Desde o início da pandemia, mais de 11 mil pessoas infectadas com o coronavírus (Sars-CoV-2) em Goiás foram internadas em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Estado. Em média 80% precisam ser entubadas a fim de garantir uma chance de sobreviver. Porém, no total, 6.203 (55,18%) não resistiram após internação na UTI.Agora, as filas à espera de leitos e uma variante ainda mais agressiva do vírus têm resultado em UTI mais necessária, tempo maior de internação e escassez de medicamentos na rede privada. Para os médicos, o desafio de realizar a entubação, um procedimento complexo, que exige cuidados, aumentou.Károly Gyula Olivas Hunkár, de 45 anos, é coordenador do pronto-socorro e diretor clínico do Hospital Santa Maria, em Goiânia, uma das unidades particulares que atendem pacientes com casos suspeitos ou confirmados de Covid-19. Ele explica que, no início da pandemia, a entubação ocorria mais cedo, agora, a tentativa é o contrário, retardar o processo. Para os pacientes que não conseguem ventilar o mínimo sozinho ou mesmo com ajuda de ventilação não-invasiva (VNI), é necessário entubar. Explica ainda que a alta mortalidade nesses casos ocorre porque são muito graves num contexto geral. Isso porque a inflamação não se limita aos pulmões, mas afeta rim, vasos sanguíneos, coração, cérebro, intestino e até mesmo pele.“Temos conseguido tirar pacientes com lesões gravíssimas de 90%, 95% com VNI, tanto com máscara quanto com interface. Jogamos uma pressão positiva nos pulmões, sem precisar de entubação, mas o paciente precisa ser muito colaborativo para aceitar”, completa o médico. Hunkár classifica a entubação como intensa e problemática. Cita que o risco de contaminação da equipe é maior neste momento e que a resistência dos infectados ao medicamento é grande, o que ele atribui à angústia respiratória.Nesta semana, O Popular publicou reportagem sobre a falta de medicamentos para sedação, que já começa a atingir os hospitais do interior e também os particulares da capital. O diretor do Hospital Santa Maria explica que essa tem sido uma das maiores preocupações dos profissionais da saúde. “Os paciente brigam com o respirador se eles não estão sedados corretamente, e podem até se extubar (retirar o equipamento). O que vai provocar piora dele e até levar à morte em segundos. A falta dos medicamentos no mercado está sendo a nossa maior angústia e quando encontramos, os preços estão inviáveis”, lamenta.Nova cepa Considerada mais contagiosa e possivelmente agravante para casos mais graves, a nova cepa do coronavírus, variante de Manaus e chamada tecnicamente de P.1, foi encontrada em 98% das amostras coletadas na capital. Hunkár explica que, com esta nova variante, pacientes saem de lesões relativamente pequenas do pulmão, em torno de 20% a 30% e, em dois ou três dias, alcançam 80% a 90%. “Já estamos apreensivos com a gravidade desses pacientes, e praticamente impotentes com alguns casos. Vai ser uma luta ainda muito desigual e, pior ainda, se faltarem as nossas armas, que são os remédios para manter os pacientes em sedação profunda. Muito triste essa situação. Que Deus tenha piedade de nós”, clama.Professora foi entubada no pronto-socorroMaria Emilia de Castro Rodrigues, de 56 anos, era professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e foi uma das 31 perdas da instituição para a Covid-19. Mas a sua luta não foi apenas contra a doença. Ela passou por uma busca incessante de leito de UTI, chegou a ser entubada em uma sala do pronto-socorro do Hospital Santa Helena, em Goiânia, e, quando finalmente a vaga foi encotrada, faltava oxigênio na unidade. No dia 8 de março, ela partiu. A filha, também professora, Tchérina de Castro Rodrigues, de 36 anos, conta que na primeira tomografia da mãe, depois de uma semana de sintomas leves, apresentava comprometimento pulmonar de 25%. Inicialmente os exames de sangue não apontavam para Covid-19, mas a tomografia dizia o contrário. Assim, o médico pediu a internação. No dia seguinte, 2 de março, ela apresentou melhora e o pulmão estava comprometido em apenas 15%. Em menos de 24 horas as crises de tosse começaram e foram se intensificando. Assim, iniciaram o oxigênio por um cateter no nariz. No dia 5 ela já não conseguia se levantar da cama, diarreia agravou, o pulmão já apresentava comprometimento de 75%. A indicação, a partir daí, foi de transferência para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Informaram, entretanto, que não havia vaga no hospital e ela não podia ficar no quarto por não haver os aparelhos dos quais ela necessitava. Ela seria encaminhada para a sala de emergência do pronto-socorro, por ser um ambiente melhor equipado, porém ainda mais precário que a UTI, mas que atenderia as necessidades mais urgentes dela naquele momento”, explica a filha. À noite informaram que ela estava bem agitada e precisava de um acompanhante. Tchérina de Castro conta que encontrou a mãe no mesmo lugar, com uma máscara apertada no rosto. Diz que Maria Emilia era claustrofóbica e por isso tentava retirar a máscara. Quando se mexia, também retirava o oxímetro do dedo. Durante toda a noite, ela recolocava tudo no lugar e tentava acalmar a mãe, que já recebia 11 litros de oxigênio. No sábado, dia 6, ela foi entubada ainda na sala de emergência do pronto-socorro. A família chegou a entrar com um mandado de segurança solicitando a vaga de UTI, mas descobriu-se que ela não aguentaria uma transferência. Quando a vaga saiu no próprio hospital, outro problema: “Não havia bala de oxigênio cheia, apenas já usada, o que impossibilitava a transferência imediata dela para a UTI”, recorda. Pronação exige sedação potentePronação é quando o paciente é virado de barriga para baixo. A prática se tornou popularmente conhecida desde o início da pandemia do coronavírus (Sars-CoV-2). O objetivo é ajudar na respiração, porque a posição do corpo permite melhor ventilação dos pulmões. Para isso, entretanto, a sedação precisa ser potente. Caso contrário, o paciente não consegue ventilar da forma ideal e pode estourar os pulmões. Entre os desafios atuais, está a escassez de medicamentos de sedação, que também ocorreu na primeira onda da doença. O médico Károly Gyula Olivas Hunkár, que atua como coordenador do pronto-socorro e diretor clínico do Hospital Santa Maria, na capital, diz que a pronação é realizada pela equipe de fisioterapeutas com auxílio da enfermagem e que os trabalhos têm acontecido de forma incansável. “A pronação é a maior arma que temos para ajudar a tratar o paciente com Covid-19. Se a sedação não for potente, além de barotrauma (estourar os pulmões), o paciente pode se machucar de outras formas, como pneumomediastino, que é o acúmulo de ar dentro da caixa torácica, entre o pulmão e o coração. Além disso, temos lesão de traqueia e cordas vocais, que são graves”, diz. A preocupação, segundo o profissional de saúde, é geral. Além dos sedativos para entubação e pronação, ele conta que também está em falta outro para quando paciente começa a acordar. “Os pacientes só começam a acordar quando a relação ventilação / perfusão dele está boa na gasometria arterial e ele está precisando de menos oxigênio oferecido no ventilador. E mesmo assim ele ainda precisa de outro tipo de sedação que também está em falta no mercado, que é o precedex”, alerta. O médico explica que desde o início da pandemia muitos profissionais tiveram que aprender os procedimentos e se aperfeiçoar. No caso da entubação, a atenção inclui os riscos. “O médico precisa ser ágil e habilidoso, pois o paciente pode ter uma parada cardiorrespiratória na sua frente e morrer. Já perdi as contas de quantas vezes realizei entubacões e quantos acessos centrais realizei. Estão faltando profissionais na saúde: por medo, por falta de pessoal mesmo e pelo excesso de pacientes e de novos leitos abertos. É um caos mundial”, acredita. -Imagem (1.2219857)