O governo de Goiás promove duas iniciativa que visam a facilitar o pagamento de autuações decorrentes do desrespeito à legislação ambiental. Uma delas foi aprovada nesta segunda-feira (25) em primeira votação pela Assembleia Legislativa e propõe conceder descontos de até 98% em multas e juros para os quais não caibam mais recursos. A outra medida (Lei 20.961/21) foi sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) no último dia 13. Este texto estabelece, entre outras questões, mecanismos para reduzir o valor da penalidade administrativa em casos que ainda não estejam em execução.Pelo texto, são elegíveis todas as autuações julgadas em definitivo até 31 de dezembro de 2020. No entendimento da secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Andréa Vulcanis, esta é uma forma de combater a impunidade causada pela protelação de recursos que elevam o tempo até a quitação do débito. A matéria que partiu da Governadoria do Estado abrange também os créditos tributários e de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e ao Imposto Sobre Transmissão Causa Mortes e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD).Emenda do deputado Vinícius Cirqueira esclarece que as reduções previstas dizem respeito apenas a montantes provenientes de multas moratórias e juros. Os debates sobre o assunto foram acalorados.Se aprovado em segunda votação e sancionado, o projeto vai conceder a quem cometeu infrações ambientais descontos na multa e juros que variam de 60% a 98%. A variação é inversamente proporcional ao número de parcelas da negociação (veja quadro). O parcelamento pode ser feito em até 60 meses, com valor mínimo de 100 reais.Relatório da Procuradoria Geral do Estado (PGE) estima que o programa, incluindo os débitos de IPVA e ITCD, pode arrecadar R$ 63.583.078,71 entre 2021 e 2025.O projeto frisa que a concessão do desconto está condicionada à assinatura de um Termo de Compromisso para recuperação do eventual dano à natureza. Vulcanis afirma que a demora na tramitação das multas, tanto na fase administrativa quanto jurídica, que, diz ela, pode ultrapassar os dez anos, é um incentivo à prática irregular. “Quando o infrator comete uma infração e demora muito para que a penalidade seja efetivamente aplicada, isto incentiva novas infrações e não há uma correção das condutas que causam danos ambientais.”CostumeProfessor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás e na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Antônio Pasqualetto lembra que a prática de recuperação de créditos é comum, inclusive na esfera federal. Ele não critica a prática, mas ressalva que a recorrência em medidas do tipo pode comprometer a preocupação do infrator em quitar a dívida rapidamente. “Não se premia o pagamento em dia, mas dá um desconto. Do ponto de vista de educação não é positivo”. Pasqualetto acrescenta que, com isto, abre-se a possibilidade de os devedores de maior volume serem os mais beneficiados. “Geralmente os grandes têm assessorias jurídicas mais bem estruturadas e eles conhecem os meandros de legislação para se defender, seja na esfera administrativa ou criminal. Certamente, não é o pequeno, assim, é uma intuição que eu suspeito por ver nas causas judiciais, principalmente num país como o nosso.” Lei concede descontos no valor de autuaçõesA Lei 20.961/21, sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) no último dia 13, estabelece a possibilidade de dar descontos em multas ambientais.Por este mecanismo, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) pode promover audiências de autocomposição para infração administrativa ambiental consumada há, pelo menos, três anos, ou no caso de infração permanente, que tenha sido iniciada há mais de três anos. Os descontos variam de 35% a 60%, dependendo do momento do acordo. Uma pessoa ou empresa foi autuada em R$ 100 mil pode ter o valor reduzido para até R$ 40 mil. O valor pode ser convertido em serviços ambientais.O acúmulo de multas ambientais que o Estado tem para receber já foi tema de reportagens do POPULAR. “A gente procura trazer a solução para o primeiro momento logo depois da infração”, defende a titular da Semad, Andréa Vulcanis.Ainda a lei, os acordos poderão corrigir valores de penalidades julgados inadequados, ajustar medidas administrativas, inclusive a suspensão da mesma ou até declarar a nulidade de autos. O prazo para quitação é de 24 meses. A lei exclui da possibilidade os casos que tenham provocado mortes humanas ou graves consequências à saúde pública e ao bem-estar social.A secretária defende que isto não tira o foco da busca por agilidade nos processos internos da pasta. “Nós estamos criando grupos de atendimentos, dando prioridades para as novas infrações, imediatamente, buscar marcar a audiência de conciliação e um grupo vai tratar só do passivo”, explica Vulcanis.A lei também criou outro mecanismo para a Semad, o auto de orientação. Com ele, os fiscais emitem um documento para que o autor da irregularidade faça a correção, mas sem a multa. A secretária explica que o dispositivo é utilizado em operações que sejam desencadeadas previamente com este fim. Os valores vão para o Fundo Estadual de Meio Ambiente (Fema), que visa a investimentos ações prol dos recursos naturais. A arrecadação de multas, um dos constituintes do Fema, cresce desde 2018. Passou de R$ 1,889 milhão para R$ 5,207 milhões em 2020, quando o fundo levantou R$ 23,996 milhões. Especialista afirma que efetividade de mudanças depende de gestão Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), José Antônio Tietzmann e Silva acredita que as iniciativas do governo estadual favorecem a tramitação dos processos referentes às multas e que isto pode agilizar a arrecadação para o Fundo Estadual do Meio Ambiente (Fema). Na visão dele, desde que aplicados adequadamente, os recursos apresentam um ganho social, como a recuperação de nascentes, por exemplo. “É interessante para o Estado ver o dinheiro destas multas ir para o Fema”, pontua.O especialista também chama a atenção de que isto pode levar à ideia de que ‘o crime compensa’. “Não vamos generalizar, mas neste tipo de situação vai ter pessoas às vezes que vão se beneficiar injustamente e em detrimento do direito ao meio ambiente, que é de todo mundo.”O professor frisa que no caso dos descontos e conversão de multa em serviços ambientais, há previsão legal por meio do Decreto Federal 6.514/98.Outro detalhe apontado pelo professor é a necessidade de modernização e melhoria da eficiência do poder público para com o meio ambiente. Ele cita um exemplo de uma infração relativa ao não repasse de informações via sistema que não foi autuada rapidamente, e quando a mesma foi verificada, acabou gerando um montante muitas vezes maior que o inicial da infração.Um aspecto que o especialista considera importante é o fato de infrações que causaram grande monta e situações que envolvem perdas de vida, por exemplo, serem excluídas da possibilidade de beneficiamento.-Imagem (1.2187430)