Novo estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) aponta que 142,8 mil goianos já podem ter contraído o novo coronavírus (Sars-CoV-2) até o dia 5 de maio, quando foi finalizado o levantamento. Na época, só havia 922 casos de Covid-19 confirmados no Estado, segundo boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO). A diferença se dá pela subnotificação, uma vez que a grande maioria dos infectados não desenvolve sintomas ou não se enquadrou no perfil de testados pelo poder público.Para chegar a este número, os pesquisadores cruzaram a quantidade de mortes registradas por Covid-19 em Goiás com projeções em estudos científicos consolidados que apontam a taxa de letalidade da doença (número de mortes dentro do total de pessoas infectadas).“O nosso modelo incorpora estas probabilidades destes eventos que puderam ser documentados e que estão publicados na literatura”, explica Thiago Rangel, professor e biólogo do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG.A projeção do total de infectados representa apenas 2,03% da população goiana, que atualmente está em torno de 7 milhões. Segundo Rangel, há estudos que mostram que o novo coronavírus pode contaminar mais de 50% de uma população. Caso esta projeção esteja correta, o avanço do vírus poderia perdurar, então, por meses.Esta é a primeira projeção divulgada de pessoas infectadas no Estado. Tanto o governo estadual, como as prefeituras de Goiânia e Aparecida começaram a realizar inquéritos sorológicos para ter uma estimativa mais precisa e chegar a uma noção do fluxo da Covid-19.Taxa de contágioO mesmo estudo, que atualiza projeções feitas no final de abril pelo grupo, aponta que a atual taxa de contaminação do vírus está em 1.6. Ou seja, um grupo de 10 pessoas infecta em média outras 16. Este índice já esteve em quase 1.1, considerado ideal para que o sistema público de saúde dê conta da demanda por leitos, mas voltou a subir, conforme mostra o estudo, quando os goianos foram relaxando no isolamento social.O trabalho mostrou que entre 21 de abril e 5 de maio, 236 dos 246 municípios goianos apresentaram tendência de redução no isolamento social e 186 tiveram uma média de isolamento social abaixo de 50% - patamar apontado como mínimo para frear o avanço do vírus. “Neste ritmo, o sistema não aguenta em médio prazo e teremos problemas já a partir de meados de junho”, comentou Rangel.Para o biólogo, se o índice de isolamento continuar caindo, como se confirmou no estudo atual, o poder público terá 15 dias para fazer o índice voltar a 50%. “Esta tendência de queda precisa ser rompida imediatamente”, afirmou.Em maio, todos os dias úteis ficaram abaixo de 40%, sendo que a média foi de menos de 38%, segundo a In Loco, empresa que faz monitoramento via dados de telefonia móvel e cujo trabalho é usado tanto por governos como por pesquisadores.E mesmo se o índice se mantiver nos porcentuais atuais, na verdade, as autoridades públicas vão ganhar mais 15 a 25 dias de sobrevida do sistema de saúde. Neste cenário, a oferta de leitos só aguentaria até um mês e meio, no máximo. “Se o isolamento ficar como hoje, sustenta até o final de junho e estoura em julho”, explicou o biólogo.O ideal, segundo Rangel, é que o índice de isolamento voltasse a ficar em 50% imediatamente, único cenário no qual o sistema não passa por nenhum momento de sobrecarga, segundo o estudo da UFG. “O ideal é ir se reorganizando para evitar medidas mais drásticas.”No pior dos cenários o estudo projeta 1.239 mortes por Covid-19 até junho. O primeiro trabalho, divulgado no começo do mês, acertou na projeção de mortes até o dia 5 de maio.PreocupaçãoA superintendente de Vigilância em Saúde da SES-GO, Flúvia Amorim, diz que a taxa de contágio detectada pelo grupo da UFG realmente é alta e que pode comprometer o sistema de saúde. Assim como Rangel, ela aponta que a única solução viável é fazer o índice de isolamento voltar a 50%. De acordo com a superintendente, quando a população aderiu às medidas de restrição que vieram com os primeiros decretos do governo estadual, o chamado número reprodutivo efetivo (Re), que atualmente está em 1.6, chegou a ficar abaixo de 1.“Hoje a única ferramenta é a diminuição da mobilidade social”, afirmou Flúvia, lembrando que não existe vacina contra a Covid-19 e que ao contrário de outras doenças, como a dengue, a qual se enfrenta eliminando o mosquito transmissor, no caso do novo coronavírus o isolamento social é a medida que comprovadamente tem se mostrado eficaz.A doutora em saúde pública e epidemiologia pela UFG, Érika Silveira, também considera alta a taxa de contágio em Goiás e diz que a escalada do indicador, vista principalmente a partir de 21 de abril, quando estava entre 1.2 e 1.3, é alarmante. “Subiu muito a partir das últimas semanas de abril e se continuar assim pode chegar a 2. As pessoas estão muito tranquilas, achando que o pior já passou e estão erradas”, alertou.Ida a mercado supera média pré-Covid-19O trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostra também que tem havido uma maior circulação de pessoas nas ruas não apenas para irem a mercados e farmácias como para parques e áreas públicas de passeio. Com base em informações repassadas pelo Google, a partir de monitoramento telefônico, foi constatado, inclusive, um pico no começo de maio por procura a mercados e similares em um nível até mesmo maior do que o observado antes da epidemia.“Gradativamente as pessoas têm relaxado e se continuar assim podemos igualar ao nível de 2019. Este dado ajuda a mostrar até que ponto pode ir a capacidade do Estado em limitar a mobilidade das pessoas, que acaba quando as pessoas estão desobedecendo”, disse o biólogo Thiago Rangel, um dos responsáveis pelo estudo.O trabalho conclui também que há um aumento gradual da circulação de pessoas causado pelo “engajamento da população em atividades não-essenciais”, como a presença em parques e atividades recreativas.“A tendência de variação da mobilidade dos goianos mostra uma redução gradual e constante do isolamento. Entre os dias 20 de abril e 2 de maio os goianos ficaram, em média, 0,15% menos em suas residências por dia. Ao mesmo tempo, cresceu a utilização de parques em média 1,29%/dia, mercado e farmácia 1,09%/dia, transporte público 1%/dia, varejo e recreação 0,72%/dia e escritório e indústria 0,23%/dia”, informa o trabalho feito pelo grupo da UFG.O levantamento também aponta que o tempo de internação hospitalar em leito convencional de pacientes com Covid-19 em Goiás tem sido de 1 a 22 dias, enquanto o de permanência em leito de UTI vai de 2 a 44 dias. Esta informação é importante para se calcular a capacidade de absorção da demanda com a evolução do contágio.No pior dos cenários, com o índice de isolamento seguindo em queda, estima-se que até 4,9 mil pessoas vão precisar de um leito de UTI até o fim de junho.Além de Rangel, integram a equipe o professor José Alexandre Diniz Filho, biólogo do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG, e a médica e professora Cristiana Toscano, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da UFG.