O uso de equipamentos de menor potencial ofensivo durante uma ação policial no Jardim América, em Goiânia, no início da tarde terça-feira (2), poderia ter evitado a morte de José Carlos Alves de Coimbra, de 49 anos. É o que afirmam especialistas em segurança pública que analisaram o vídeo da abordagem da Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO). Aparentemente, o ex-lutador de MMA estava em uma espécie de surto psicótico.Em um vídeo, é possível observar momentos em que o homem se ajoelha no chão com as mãos na cabeça. Em um determinado instante, ele chega a se deitar. Depois, José Carlos salta sobre a viatura, pula e danifica a lataria e, já no asfalto, dá um cambalhota no chão. Ele finaliza com uma pose de luta. A gravação também mostra os policiais nesse momento fora da viatura com as armas apontadas para o suspeito. Depois disso, o homem corre por trás da viatura em direção aos policiais e dois tiros são efetuados. Contudo, os disparos não são filmados.A PM-GO informou que foi acionada para atender uma ocorrência em que “um homem muito agressivo estaria atacando pessoas e causando danos em veículos”, e que, no momento em que José Carlos supostamente foi em direção aos policiais para agredi-los, eles “não tiveram outra opção, e para resguardar a própria vida e de terceiros, efetuaram dois disparos no agressor.”O gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, diz que outros equipamentos menos ostensivos poderiam ter sido usados. “É um tipo de abordagem delicada, que pode trazer risco para os policiais caso a pessoa esteja com uma arma ou objeto na mão. Porém, no vídeo não conseguimos perceber nada disso. Por isso, poderiam ter sido usados spray de pimenta, armas de incapacitação por eletrochoque e até balas de borracha.”O coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), David Marques, acredita que as imagens mostram que os policiais não estavam plenamente capacitados para atender a ocorrência. Ele também frisa que o vídeo deixa claro que aquela era uma situação que precisava ser contida. “A atuação policial era necessária, já que o homem oferecia riscos. Porém, o resultado obtido não foi o ideal. Outros equipamentos de menor potencial ofensivo poderiam ter feito a contenção sem matá-lo.”Marques aponta ainda que a situação lembra o caso da morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, no município de Umbaúba, no sul do estado de Sergipe, em maio deste ano. Ele morreu asfixiado após agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) prendê-lo no porta-malas de uma viatura e usarem spray de pimenta e gás lacrimogêneo. “De uma maneira geral, as forças policiais precisam começar a entender e diferenciar o que é uma pessoa em surto de uma pessoa que está em desobediência”, afirma MarquesLangeani também chama a atenção para a importância de um protocolo. “No caso do Genivaldo, eles tinham o spray, mas foi usado da maneira errada.” De acordo com ele, é necessário existir um treinamento especializado. “Nesses casos, seria interessante ir mais de uma viatura para o local e seria necessário ter em mãos o equipamento não letal para conseguir imobilizar a pessoa, depois algemá-la e encaminhá-la para as unidades de referência. Se esse treinamento não está disponível em Goiás, não é uma falha dos indivíduos específicos (policiais) e sim da corporação como um todo.”MP-GO O promotor de Justiça Felipe Oltramari diz que o Ministério Público de Goiás rotineiramente analisa inquéritos policiais que envolvem mortes fruto de intervenções policiais. “A gente acaba verificando a existência de ilegalidade exatamente por não haver naquela situação elementos aptos a justificarem o uso de força letal”, afirma.Oltramari explica que a instituição cobra com frequência da PM-GO que sejam disponibilizados recursos de força menos letal para os policiais trabalharem. “É necessário a capacitação e o devido preparo para que haja formas alternativas de abordagem em situações de risco. Assim como ocorreu neste fato, que seria evitável o resultado morte caso eles dispusessem desse tipo de material.”De acordo com informações da TV Anhanguera, familiares de José Carlos estavam no Instituto Médico Legal (IML) na noite desta quarta-feira (3) para liberarem o corpo do homem e estavam assustados com o fato dele ter tido um suposto surto psicótico. José Carlos morava em Goiânia, mas a família é do Pará. Ainda não se tem informações sobre local, horário e data do velório.Quem investiga o caso é a Polícia Civil. O POPULAR tentou contato com Rhaniel Almeida, delegado responsável pelo caso, mas não obteve sucesso. A assessoria de imprensa da Polícia Civil comunicou que o assunto deveria ser tratado com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO). A pasta não respondeu a reportagem até o fechamento desta edição.PM justifica ação de policiaisA Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) disse que em relação a ação policial que resultou na morte do ex-lutador de MMA José Carlos Alves de Coimbra, de 49 anos, nesta terça-feira (2), “é responsabilidade do policial avaliar o uso seletivo da força a ser empregada, considerando o ambiente, o comportamento do abordado e o nível de complexidade e risco da ação, a fim de garantir a sua segurança e de terceiros.”A corporação informou ainda que “conforme relato dos militares e imagens que demonstram o ocorrido, pode-se verificar que os policiais realizaram a abordagem e tentaram em todo tempo manter uma distância segura e verbalizar com o agressor no sentido de tentar acalmá-lo e controlar a situação” e que “todas as providências cabíveis estão sendo tomadas e o Inquérito Policial Militar foi instaurado a fim de apurar todas as circunstâncias do fato, em conformidade com a lei e prazo regulamentar.” Anteriormente, a PM-GO já havia comunicado que no momento da abordagem o agressor não estava armado, mas “demonstrando um comportamento incontrolável e violento, desconsiderando toda e qualquer ordem realizada pelos policiais na tentativa de controlar a situação” e que depois dos disparos efetuados contra ele “de imediato foi solicitado o socorro médico, porém quando da chegada da equipe de salvamento foi constatado o óbito no local.”O POPULAR questionou a PM-GO se a corporação faz o uso de spray de pimenta e de armas de incapacitação por eletrochoque em ações policiais e se os agentes que estavam na ocorrência de José Carlos tinham esses equipamentos à disposição. Além disso, também foi perguntado se os membros da corporação recebem treinamento específico para abordar pessoas em surto psicótico. Porém, não houve resposta até o fechamento desta reportagem. Leia também:- Homem em aparente surto psicótico é morto em ação policial no Jardim América, em Goiânia; veja vídeo- Justiça decide que irmãos de paciente morto em clínica psiquiátrica sejam indenizados- Homem é condenado a 51 anos de prisão por matar 2 pessoas após discussão no trânsito, em Aparecida