas respiratórios, o mesmo ocorre com problemas relacionados ao coração. É o que conta o médico cardiologista Milton Cesar Ferlin de Moura, que tem atendido pacientes no chamado pós-covid, que receberam alta. “Inicialmente se pensava apenas na preocupação do pulmão, que tem alteração característica, processo inflamatório, provocando pneumonia. Mas o vírus pode atuar praticamente em todos os órgãos humanos”, relata o profissional. Segundo o médico, os pacientes que já eram cardiopatas antes de adquirir o vírus podem apresentar uma piora da doença cardíaca depois da doença. “Depende muito da vulnerabilidade de cada organismo. A gente começa a observar que a Covid-19 exacerba a vulnerabilidade que a pessoa já tem. Intensifica isso”, descreve. No entanto, pessoas que não têm estes problemas pré-existentes podem desenvolvê-los depois da Covid-19. “Às vezes ele (paciente) passa tranquilo (pela doença) e depois começa a apresentar outros sintomas, dependendo da evolução de cada caso”, explica o cardiologista. Milton defende que todo paciente internado deve ser sempre monitorado, com acompanhamento cardíaco. “Principalmente em unidade de terapia intensiva. Este paciente tem de estar monitorado 24 horas.”Depois do pulmão, complicações cardíacas em pacientes Covid-19 têm sido comuns no Hospital de Campanha (HCamp) de Goiânia. Por conta disso, a unidade conta a cobertura de cardiologista e monitoramento desses pacientes com exames como eletrocardiograma e medicamentos como corticoides e anticoagulantes, para evitar a piora, segundo a diretora técnica do hospital, a médica infectologista Marina Roriz Pedrosa. A profissional conta que há casos de pacientes que chegam a enfartar, mas ela lembra que inflamações no coração também ocorrem em pacientes que não estão com estado de saúde grave. “A miocardite, inflamação dos músculos cardíacos, pode acontecer em pacientes que não chegam a internar, mas geralmente cursa com dor intensa, sintomas que acabam levando à internação. Às vezes está em casa, sintomático, sente dor muito forte no peito, vai ao pronto-socorro e diagnostica (a miocardite)”, explica a médica. No entanto, ela pondera que a dor no peito também pode indicar um esforço respiratório ou lesão pulmonar. Dificuldade para fazer faxinasMoradora da Região Noroeste de Goiânia, a professora Dorcas Oliveira dos Santos, de 40 anos, teve coronavírus, se recuperou e já está no 26º dia desde os primeiros sintomas. No entanto, ela ainda convive com alguns sintomas da doença que não foram embora completamente: cansaço e dor nas costas. “Ainda sinto um pouco de cansaço, fraqueza para fazer as coisas e dor nas costas. Se eu limpar a casa, por exemplo, limpo em etapas, primeiro uma parte. Sinto aquela moleza, sento um pouco. Volto a fazer mais um coisinha e descanso mais um pouco. Faço mais lentamente”, relata Dorcas. A professora relata que embora incomode, ela consegue conviver com os sintomas. Além disso, já teve de frequentar unidades de saúde durante a doença e não quer ter esta indisposição novamente, a não ser que o caso se agrave. “A gente não tem plano de saúde e ir ao Cais só para ter resposta? Lá tinha muita gente infectada, o dia que eu fui.”Quando estava com o vírus, Dorcas teve sintomas como diarreia, vômito, dor de cabeça e no corpo. Na ocasião, o marido, que trabalha em um hospital, apresentou sintomas gripais. Enquanto aguardava o resultado do teste do tipo RT-PCR do esposo, foi a uma unidade de saúde, onde foi diagnosticada de forma errônea, como sendo um caso de dengue. “Depois de três dias tive de voltar, o médico fez exame de sangue e constatou que não era dengue”, lembra a professora. Quando o resultado do exame do marido saiu positivo, depois de mais de 10 dias de espera, o profissional de saúde que atendia a família considerou que Dorcas também tinha coronavírus. Ela também apresentou uma infecção urinária, que pode ter sido uma causa indireta da Covid-19, de acordo com avaliação médica. Amiga de Dorcas, a cabeleireira Flávia Teles de Souza, de 38 anos, também relata situação semelhante. Ela está no 14º dia desde os primeiros sintomas e ainda sente tontura, dor nas pernas, fraqueza e perda do paladar. O esposo, que está no 20º dia desde os primeiros sintomas, ainda reclama de cansaço nas pernas e enfado com pequenas tarefas. Internação longa tem efeitosAlém dos problemas causados pelo vírus, pelas inflamações de resposta à doença e pelas tromboses, os pacientes mais graves de Covid-19 podem ter complicações devido a longos períodos de internação, principalmente em unidades de terapia intensiva (UTIs) e quando há ventilação invasiva. “O paciente entubado muito tempo fica com dificuldade de engolir, comer sozinho, para falar. Às vezes fica com muita fraqueza, porque ele perde massa muscular, fica muito tempo sem movimentar”, explica a diretora técnica do HCamp, a médica infectologista Marina Roriz Pedrosa. Para melhorar esta recuperação, as UTIs contam com profissionais de fisioterapia. Este paciente pode precisar de reabilitação após receber alta, como terapia ocupacional, fisioterapia e fonoaudiologia. “A gente faz fisioterapia para minimizar, tentar evitar ao máximo, mas às vezes acontece de ficar sequela.”Atualmente, segundo Marina, são usadas priorizadas técnicas de ventilação não invasiva para tentar retardar a necessidade de entubar o paciente.