Apenas uma votação no Senado separa o ensino domiciliar no Brasil da legalidade jurídica. Na prática, de acordo com a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), cerca de 7,5 mil famílias já educam os filhos em casa no País e Goiás não é uma exceção. Pais que são adeptos se dizem ansiosos pela aprovação do projeto de lei que regulariza a prática. Porém, especialista chama a atenção para os diferentes tipos de configurações familiar e a possibilidade de prejuízo na aprendizagem dos estudantes.A professora de Artes Polyanna Silva, de 39 anos, começou a experimentar o ensino domiciliar em 2020, quando a pandemia da Covid-19 teve início. No fim de 2019, ela se mudou de Goiânia, onde os filhos de 10 e 8 anos estudavam em uma escola com a abordagem pedagógica Waldorf, voltada para integração do desenvolvimento físico, espiritual, intelectual e artístico, para Hidrolândia, onde as crianças foram matriculadas na rede municipal. “Eu e meu esposo já tínhamos interesse no homeschooling, mas ficamos com medo de alguma denúncia.”Durante 2020 e 2021, por conta do ensino remoto, os filhos de Pollyana fizeram as tarefas que eram enviadas pela escola onde estavam matriculados, e paralelamente ela contratou um serviço de consultoria de uma professora especialista na abordagem pedagógica Waldorf, para que pudesse passar instruções para que ela pudesse ensinar os filhos em casa. “Usamos a sala de casa como sala de aula. Todos os dias de manhã eles sentavam nas cadeiras, eu dava bom dia e dizia que a mamãe Poly iria ensiná-los. Essa aula era nossa prioridade. Fazíamos as tarefas da escola depois.”Para conseguir se dedicar à educação das crianças, Polyanna teve de abandonar as atividades como professora. “Exige muito da gente. É muita entrega e dedicação. Eu tive esse apoio do meu esposo, que continuou trabalhando para que eu pudesse fazer outro trabalho em casa. É uma mudança completa na dinâmica de funcionamento familiar”, relata. Em 2022, os filhos de Polyanna voltaram às atividades presenciais da escola pública. “Eu me arrependi logo de cara. Acho que em casa, como eles têm uma atenção exclusiva, voltada para eles, conseguem aprender melhor. Eu percebo isso.”Caso o projeto de lei que regulariza o ensino domiciliar seja aprovado pelo Senado, Polyanna e o esposo voltarão a ser adeptos da prática com os filhos. “É claro que a gente sente medo e angústia com a possibilidade de estar faltando algo para eles no sentido da educação. Entretanto, o homeschooling me proporcionou momentos maravilhosos como, por exemplo, ver minha filha de 8 anos aprender a ler. É lindo acompanhar esse desabrochar deles tão de perto.”DesafiosA vice-diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Lueli Duarte, vê o ensino domiciliar com preocupação. Nesta sexta-feira (20), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou uma nota na qual critica o modelo de ensino. Segundo a organização, ele priva crianças e adolescentes do direito de aprender.Lueli aponta que é importante lembrar que os professores desenvolvem toda uma didática de ensino para ser aplicada pelos alunos, que nem todos os pais vão conseguir fazer reproduzir em casa. “É importante lembrar que na pandemia, mesmo que a distância, os pais tinham o auxílio dos professores, e mesmo assim muitos tiveram dificuldade e as crianças voltaram para a sala de aula com a aprendizagem comprometida. O homeschooling é uma proposta totalmente afastada do ambiente escolar.”Além disso, a especialista chama a atenção para o fato de que nem todas as famílias possuem condições de contratar apoio de professores particulares e nem todos os pais podem deixar de trabalhar para se dedicar integralmente à educação dos filhos e, por isso, esses estudantes podem ser prejudicados. “Vivemos em um país desigual, onde a maioria dos pais precisa trabalhar para sustentar a casa. Neste contexto, a escola funciona como uma proteção para as crianças e adolescentes de diversas coisas como o trabalho infantil, a fome, da violência das ruas e até mesmo daquelas sofridas dentro de casa.”Impactos na socialização de crianças e adolescentes preocupa A socialização dos estudantes também é uma preocupação que permeia a discussão em torno do ensino domiciliar. A vice-diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Lueli Duarte, afirma que mais do que um ambiente onde o estudante irá obter a educação formal, também é um local onde ele desenvolverá as habilidades de socialização. “A escola é um lugar onde a criança e o adolescente vão ter de conviver com o diferente, ultrapassando os limites impostos pela dinâmica familiar. Isso é positivo. Ali eles vão ter de aprender a respeitas regras e desenvolver a prática da cidadania”, explica.Entretanto, a professora de Artes Polyanna SIlva, de 39 anos, que é entusiasta do ensino domiciliar afirma que esse processo de socialização pode ser feito de outras maneiras. “Sei da importância da convivência deles com outras pessoas, mas isso pode acontecer de outras formas como, por exemplo, o contato com vizinhos, colegas de igreja caso a família tenha alguma religião, reuniões com grupos de amigos aos finais de semana e até mesmo a matrícula deles em alguma atividade complementar onde possam estar junto com crianças da mesma idade.”Leia também: Com apoio do governo, adeptos da prática de ensino em casa começam 2020 com bastante expectativas-Imagem (1.2459542)