“O que posso assegurar é que temos acesso a conversas e interceptações telefônicas, inclusive ordens de comandos que não são de Goiás. As interceptações telefônicas não deixam dúvidas disso. Não é conjectura minha. Já estamos acompanhando isso há mais de um ano.” A afirmação é do coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) Criminal do Ministério Público de Goiás (MP/GO), promotor Luciano Miranda Meireles, que aponta a facilidade de comunicação dos presos, por meio de telefones celulares, como sendo o elemento desencadeador de uma estruturação acelerada.A Operação Insone, deflagrada no final do ano passado, trouxe à tona o início de um processo rápido de batismos em unidades prisionais do interior do Estado, já indicando inclusive a existência de cargos e funções estabelecidas conforme o organograma da facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) (veja quadro). A entrada de armamentos nos presídios chegou a um ponto em que 600 munições e até uma granada foram apreendidas na última revista feita pelo Grupo de Operações Penitenciárias (Gope) na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.Delegados de polícia ponderam sobre o total real de presos faccionados, visto que muitos dos detidos nas respectivas alas podem não ser necessariamente integrantes de facções. Além disso, comprovar esse número por meio de investigações tornou-se algo complicado, visto que muitos resistem em afirmar ou reconhecer abertamente, pois estariam assumindo a prática de um crime, de pertencimento a um grupo criminoso. Isto, no entanto, não inibe o contexto de disputa e guerra, Entre eles, a divisão é nítida. “Quando o cara sai pra rua, ele já é carimbado. Esse é o grande problema. Ele fica carimbado, marcado pela ala em que estava no presídio. O crime no Estado polarizou. Eles chamam uns aos outros de vermes e os que saíram viram alvos”, conta o delegado titular da Delegacia Estadual de Investigações de Homicídios (DIG), Douglas Pedrosa. A rebelião do dia 1º de janeiro na unidade do Semiaberto, em Aparecida de Goiânia, entra nesse contexto. Tanto, que mensagens de WhatsApp que a reportagem teve acesso mostram crescente tensão entre grupos rivais, após o corrido. Uma imagem compartilhada no aplicativo de mensagem mostra três fotos diferentes de uma mesma pessoa, que seria um dos responsáveis pela rebelião, com a inscrição: “Decretado pelo CV (Comando Vermelho), onde ver é pra matar”. Já em um áudio que seria de um detento da Casa de Prisão Provisória (CPP), é manifestada a revolta pela chacina no Semiaberto. “Esses caras aí Deus vai dar água para ele, dar daquele modelo. Mexeu onde não devia mexer. Entraram em um laço, em um laço grande (sic)”, diz a mensagem. CONTATOSAs relações dos líderes de ala na POG também sinalizam a estruturação do crime organizado, no Estado. Em busca feita pela polícia, em 2014, no apartamento do traficante Stephan de Souza Viera, o BH, que vinha liderando a Ala B, foram encontradas armas, como fuzis israelenses, metralhadoras americanas e pistolas de uso exclusivo das forças de segurança. Na ocasião, a Operação Poderoso Chefão, deflagrada pela Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc), revelou a existência de uma quadrilha que movimentava R$ 2 milhões por mês só com a venda de drogas em Goiânia. Acima de Stephan, no grupo, estava André Luiz Oliveira Lima, o Andrezinho, que também foi líder da Ala B antes de BH e que fugiu da prisão assim que teve a progressão de regime para o semiaberto, em 2013. Ele nunca mais foi encontrado e, segundo a Polícia, ainda estaria exercendo influências no sistema prisional, pois, além de comandar os crimes, seria o elo de comunicação entre os presos goianos e a facção carioca Comando Vermelho. BH fugiu da mesma forma que André em novembro do ano passado, escondendo-se no Rio de Janeiro, mas foi recapturado este mês.Essa relação é evidenciada em relatório de inteligência do ano passado do serviço reservado da Polícia Militar de Goiás (PM2), que também revela que os líderes que assumiram a ala rival (Ala C), após a morte do traficante Thiago César de Souza, o Thiago Topete, em fevereiro do ano passado, começaram a dizer que a “Família da C” estaria “coligada” com o PCC. Um selo com a imagem de um escorpião começou a ser utilizado nos fardos de droga vendidos pelos traficantes da ala.