Atualizada em 2.11 às 10h22.Nos últimos 10 anos, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) e o Tribunal Regional do Trabalho da 18º Região (TRT-18) viram seis de seus magistrados goianos sendo aposentados compulsoriamente como punição por irregularidades no exercício do cargo. São quatro juízes e dois desembargadores, cujos proventos brutos, somaram em agosto deste ano R$ 273,6 mil. Um deles recorreu da sentença e demorou mais de 3 anos para que a aposentadoria fosse efetivada.Na semana passada, o Órgão Especial do TJ-GO, composto por 17 desembargadores, votou pela aposentadoria compulsória do juiz Levine Raja Gabaglia Artiaga, da Comarca de Corumbá de Goiás, denunciado pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) de integrar uma quadrilha que sacava dinheiro de contas bancárias milionárias sem movimento por meio de decisões judiciais. Investigações apontam que Levine teria se beneficiado com pelo menos R$ 1,8 milhão em quatro anos.Antes dele, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) havia aposentado o desembargador Hélio Maurício de Amorim, em 2012, e o juiz Ari Ferreira de Queiroz, em 2015. E o próprio Órgão Especial do TJ-GO aplicou a pena para os juízes Sérgio Divino Carvalho, em 2013, e Felipe Alcantara Peixoto, em fevereiro de 2018. No caso de Felipe, por causa dos recursos da defesa, o decreto colocando-o como aposentado só foi publicado em agosto.O Tribunal Regional do Trabalho da 18º Região (TRT-18) também aposentou compulsoriamente um magistrado goiano nos últimos 10 anos, o desembargador Júlio César Cardoso de Brito, em março de 2013. No caso dele, o salário bruto é de R$ 14,1 mil, segundo a folha de setembro no site do TRT-18.Na folha de agosto, a mais recente que constava no site do TJ-GO nesta segunda-feira (1º), o salário bruto de Levine, incluindo benefícios como gratificações, foi de R$ 39 mil. Com descontos, caiu para R$ 26,9 mil. Após a fase de recursos, confirmando a punição, porém, o provento cairá para o equivalente ao período de contribuição do magistrado para a Previdência. Com 42 anos hoje, Levine entrou para o Judiciário em 2005.Os maiores salários, entretanto, são de Hélio e Ari, pelo tempo que exerceram seus cargos e por causa de uma indenização que vários magistrados goianos referente a reposição salarial em décadas passadas. Respectivamente, em agosto, eles tiveram vencimentos brutos de R$ 63,5 mil e R$ 62,9 mil, de acordo com o site do TJ-GO.Sérgio, que também teve direito à indenização, recebe R$ 58,7 mil como aposentado. E Felipe teve o último provento bruto antes de ser aposentado em R$ 35,4 mil. Nesta segunda-feira (1º), não constava no site do tribunal a folha de setembro, mas na sexta (29) a reportagem havia visto que o salário líquido do magistrado caíra para pouco mais de R$ 12 mil.Motivo sempre de indignação popular quando ocorre, a aposentadoria compulsória como punição vive um impasse desde 2019, quando deixou de constar na Constituição Federal por causa da reforma previdenciária (emenda constitucional 103). Porém, ainda segue prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).Ao votarem pela aposentadoria de Levine, em 27 de outubro, alguns desembargadores aproveitaram para se manifestar preventivamente contra as possíveis reações sociais, explicando no voto que é a pena máxima administrativa prevista em lei e que a decisão não impede que o magistrado punido siga respondendo a uma possível ação penal na qual poderia, caso condenado com trâmite em julgado, perder o cargo.Atualmente, a demissão de magistrados vitalícios – ou seja, todos aqueles com mais de dois anos de exercício da profissão – é prevista apenas em três situações: exercício de qualquer outra função a não ser a de professor, recebimento de porcentagens ou custas nos processos que passam por eles e exercício de atividade político-partidária. Em nenhum dos casos se encaixaram os juízes e desembargadores goianos punidos.O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO), Marcos César Gonçalves, diz que há dois caminhos para resolver isso. O Supremo Tribunal Federal (STF) ser provocado e tomar uma decisão sobre a constitucionalidade ou não do dispositivo na Loman ou o Congresso Nacional extinguir a aposentadoria compulsória e ampliar os casos de demissão previstos na lei orgânica do magistrado.O deputado federal goiano José Nelto (Podemos) colhe assinaturas para apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para tirar da Loman a previsão de aposentadoria compulsória e colocar a de demissão para magistrados vitalícios em casos de negligência no cumprimento dos deveres da função, adoção de procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro, e capacidade de trabalho incompatível com o bom desempenho das atividades no Judiciário.Nelto chegou a apresentar a proposta como um Projeto de Lei Complementar em dezembro do ano passado, mas o documento foi devolvido por não ser o mecanismo adequado para a mudança sugerida. “Estou quase com todas as assinaturas já. Você não tem de dar prêmio para corrupto. Por que o Judiciário tem este privilégio? Ou o Brasil coloca o serviço público como ele deve ou seremos um país dos privilegiados”, comentou.Deputados federais também tentam incluir emendas na reforma administrativa, em tramitação no Congresso, para aumentar a punição para magistrados envolvidos em irregularidades. No Senado, um projeto prevê a exclusão da punição na Constituição, o que já ocorreu com a reforma previdenciária. “Ações penais são mais demoradas”A presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), juíza Patrícia Carrijo, defende que os juízes e desembargadores aposentados compulsoriamente, quando envolvidos em acusações de crimes como corrupção, seguem, geralmente, passíveis de responder a processos criminais e que existe uma falsa sensação de impunidade por parte da população porque a aposentadoria é consequência de um procedimento administrativo que tramita muito mais rápido do que uma ação penal.Essa demora na tramitação de um processo pela Justiça se deve, segundo Patrícia, a prazos que garantem ao acusado o direito à defesa plena. “Quando vai para a esfera criminal, como no caso da corrupção, uma vez que seja condenado, ele deve vir a perder o cargo assim como qualquer agente público”, disse.A juíza argumenta que o magistrado, pela função que exerce, sofre fortes pressões externas e, por isso, é preciso que tenha garantias de completa independência para que não haja interferências em suas decisões. Entretanto, ela argumenta que isso não impede que punições aconteçam. “Aposentadoria compulsória vem primeiro porque o processo administrativo tem uma tramitação muito rápida. Posteriormente se estes casos configuram crime, o magistrado vai responder a um processo penal, que a gente sabe que é demorado”, comentou.O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) informou que ninguém do órgão se pronunciaria e se manifestou apenas por nota, informando que a punição está prevista na legislação e não se refere ao vencimento integral do magistrado na ativa, mas proporcional ao tempo de contribuição previdenciária.Mudança na ConstituiçãoO fim da previsão da aposentadoria compulsória como punição a magistrados na Constituição Federal com a reforma previdenciária em 2019 levantou uma dúvida. Como a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) mantém esta medida, é possível seguir aposentando juízes e desembargadores acusados de irregularidades como antes? E sem a previsão constitucional, qual a pena máxima agora para casos em que a aposentadoria se enquadrava? Demissão ou disponibilidade remunerada?O professor Marcos César Gonçalves acredita que com a retirada da aposentadoria como punição da Constituição os magistrados estão passíveis de demissão como todos os servidores públicos, mas acredita que isso só se confirmará após um posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) ou uma mudança na Loman pelo Congresso Nacional.Marcos diz que quando a retirada da previsão foi aprovada no Congresso a discussão era justamente extingui-la dos processos administrativos para que o magistrado se igualasse aos outros servidores públicos. “A intenção do legislador foi retirar do ordenamento jurídico e não só da Constituição.”Na época da reforma, inclusive, o relator do projeto, o deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP) afirmou que a intenção era suprimir a aplicação da “esdrúxula pena disciplinar” que vale tanto para os magistrados como para os membros do Ministério Público. Marcos destaca, entretanto, que os órgãos do Judiciário estão de mãos atacadas por casa da Loman. “Pouco temo que fazer porque a lei está em vigência e a eles cabe aplicar.”