Excesso de mídia, emocional dos policiais, mistura com política, erros de estratégia e comunicação estão entre os fatores que explicam a “caçada” de Lázaro Barbosa ter durado 20 dias e ter terminado com a morte do criminoso, suspeito de cometer uma chacina em Ceilândia (DF), entre outros crimes bárbaros. Esses são alguns dos pontos levantados por quatro especialistas na área de segurança pública ouvidos pela reportagem, sendo dois na condição de anonimato.Na manhã da última segunda-feira, 28 de junho, pipocou nas redes sociais o vídeo que mostra policiais militares carregando o corpo inerte de Lázaro em frente à base da força-tarefa de busca pelo fugitivo, em Girassol, distrito de Cocalzinho de Goiás. Depois de jogar o homem dentro de um veículo do Corpo de Bombeiros, os militares comemoram o resultado com sorrisos, abraços e gritos. O hospital era mais perto do local do confronto com o criminoso que a base para onde foi levado, que também era onde ficava parte da imprensa que acompanhava o caso.“Os policiais estão em estado de quase êxtase. Não de felicidade, mas de missão cumprida. O policial quer levar, quer apresentar, faz parte. É uma emoção muito violenta. Querer que o policial racionalize nesse momento é querer muito”, avalia um oficial da Polícia Militar de Goiás ouvido pela reportagem, sobre o momento mostrado no vídeo. Ele alega que a missão não terminou da melhor forma como deveria, mas que ela foi cumprida.Perito criminal aposentado do Distrito Federal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Cássio Thyone defende que o melhor desfecho da operação seria capturar Lázaro vivo, inclusive para que as investigações avançassem com as informações que o fugitivo trouxesse. Ele aponta fatores externos que reverberam na tropa, como a repercussão nas redes sociais e o posicionamento de políticos.“O clima que foi gerado entre os policiais é quase que de final de Copa do Mundo, da luta do bem contra o mal. Passou o tempo e virou para os policiais quase uma questão de honra. A pressão e o estresse que eles estavam, as chacotas que estavam sendo feitas no dia a dia com o Caso Lázaro”, descreve o especialista.Thyone também critica declarações de políticos, como quando o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), disse que as polícias que procuravam pelo fugitivo estavam “quase sendo feito de bobas” e a resposta do governador Ronaldo Caiado (DEM). Para o membro do FBSP, isso não contribui para o andamento da operação.LegadoO professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Michel Misse avalia que a “caçada” por Lázaro deixa o pior legado possível para a segurança pública. Ele defende que o cerco e aperto do fugitivo foi feito até certo ponto, mas que faltou estratégia. Para o pesquisador, que fundou o Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ em 1999, a principal estratégia deveria ser a rendição.Misse faz um paralelo com a busca por Manoel Moreira, criminoso brasileiro apelidado de Cara de Cavalo, que foi morto em 1964, em Cabo Frio (RJ), depois de uma busca policial que envolveu mais de mil homens e durou mais de um mês. Na ocorrência foram disparados mais de 100 tiros, sendo que 52 atingiram o bandido. No caso de Goiás, em 2021, foram disparados 125 e no corpo de Lázaro foram encontradas 38 perfurações pela equipe médica.“Esse tipo de operação está sinalizando para o criminoso não se entregar. ‘Não se entregue, porque se você se entregar, nós vamos chamar a bala’. O criminoso que poderia se entregar vai começar a andar cada vez mais armado, vai começar a enfrentar a polícia armado. Isso acontece no Rio de Janeiro e acontece cada vez mais no Brasil”, define o professor.Durante as buscas por Lázaro, o secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda, chegou a incentivar que a população reagisse a Lázaro e previu o desfecho da operação. “Se possível, chame a polícia para a gente poder fazer o confronto. Mas se não houver outra alternativa, tem que se defender”, orientou, durante entrevista. Enquanto a reportagem esteve em Cocalzinho acompanhando as buscas, presenciou policiais e moradores defendendo a morte do criminoso assim que capturado. Dias antes de morrer, quando ocorriam as buscas, Lázaro atirou contra policiais da Rotam, atingiu um militar da inteligência de raspão no rosto e atirou contra um caseiro.O oficial da PM-GO ouvido pela reportagem defende que no caso de Lázaro a rendição não era possível, já que ele tinha sérios problemas psiquiátricos e um ânimo agressivo muito alto. Um fator atípico no comportamento deste fugitivo, na visão do oficial, é que, em outros casos semelhantes, o criminoso foge na direção contrária da polícia. Já no caso de Lázaro, os indícios mostram que, durante os dias de fuga, ele sempre circulou em uma área próxima aos policiais. “De alguma forma, ele estava se sentindo ‘positivado’ com sua capacidade de estar ludibriando a polícia”, acredita.Para Misse, com a morte de Lázaro será difícil reconstituir o seu trajeto de fuga. Um integrante da Segurança Pública de Goiás ouvido pela reportagem enumera perguntas que ainda estão sem resposta. Como Lázaro conseguiu resistir tanto tempo? Qual apoio que Lázaro recebia? Lázaro cumpria tarefas? Qual a função de Lázaro durante sua vida que fez dele um mateiro tão competente? Como ele adquiriu o perfil de psicopata? Membro do FBSP vê erro em comunicaçãoMembro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Cássio Thyone identifica erros de comunicação durante os 20 dias de buscas por Lázaro Barbosa, que podem ter prejudicado a investigação. O especialista, que foi perito criminal durante 23 anos, lembra que existem detalhes sobre a apuração de um crime, no caso o paradeiro do fugitivo, que não deveriam ser divulgados. Thyone cita como exemplo a declaração do secretário de Segurança Pública, Rodney Miranda, de que pode existir uma rede de apoio ajudando Lázaro. “Essa divulgação foi um pouco precipitada. As pessoas que por ventura estiverem por trás, elas estão completamente avisadas da investigação da polícia”, explica. O membro do FBSP lembra que o comentário do titular da SSP foi feito em um momento em que a investigação ainda não avançou. Ele defende que esse tipo de apuração policial deve ser feita sem pressão, para que se tenha sucesso, como é o caso agora, depois que Lázaro não é mais fugitivo. Além disso, durante as buscas foram divulgadas informações que, segundo Thyone, certamente chegaram até o criminoso e orientaram as decisões que ele tomava durante a fuga. Outro problema na comunicação indicado por Thyone foram as declarações das por autoridades nos primeiros dias de força-tarefa. “A gente via o próprio comando da operação garantir que praticamente no dia seguinte ia ser efetivada a prisão e, no entanto, isso não acontecia.”-Imagem (Image_1.2278290)