Não, o cachorro caramelo não será estampado na nova nota de R$ 200. Apesar do clamor popular e da campanha realizada pelo deputado federal Fred Costa (Patriota-MG), teremos o lobo-guará na cédula. Ameaçado de extinção — a estimativa é de que sejam apenas 24 mil animais em todo o Brasil —, ele habita principalmente o Cerrado brasileiro e, em menor concentração, áreas da Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Com hábitos solitários e conhecida por roubar ovos de galinhas, a espécie é de extrema importância para a reprodução de plantas, já que atua como dispersor de sementes.O anúncio da nova cédula foi feito no último dia 29 de julho e o assunto movimentou as redes sociais chegando a figurar entre os assuntos mais comentados do Twitter, com mais de 145 mil postagens antes das 19 horas naquele dia. Na internet, claro, houve uma chuva de memes sobre a nova nota. Alguns exemplos de estampas foram: a cobra naja que picou um estudante de Medicina Veterinária no Distrito Federal e até mesmo a imagem do presidente Jair Bolsonaro mostrando uma caixa de hidroxicloroquina para as emas que residem no Palácio da Alvorada, em Brasília. A cena foi registrada pelo fotógrafo Sérgio Lima.Mas o animal foi definido e o lobo-guará deve estar presente em 450 milhões de cédulas que deverão ser impressas pela Casa da Moeda ainda em este ano, após a aprovação. A previsão é de que a nota comece a circular no fim de agosto e deve ser na cor cinza, com detalhes em marrom. Na semana passada, o Banco Central afirmou ter enviado ofício ao Conselho Monetário Nacional (CMN) solicitando R$ 113,4 milhões para a confecção das 450 milhões de cédulas de R$ 200 e mais R$ 170 milhões de cédulas de R$ 100.O lobo-guará é uma das 1.173 espécies ameaçadas de extinção na lista do Portal da Biodiversidade, uma parceria entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA). A categoria na qual está listado é a vulnerável e ele depende da preservação do seu habitat natural para continuar existindo. A situação de vulnerabilidade do portal indica que a qualidade genética está afetada e, com isso, aumenta ainda mais o risco de extinção.Com a semelhança genética dos animais, todos podem acabar acometidos por uma mesma doença, por exemplo. Isso acontece porque apesar de os lobos-guará serem encontrados em diversas partes do País, a população de uma determinada área não se comunica com outra, já que o território é dividido por rodovias, fazendas, e grandes rios, além da área urbana. Assim, começam a se reproduzir entre si.Professora da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (EVZ/UFG), Luciana Batalha de Miranda Araújo diz que não é possível saber quantos dos 24 mil lobos-guará estão no Cerrado, mas que a concentração deve estar em torno de 60% a 70% do total. Além do Brasil, são encontrados na Argentina, Bolívia, Paraguai, Peru e Uruguai. Ela aponta ainda outros dois fatores que aumentam a mortalidade: atropelamentos e caça.“Eu faço um trabalho com o Ibama e recebemos muitos animais que levaram tiros e chegam machucados. Também acontece de lobos-guará com marcas de faca e atropelados. Na seca, principalmente, os animais acabam caminhando mais em busca de alimento, estão mais fracos, atravessam as rodovias e aumenta o número de acidentes”, completa a professora.Digestão favorece germinação de plantaO lobo-guará (chrysocyon brachyurus) é o maior canídeo silvestre da América do Sul. O grupo é uma família de mamíferos que inclui ainda cães, chacais, coiotes e raposas. Em tom de brincadeira, o animal escolhido para a nova cédula do Real é conhecido por roubar ovos de galinha e o ditado não é mentiroso, não. Ele realmente come ovos porque é uma fonte fácil de proteína. “É uma quase verdade”, brinca a pesquisadora Luciana Batalha. A alimentação também inclui frutos típicos do Cerrado, como o araticum (Annona crassiflora) e a lobeira (Solanum lycocarpum). A lobeira passa pelo trato digestivo do animal e é semeada após sair nas fezes, tornando-se uma semente apta á germinação. Desta forma, é encontrada no Cerrado o ano todo, na chuva e na seca. Ele atua, portanto, como dispersor de sementes. “Como ele é um animal de hábitos solitários, diferente dos outros lobos, é difícil conseguir capturar um animal de grande porte. Geralmente, são pequenas emas, pacas e pequenos roedores. E sim, muito ovo. Ele tem pernas longas e a característica do Cerrado, com grama alta e arbustos baixos, facilita este processo inclusive a enxergar os animais que caça. Aqui é adequado pela característica física do guará”, explica a professora da UFG. Gestação dura cerca de 2 mesesNo geral, o pico de reprodução dos lobos-guarás ocorre entre maio e junho, com uma gestação de 60 a 65 dias. Pela literatura, podem ser gerados até sete filhotes, mas o que ocorre por aqui, de forma mais comum, é uma gestação de dois a três. “Geralmente na época das cheias, quando a fêmea está bem nutrida e consegue amamentar por um período. Não pode também ser na época de grandes chuvas, porque alaga e eles podem morrer até mesmo por hipotermia. No começo, os machos auxiliam nos cuidados, mas no geral este é um trabalho que fica com a fêmea”, diz a professora da UFG Luciana Batalha. Eles também sofrem disseminação de doenças a partir do contato com cães domésticos. Isso porque, com aproximação das cidades, ou mesmo com o hábito de atravessar pelas fazendas, acabam tendo contato com os animais e também com humanos. -Imagem (Image_1.2099132)-Imagem (1.2099143)