As estações da antiga estrada de ferro de Goiás que não são protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ou pela administração dos municípios, lutam para sobreviver às intempéries do tempo. No estado, pelo menos cinco construções estão abandonadas e com a estrutura comprometida. Prefeituras dizem fazer esforços, mas encontram dificuldades para resgatar edificações que fazem parte da memória afetiva do povo goiano.A microempresária Sandra Ferreira, de 52 anos, ainda se lembra quando o trem de passageiros passava em Egerineu Teixeira, distrito de Orizona onde ela viveu até os 14 anos. “Era lindo. Eu e meus amigos temos as melhores memórias possíveis desse lugar. A cidade inteira se juntava para ver quem estava chegando e partindo. Eu adorava ficar sentada em uma das pilastras observando esse movimento todo”, relembra.Atualmente, Sandra mora em Goiânia. Porém, ela vai até Egerineu Teixeira com frequência. “É sempre dolorido ver a estação assim, toda destruída. Acredito que a reforma deste espaço poderia embelezar nossa cidade, além dele também servir como um museu ou local para atividades culturais. É uma pena ver tudo isso se acabando aos poucos”, pondera.O POPULAR visitou a estação ferroviária Egerineu Teixeira, que leva o mesmo nome do distrito. Além de diversas pichações, as portas e janelas de madeira estão fragilizadas. O local também estava com o telhado bastante comprometido. De acordo com moradores do local, parte dele caiu em 2021 depois de fortes chuvas e não é difícil ouvir telhas caindo no chão e se quebrando quando os ventos ficam mais fortes.A reportagem também esteve em outras seis estações. A de Mestre Nogueira e Leopoldo de Bulhões, ambas no município que nomeia esta última. Elas também estão bastante degradas. A de Mestre Nogueira fica na zona rural e está sendo invadida pela vegetação próxima. A Leopoldo de Bulhões fica na zona urbana, mas está fechada e sem uso. É possível ver, por fora, que a estrutura do local está comprometida.Já as estações das cidades de Silvânia e Vianópolis, e a dos distritos de Ponte Funda e Caraíba foram reformadas. Em Silvânia, a estação chegou a funcionar como museu, mas atualmente está apenas aberta para visitação. As estações de Ponte Funda e Caraíba funcionam, respectivamente, como biblioteca municipal e um cartório.A reportagem tentou contato com os prefeitos de Pires do Rio, Ipameri, Goiandira e Cumari, para saber qual o estado das estações que ficam nessas cidades, mas não obteve sucesso. Entretanto, estudiosos do assunto afirmam que algumas delas também estão em estado de degradação.PrefeiturasA chefia de gabinete da prefeitura de Orizona, que toma conta da estação Egerineu Teixeira, informou que inicialmente o prefeito Felipe Dias (MDB) procurou o Iphan, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a VLI, concessionária que controla o trecho, mas não obteve respostas.Diante deste cenário, a prefeitura da cidade destacou que já tem recursos próprios para fazer as reformas no local e que pretende encaminhar um Projeto de Lei para o Legislativo municipal tombando o imóvel como de valor histórico e arquitetônico para que assim possa ter legalidade para gastar recursos públicos na reforma, mesmo sem a autorização dos órgãos procurados.A situação se repete em outras cidades. O prefeito de Leopoldo de Bulhões, João Mendes (PL), confirmou ao POPULAR que já entrou em contato com órgãos federais para discutir a situação, mas não obteve sucesso. De acordo com ele, também é do interesse do município revitalizar, pelo menos, a estação que fica na zona urbana.O prefeito de Bonfinópolis, Kelton Pinheiro (sem partido), conta que apesar de não ter tido nenhuma resposta positiva do Dnit, pretende reformar a estação da cidade no segundo semestre deste ano. “O imóvel já tombado pelo município e já chamamos uma arquiteta que trabalhou unto ao Iphan para fazer o projeto dentro dos moldes corretos”, explica.Pinheiro diz que a intenção é transformar a estação em mais do que apenas um museu. “Queremos fazer uma pequena vila cenográfica com atrações gastronômicas e pequenos shows, para atender essa população que tem um saudosismo e grande carinho pela ferrovia.”DnitO POPULAR questionou o Dnit sobre o número de estações ferroviárias que existem em Goiás, qual o estado de conservação de cada uma delas e quais os trâmites que as prefeituras devem seguir para revitalizar os locais, mas até o fechamento desta reportagem não obteve reposta. Concessionária cuida de quatroA VLI, concessionária que controladora da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), informou por meio de nota “que é responsável por quatro estações no trecho que passa pelo estado de Goiás”, sendo que uma delas, a estação Roncador Novo, localizada em Pires do Rio, “está em bom estado de conservação e recebe locomotivas carregadas com grãos, minério, coque de petróleo e areia.”A concessionária comunicou ainda que a estação Egerineu Teixeira, em Orizona, foi devolvida para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em 2018 e não é mais responsabilidade da companhia. A reportagem questionou a VLI sobre quais são as outras três estações sob responsabilidade da concessionária, mas não obteve nenhuma resposta. A FCA, por onde passava a antiga estrada de ferro de Goiás, surgiu a partir da desestatização da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) na década de 1990. Atualmente, a FCA é a maior ferrovia do Brasil e está sob o controle da VLI desde 2011. No trecho de Goiás, ocorre apenas o transporte de cargas, sendo uma via de integração entre as regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. AO todo, ela conecta sete estados brasileiros diferentes e o Distrito Federal.Discussão sobre projeto de turismo ferroviário está paralisadaAs discussões sobre a implantação de um trem turístico na antiga estrada de ferro de Goiás estão paralisadas. É o que afirma Kelton Pinheiro, presidente do Consórcio de Cultura e Turismo da Região da Estrada de Ferro de Goiás e prefeito de Bonfinópolis. “No momento, não temos nenhum avanço.”Pinheiro explica que as condições atuais da ferrovia não são as ideias para o transporte de passageiros. “Precisam ser feitas alterações e melhoramentos para não ocorrer nenhum descarrilamento.”Outro problema que dificulta a execução d o projeto são as condições de algumas estações. A chefia de gabinete da prefeitura de Orizona informou que um dos motivos pelos quais a administração pública deseja revitalizar a estação Egerineu Teixeira é justamente o fato de que o município faz parte do consórcio e “esta estação é de vital importância para o projeto.”A intenção do projeto é de reativar trilhos, locomotivas e vagões para atrair passageiros em viagens turísticas numa região que vai de Senador Canedo até Catalão, na região da divisa com Minas Gerais. A ideia era fortalecer o turismo das cidades envolvidas, além de valorizar o patrimônio histórico e cultural de Goiás. “Nossos esforços são sempre no sentido de valorizar e resgatar a memória da estrada de ferro, que é uma parte importante do nosso estado”, diz Pinheiro, que também é prefeito de Bonfinópolis. O projeto apresentado em 2019 contava com um ônibus aberto, com opção de city tour com passeios por Goiânia até a estação de Senador Canedo, a cerca de 30 quilômetros da capital. De lá, os turistas poderiam embarcar no trem para passageiros. Na ocasião, a concessionária responsável chegou a oferecer uma locomotiva para fins turísticos.Atualmente, o trecho é usado apenas para o transporte de cargas, mas ao longo do século 20 foi usado para o transporte de passageiros, que foi encerrado em meados da década de 1980.Em nota, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que “enxerga como positiva a retomada da Estrada de Ferro para fins turísticos, por isso sugeriu que fosse instalado um fórum permanente de discussão e atuação, para somar esforços para a retomada da Estrada de Ferro em Goiás” e que esse fórum foi organizado e “o Iphan participou dos primeiros encontros deste Fórum, fortalecendo a iniciativa.” O órgão comunicou ainda que “ao longo dos últimos anos, o instituto também compôs um grupo de trabalho coordenado pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) sobre o assunto, visando à articulação entre Iphan e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para destacamento das áreas e cessão e também buscando a implantação da linha para uso turístico.” A reportagem questionou o Dnit sobre o assunto, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. Já a assessoria de imprensa do MP-GO informou que não localizou o suposto responsável por esta mediação. Sete construções são valoradas pelo IphanSete estações da antiga estrada de ferro de Goiás são valoradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) atualmente. São elas: a estação de Pires do Rio, Vianópolis, Ponte Funda e Caraíba, Goiandira, Silvânia, Urutaí e a de Goiânia. No momento, de acordo com o órgão, não há processo de valoração de outras estações ferroviárias no estado.Todas essas estações foram restauradas pelo instituto. Em 2009, foram entregues as intervenções nas estações de Pires do Rio, no valor de R$ 320 mil, e de Vianópolis, Ponte Funda e Caraíba, no valor de R$ 550 mil. Em 2011 foi entregue a obra de restauração da estação de Goiandira, no valor de R$ 600 mil. Em 2013, foi finalizada a obra da estação de Silvânia, no valor de R$ 600 mil e, em 2014, entregue a obra de restauração de Urutaí, no valor de R$ 700 mil. Além das restaurações das estações, o Iphan também fez ações de manutenção no Museu Ferroviário de Pires do Rio, implantado na antiga Oficina da extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), que é de responsabilidade e tombada pelo governo estadual. A obra foi entregue em 2010. Em nota, o Iphan comunicou que ao fim das restaurações, na entrega das obras para as prefeituras dos municípios, “foi assinado um termo de compromisso onde elas se comprometeram a manter, preservar e dar uso social efetivo aos espaços” e que oferece orientações periódicas e são feitas fiscalizações de rotina pelos técnicos do instituto. De acordo com o órgão, os bens valorados são aqueles “com valor cultural que decorreram da extinção da RFFSA”, sendo que pela legislação, os “classificados como não operacionais foram transferidos ao Iphan, enquanto bens operacionais continuam sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).”O órgão informou ainda que “considerando a representatividade destes bens em âmbito local e/ou regional, e a forte presença do ‘Trem’ na memória e imaginário da população, o Iphan vem estudando formas de proteção diferenciadas para esse universo, definindo critérios para atribuição de valor cultural aos bens desse conjunto.”-Imagem (Image_1.2496425)