Atualizado às 16h05*Informações divulgadas sobre o novo coronavírus na página oficial do Instagram do Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) e pelo presidente da entidade, Leonardo Reis, são diferentes do que afirmam autoridades de saúde e a comunidade científica mundial. O presidente do órgão, que fiscaliza a prática médica no Estado, defendeu em nota escrita que "o distanciamento social com a adoção das medidas de proteção e higiene necessárias e com o isolamento dos mais vulneráveis e crianças, pode ser tão efetivo do ponto de vista sanitário quanto o confinamento absoluto neste período de pandemia, só que com menos prejuízos para a economia." Além disso, em vídeo de entrevista com o jornalista Alexandre Garcia, o diretor científico do Cremego, Waldemar Naves, defendeu que o medicamento cloroquina tem pouquíssimos ou quase nenhum efeito colateral.Atualmente, Goiás não vive uma situação do chamado lockdown, com restrições máximas de distanciamento social. O governador Ronaldo Caiado (DEM) tem defendido a necessidade de alcançar uma maior taxa de isolamento, já que Goiás chegou a ser a unidade da federação com a menor taxa do país. Estudo técnico de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) defende uma taxa de pelo menos 50% para que não haja o colapso do sistema de saúde goiano.A médica epidemiologista e infectologista Cristiana Toscano, que faz parte do Centro de Operação de Emergência (COE) de Goiás no combate ao Covid-19, esclarece que o isolamento dos mais vulneráveis não tem a mesma eficiência que a implementação de medidas de distanciamento social.De acordo com a pesquisadora, existem várias evidências científicas, inclusive publicadas em revistas internacionais de renome, de que o distanciamento social é eficiente no combate à Covid-19. E o objetivo desse distanciamento, segundo ela, não é proteger apenas o vulnerável, mas a comunidade como um todo, por diminuir a transmissibilidade do vírus.“A transmissão da doença é diminuída quando o número de contatos entre pessoas é diminuído. Para minimizar a transmissão infecciosa, essa é uma medida necessária. E ela é tão eficiente, que tem que ser implementada no momento certo, antes da subida exponencial da curva, e ser mantida até o final do crescimento de casos, para evitar essa transmissão muito aumentada”, diz.A pesquisadora também explica que apesar de se usar os termos distanciamento e isolamento como iguais, existem diferenças. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê dois tipos de isolamento e um de distanciamento para combater a Covid-19: o isolamento de casos confirmados e contatos; o isolamento dos mais vulneráveis; e a implementação de medidas de distanciamento social.Na entrevista publicada na página oficial do Instagram do Cremego, o jornalista Alexandre Garcia defende que não existem evidências científicas de que o distanciamento social funciona no combate à Covid-19.A Sociedade Goiana de Infectologia, presidida pela médica infectologista Christiane Kobal, também recomenda o distanciamento social, que poderá ir desde o distanciamento ideal de dois metros até o lockdown, que é a paralisação mais rígida, a depender dos dados epidemiológicos locais.“Essa posição tem por objetivo evitarmos o colapso na rede pública e privada de saúde principalmente no cenário da terapia intensiva. Por ser uma doença infecciosa viral de transmissão respiratória e por contato, onde não existem vacinas bem como tratamento antiviral , torna-se necessário reduzirmos consideravelmente o número de casos , tratarmos os já existentes e nos prepararmos para atendermos os casos que ocorrerão nas próximas semanas da melhor forma possível”, diz nota da entidade enviada à reportagem, como resposta às declarações do Cremego.O Conselho Regional de Enfermagem de Goiás (Coren-GO) se posicionou como favorável ao distanciamento social nos moldes decididos como necessários pelas autoridades de saúde do Estado.A presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (Simego), Franscine Leão, defendeu que o distanciamento social deve ser planejado em todas as suas etapas (entrada, manutenção, saída e prováveis retornos) de uma maneira que não haja extrapolação do quantitativo de doentes acometidos que necessitem de internação.Uma nota com a posição do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde-GO), o Conselho Estadual de Saúde de Goiás e de outras entidades, sobre os posicionamentos do Cremego, deve ser publicada nesta terça-feira (19).Procurado pela reportagem, o secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino, ponderou: “Precisaria calibrar o que eles chamam de distanciamento e o que eles chamam de isolamento. Na verdade, como a gente está é um distanciamento social. A questão é calibrar tanto o conceito quanto a fase. Certamente, a gente vai precisar de um distanciamento social por longo período.”A reportagem também entrou em contato com o Conselho Federal de Medicina (CFM) brasileiro, que informou por telefone que concorda com a nota do presidente do Cremego, mas que não ia se posicionar sobre o vídeo na página oficial da entidade goiana. O vídeo com a entrevista de Alexandre Garcia e posições contrárias a de autoridades de Saúde permanecia no Instagram do Cremego até o fechamento desta edição e contava com 1.653 visualizações. Entidades não recomendam cloroquinaA Associação de Medicina Intensivista do Brasil, as associações de infectologia, de pneumologia e tisiologia publicaram um documento nesta segunda-feira (18) com um consenso sobre o uso de medicamentos no tratamento de pacientes com o novo coronavírus. No documento, a entidades recomendam não utilizar hidroxicloroquina ou cloroquina de rotina no tratamento da Covid-19, ou sua combinação com azitromicina, por terem níveis de evidência baixo ou muito baixo de que são eficazes.Também nesta segunda-feira (18), a Sociedade Brasileira de Imunologia divulgou um documento com a conclusão de que é precoce a recomendação do uso de cloroquina para Covid-19. “Diferentes estudos mostram não haver benefícios para os pacientes que utilizaram hidroxicloroquina. Além disto, trata-se de um medicamento com efeitos adversos graves que devem ser levados em consideração.” Recentemente, o NIH, Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, retirou a recomendação de uso de cloroquina em pacientes com Covid-19, devido ao resultado de estudos recentes. Todas essas recomendações e conclusões são diferentes do afirmado em vídeo na página oficial do Instagram do Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego). O vídeo é a gravação de uma entrevista feita pelo diretor científico do Cremego, Waldemar Naves, com o jornalista Alexandre Garcia, com insinuações de que a cloroquina seria eficiente. Garcia chega a dizer que o remédio só não é mais utilizado porque é o presidente Jair Bolsonaro (PSL) quem defende o seu uso sem restrição. Naves diz que uma pesquisa da UFG mostrou que a cloroquina tem pouquíssimo ou quase nenhum efeito colateral. Entusiasta da cloroquina mesmo em pacientes que não estão em estado mais agravado e responsável pela pesquisa mencionada no vídeo, o médico reumatologista, Nilzio Antônio da Silva, esclarece que uma pesquisa que participa de São Paulo, com 90 pacientes que usaram cloroquina, ainda está em andamento. Ele diz que aparentemente os resultados foram positivos para o medicamento, mas que é preciso tratamento estatístico adequado.Em nota, o presidente do Cremego, Leonardo Reis, foi mais cauteloso e não fez afirmações como as divulgadas no vídeo da instituição. Ele esclareceu que não há evidências sólidas de que a cloroquina tenha efeito confirmado na prevenção e tratamento do Covid-19. Porém, diante da excepcionalidade da situação atual, entende ser possível a prescrição do medicamento em situações específicas, norteada pela autonomia do médico e respeito ao paciente.*O texto foi atualizado para que o posicionamento do presidente do Cremego ficasse mais preciso.-Imagem (Image_1.2054883)