O trecho da BR-153 onde seis pessoas morreram em um acidente com um ônibus de viagem na última sexta-feira (24), em Aparecida de Goiânia, mantém, até a noite desta segunda-feira (27), a mesma estrutura de sinalização anterior à tragédia. Enquanto os investigadores avaliam se as orientações cumprem as obrigações legais, especialistas apontam possíveis falhas.Conforme mostrou o POPULAR no dia do acidente, as equipes de investigação anteciparam, após análises preliminares, que o trecho em obras desde o dia 19 deste mês poderia estar funcionando com sinalização precária. A reportagem percorreu a via nos dois sentidos de tráfego, mediu as distâncias das posições de placas e cones e ouviu especialistas para que os mesmos pudessem fazer avaliações.No trecho Goiânia x Aparecida, sentido sul da rodovia, a fila de cones de sinalização começa a cerca de 700 metros do desvio. No sentido contrário, uma placa de led horizontal a 11 quilômetros pede cautela aos motoristas e indica a realização da obra. Nas proximidades, outra placa está instalada a 200 metros do início da fila de cones e indica a obstrução da faixa da esquerda. Após a distância mencionada, a fila de cones começa a cerca de 150 metros antes do ponto em que os veículos em sentidos contrários passam a compartilhar a mesma via.O professor do Instituto Federal de Goiás (IFG) e engenheiro de trânsito Marcos Rothen diz que, diante das descrições, as sinalizações não cumprem o que a legislação pede nos manuais. O especialista cita as previsões contidas no Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, que para trechos interditados por obras, estabelece os parâmetros das chamadas “áreas de advertências”.O manual detalha que as orientações devem respeitar distâncias entre a primeira placa de obras ou serviços (A-24) e o trecho de alteração da via. Para as rodovias, o manual pede que a placa esteja instalada a mil metros de obras ou serviços executados em vias onde o fluxo de veículos é obrigado a parar ou ser desviado para pista auxiliar ou sentido oposto, situação do sentido sul.Para intervenções do tipo em rodovias de pista simples, duplo sentido de circulação, com interrupção parcial da pista, caso da pista no sentido norte, o trecho que o ônibus trafegava, o manual indica necessidade de que a placa de sinalização esteja a 750 metros. “Não pode ser a 2 mil metros ou a 5 mil metros. O manual pede mil metros, então precisa ser a mil metros”, explica Rothen.O perito judicial e assistente técnico de trânsito Antenor Pinheiro diz que a BR-153 sofre com deficiências crônicas que incluem falta de estruturas como divisórias entre pistas e falhas de sinalização. “Já atuei em três, quatro casos aqui em Goiás e todos apresentaram graves falhas de sinalização. A sinalização precisa ser mantida, atualizada, monitorada e sempre fiscalizada”, diz o especialista que acrescenta que as questões deverão ser observadas pelos investigadores do acidente com o ônibus.Perguntada se a sinalização do trecho em obras é considerada adequada, a Triunfo Concebra cita a estrutura de orientações, sem fazer avaliação qualitativa sobre a mesma. “O local está sinalizado com painéis eletrônicos nas proximidades informando o desvio contingencial em razão de obras na pista, contando ainda com cones refletivos, dispositivos luminosos e diversas viaturas com sinalização intermitente para orientação e suporte aos usuários”, afirma em nota.Sobre possíveis adequações feitas nos últimos dias, a assessoria da empresa afirmou que a sinalização foi reforçada, mas que mantém a mesma estrutura. “A Triunfo Concebra reforça a recomendação aos motoristas que vão pegar a BR-153 saindo de Goiânia para destinos no sentido sul do estado ou mesmo aqueles que chegam à capital goiana, que redobrem a atenção ao passar pelo KM 508”, pede a empresa em nota.Indícios A delegada Adriana Fernandes, que coordenou os três primeiros dias de apuração pela Delegacia Especializada em Investigação de Crimes de Trânsito de Goiânia (Dict), diz que os indícios são de que, de fato, a sinalização do trecho era insuficiente. “E como todo indício deve ser comprovado, estamos investigando para comprovar esta afirmativa”, diz a delegada.Entre as medidas solicitadas pela Dict para verificar a regularidade de sinalização está uma ordem de missão policial para o monitoramento de cinco quilômetros acima do local do acidente. É o que informa a delegada Adriana. Segundo a investigadora, o levantamento irá focar em imagens de câmeras de seguranças para que se verifique sinalizações instaladas em pontos da rodovia conforme afirmação da Triunfo.Em vídeos divulgados na manhã desta segunda, o motorista Edmar Carlos da Mota, que conduzia o ônibus no momento do acidente, diz que a sinalização foi a razão da perda de controle. “Não tinha sinalização. Pela minha experiência que tenho na estrada, todo quilômetro atrás existe uma sinalização informando que vai virar pista de mão dupla”, diz Edmar.Nas gravações, ele reclamou da falta de sinalização no trecho, afirmou que não sabia da interdição e que fazia aproximadamente 15 dias que não passava pelo local. Em seu relato informal, ele conta que só percebeu quando sentiu os cones e uma carreta atravessada na pista, onde ele acha que pode ter batido.Documentos e áudio avaliadosAs investigações sobre o acidente estão sendo conduzidas por técnicos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e pela Dict. Ao fim do período de investigações, os relatórios devem ser apresentados separadamente. Nesta segunda, a delegada Adriana Fernandes informou que o caso será repassado para o delegado adjunto, Thiago Damasceno Ribeiro.No curso das investigações, um áudio que teria sido enviado por Edmar a um grupo de WhatsApp, antes do acidente, reclamando de condições técnicas do ônibus está sendo avaliado pela Dict. Na gravação, o condutor conta que saiu de Araguari com muita chuva e o veículo estava apresentando problema no freio, e somente um lado estaria freando. “Indo no sapatinho para evitar transtornos maiores”, relata em parte do áudio.Sobre isso, a Dict diz que irá requisitar informações sobre as providências tomadas quando, supostamente, o motorista reclamou dos freios por meio do envio de um áudio. O objetivo é saber se esse grupo é formado apenas por motoristas, porque segundo os investigadores “tudo indica que o áudio do motorista era mais uma reclamação por providências do que simplesmente um desabafo aos outros colegas que nada poderiam fazer por ele após ter notado o problema nos freios”.Nesta segunda, a Dict informou que vai requisitar à empresa de ônibus Real Expresso, proprietária do veículo, a cartela de horários do motorista para verificar se há excesso de trabalho. Advogado da empresa, Jocimar Moreira refuta qualquer possibilidade de falha técnica. Segundo o advogado, o motorista do ônibus é treinado, tem mais de cinco anos de experiência, embarcou em Uberlândia, e tinha mais de 40 horas de descanso antes de assumir a condução do ônibus.-Imagem (1.2378036)