A derrubada de 86 árvores em um terreno de aproximadamente 5 mil metros quadrados (m²), no encontro da Avenida 136 com as ruas 132 e 148, no Setor Marista, em Goiânia, provoca indignação em moradores do bairro. A ação também preocupa especialistas com a possibilidade de aumento dos danos advindos das perdas de vegetal e de permeabilidade do solo. O local é estudado para ser uma construção horizontal destinada a comércio e conveniência.A preocupação é motivada principalmente por causa do possível aumento na ocorrência e intensidade de alagamentos ao longo do Córrego dos Buritis. O manancial, que tem oficialmente a nascente situada dentro do Clube dos Oficiais tem ao longo do próprio curso, conforme apurado pelo POPULAR, pontos já críticos em relação ao acúmulo de água. Nestes locais há registros de prejuízos ao trânsito, inclusive com carros tomados pela água.Dois destes locais vizinhos ao Córrego dos Buritis, que tem grande parte dele canalizada, estão na lista de pontos críticos de alagamentos em vias públicas de Goiânia. O documento foi elaborado pela Defesa Civil de Goiânia. São eles a Rua 87 com Avenida Cora Coralina e Rua 132, no Setor Marista, e a Avenida Assis Chateaubriand, nas imediações do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (veja quadro).A derrubada das árvores foi feita com autorização legal da Amma e compensação ambiental realizada com a doação de mais de 3 mil mudas de árvores nativas do Cerrado à agência.No terreno, havia árvores de 15 espécies diferentes. Elas faziam com que a velocidade da água que cai da chuva fosse reduzida. Além disto, o solo permeável permite a infiltração. “Quando você constrói, a água vai passar a correr mais rápido. Isto pode levar a aumentos de pontos com enxurradas, como na Avenida 87”, explica o diretor técnico da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (Arca), Gerson Neto.Doutor em Geografia, o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Romualdo Pessoa corrobora do mesmo entendimento do diretor da Arca. “A situação é absurda. Mesmo que não houvesse nascente no local, vendo todos esses problemas por falta de capacidade de absorção da água. À medida que você destrói áreas verdes em Goiânia, está ampliando e muito o problema da drenagem. A água deixa de ser absorvida e vai correr em enxurrada para áreas mais baixas, principalmente o Córrego Botafogo”, alerta.Leia também:- Goiânia registra novos pontos de alagamento- Nova rede de drenagem quer mitigar alagamento no Lago das Rosas e Zoológico- Chove em 1h em Goiânia o que era esperado para 5 diasTitular da Delegacia Estadual do Meio Ambiente (Dema), Luziano Carvalho pontua que a situação é fundamental para o meio ambiente. “Lá é uma área de relevância e valor ecológico. É importante para a recarga do lençol freático e não poderia haver construções ali.” Luziano afirmou ao POPULAR que pediu o relatório da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) que serviu de base para a licença de corte das árvores. O delegado acompanha o caso, mas ainda não abriu inquérito.A Associação Pró Setor Sul (Aprosul) afirma que o terreno abriga nascentes. Uma manifestação popular está marcada para a próxima sexta-feira (24) às 18h, no terreno da Avenida 136. “Requerimento foi fundamentado no fato de o edital de licitação omitir informações sobre os riscos ambientais que podem advir, caso as nascentes sejam obstruídas por edificações”, afirma a associação em material distribuído à imprensa.Carvalho considera que o local é uma área de preservação permanente (APP) por abrigar nascentes difusas. O professor da UFG, que coordena um programa de catalogação de nascentes em Goiânia, afirma que os estudantes dele identificaram a nascente do Córrego dos Buritis dentro do clube, mas adverte que pode ser que com as mudanças na região, as mesmas teriam “morrido”. “Elas deixam de brotar, até por causa da maneira como o ser humano faz intervenções, mas se houver recuperação ambiental, elas podem voltar a brotar. Isso é corriqueiro” , pontua Pessoa.O diretor da Arca afirma ter relatos de que no local há brotamento d’água e explica que a área já foi um campo de futebol. “Como o espaço pertencia à União, eles tiveram de desocupar. Pela própria ação natural, a área se recuperou com as árvores ao longo do tempo.” Em nota, a Amma afirma que o terreno não é uma APP.A área é caracterizada pelo Plano Diretor de Goiânia como Área de Ocupação Sustentável (AOS), onde é permitida a instalação de vários tipos de comércio varejista, como supermercado. No entanto, a ocupação máxima que pode ser autorizada para o terreno é de 40%. Isso permite, no entanto, que o estacionamento, desde que permita infiltração da água, seja considerado como área permeável, e por este motivo estaria fora dos 40%. Esta não é a primeira vez que o Córrego dos Buritis tem a área de influência objeto de perda da qualidade ambiental. Um relatório da Dema, de 1999 apontou riscos para o manancial. Havia registro de esgoto e lixo despejados ao longo da região do curso d’água. O documento já alertava para o aumento dos alagamentos.DestinaçãoO terreno pertencia à União. No entanto, foi leiloado pelo governo federal no ano passado, mesmo diante de um questionamento judicial da Aprosul. A venda fez parte de um programa idealizado pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes. Hoje ele é da IS Marista SPE. A empresa recebeu investimentos de um fundo imobiliário da gestora de investimentos Highpar, que tem foco no mercado imobiliário. “As árvores suprimidas não eram compatíveis com o projeto do empreendimento e tinham autorização para sua supressão, e algumas até apresentavam risco de queda”, argumentou a dona da área, por meio de nota.Ainda conforme a empresa, o projeto em estudo para uso da área é para uma construção horizontal destinada para comércio e convivência. O local abrigaria serviços de mercado, gastronomia e lazer.O local já teve, em 2022, a solicitação de dois usos do solo. Como os documentos valem pro até 180 dias a partir da emissão, nenhum deles teria validade hoje. Um deles se destinava a comércio. O outro tinha entre as descrições habitação. ()-Imagem (1.2619538)